Pesquisar este blog

5 de mar. de 2023

JARDS MACALÉ - CONTRASTES (1977)

 
Gênio incompreendido, marginal da MPB, pós-tropicalista que rompeu com o movimento por julgá-lo comercial demais, Jards Macalé é o protótipo do “maldito” em nossa cena musical, rótulos que viria a rejeitar, julgando-se apenas um “músico que ama o Brasil e ser brasileiro”.

Presente em momentos cruciais das carreiras de Caetano Veloso (foi produtor de TRANSA, tido por muitos como o melhor disco do artista baiano), Gal (foi autor, ao lado de Waly Salomão, de VAPOR BARATO, uma das principais faixas do icônico álbum FA-TAL), Bethânia (que regravou sua composição MOVIMENTO DOS BARCOS em três ocasiões diferentes, sempre em álbuns ao vivo), teve turbulenta participação em festivais com a polêmica GOTHAM CITY (parceria com Capinam e arranjos de Rogério Duprat).

Não foram poucos seus embates com a censura, visado sobretudo por seu projeto O BANQUETE DOS MENDIGOS, show lançado em LP duplo em 1973 em comemoração aos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (com a participação de inúmeros nomes de relevo da MPB).

Em meio à sua inconstante discografia, CONTRASTES até que não se saiu mal para o padrão anticomercial do músico, conseguindo vender algumas dezenas de milhares de LPs, talvez por ter sido lançado pela Som Livre, gravadora ligada à Globo, que disponibilizou apreciável aparato de apoio e até encaixou uma faixa em trilha de novela.

Os ditos ‘contrastes’ se revelam no repertório em que o humor de composições vanguardistas (CACHORRO BABUCHO de Walter Franco) convive com o de outras tradicionais (PASSARINHO DO RELÓGIO de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira). No sotaque nordestino do baião “SIM E NÃO (que lhe valeu até uma prisão e posteriormente proibição de execução da canção devido a seu teor sexual) frente ao escracho à la Louis Armstrong da jazzística BLACK AND BLUE.

CONTRASTES é também o título da faixa que puxou o disco com o refrão “quanto mais longe do circo mais eu encontro palhaço”, de autoria do sambista Ismael Silva, por quem Macalé nutre reverenciosa admiração.

As notáveis participações vão de Gilberto Gil a Marlui Miranda, de Dominguinhos a Jackson do Pandeiro; do maestro Júlio Medaglia ao maestro Severino Araújo e sua Orquestra Tabajara; do Grupo Bendengó (de Gereba e Capenga) à patota do Som Imaginário (Wagner Tiso, Robertinho Silva, Luiz Alves). Sem contar o time de primeira linha de instrumentistas integrado por Djalma Corrêa, Paulo Moura, Nivaldo Ornellas, Altamiro Carrilho, Laércio de Freitas, Tomás Improta, Paulinho Braga e muito mais.

Paralelamente ao lançamento de um box do artista pelo selo Discobertas, a Som Livre relançou CONTRASTES (já houvera uma edição em 2003 pela Dubas), tendo-se dessa vez inserido 2 faixas bônus.

A polêmica em torno da capa do disco é história à parte. Na foto original do LP, Macalé aparece beijando a então namorada, Ana Miranda, envoltos numa samambaia. Na edição de 2003, a imagem não pôde ser utilizada, pois Ana desautorizou a reprodução, resultando numa esdrúxula mutilação de sua figura da foto que descaracterizou a ideia original de ‘contrastes’ do casal (moreno com branca). No último relançamento pela Som Livre, a ilustração da capa restringiu-se à prosaica samambaia verde, sumindo de vez os amantes e os contrastes.

.

Faixas:

1. Contrastes (Ismael Silva)

2. Sem Essa (Jards Macalé/Duda)

3. Poema Da Rosa (Bertold Brecht/Jards Macalé) (Música de Jards Macalé - Tradução de Augusto Boal da peça de Brecht “Mãe coragem”)

4. Black And Blue (Thomas Waller/Andy Razaf/Harry Brooks)

5. Sim Ou Não (Geraldo Gomes Mourão)

6. Conto do Pintor (Miguel Gustavo)

7. Negra Melodia (Jards Macalé/Waly Salomão)

8. Choro de Archanjo (Jards Macalé)

9. Cachorro Babucho (Walter Franco) - Participação: Marlui Miranda

10. Garoto (Jards Macalé)

11. Passarinho do Relógio (Cuco) (Haroldo Lobo/Milton de Oliveira)

12. No Meio do Mato (Jards Macalé)



23 de fev. de 2023

GILBERTO GIL E GERMANO MATHIAS - ANTOLOGIA DO SAMBA-CHORO (1978)


 Muitos dos que vivem em Sampa, especialmente os mais jovens, não sabem de quem se trata. Apesar disso, a vertente paulista do samba de raiz tem em Germano Mathias uma figura lendária.

O sambista nascido no Brás (o que confere um sotaque levemente ‘italianado’ a suas interpretações), aprendeu a batucar com engraxates da Praça da Sé que tiravam som de suas latinhas de graxa. Viveu momentos de glória no panorama musical dos anos 50 e 60, antes de desaparecer de cena.

Em 2007, teve revisitada sua carreira com o DVD “Ginga no Asfalto” com a participação de grandes nomes da música instrumental como Raul de Souza, Bocato, Guilherme Vergueiro e Osvaldinho da Cuíca, e acompanhamento do grupo Quinteto em Branco e Preto.

Antes disso, porém, o sambista amargou mais de três décadas de esquecimento, tendo que se virar em pequenos bares à custa de cachês irrisórios para sobreviver.

Durante esse período de ostracismo, Gilberto Gil, seu fã de carteirinha, prestou-lhe uma solitária homenagem: produziu e lançou o LP “Antologia do Samba Choro”, com 11 faixas do Catedrático do Samba, como era conhecido, em que se alternam interpretações de Gil e Germano.

Apesar do título, Germano rejeita o rótulo, considerando que seu samba não tem qualquer ligação com o choro.

Nele é possível apreciar alguns de seus famosos ‘sambas sincopados’: “Sr. Delegado”, “Minha Nega na Janela” (seu primeiro e maior sucesso) e “Acertei no Milhar” (composição de Wilson Batista e Geraldo Pereira).

“Minha Nega na Janela” tem sido alvo de críticas devido a sua letra extremamente machista: “Êta nega, tu é feia que parece macaquinha. Olhei pra ela e disse: Vai já pra cozinha, Dei um murro nela e joguei ela dentro da pia. Quem foi que disse que essa nega não cabia?” O fato é que os sambas sobretudo os das antigas tinham esse viés presente em diversos temas, de Bezerra da Silva a Zeca Pagodinho. Nem as letras de Chico Buarque foram poupadas nesse revisionismo. Mais recentemente, Germano reconheceu a inadequação dessas palavras no contexto atual de violência contra a mulher. A canção já aparecera no álbum CIDADE DE SÃO SALVADOR de Gil (1998) e, à época, ninguém se incomodara com a questão.

Por razões de direitos autorais, o álbum original jamais chegou a CD em sua integralidade, sendo talvez o único item inédito da discografia do músico baiano, o que torna o LP uma preciosidade para fãs e colecionadores.

As músicas interpretadas por Germano Mathias foram extraídas do LP O SAMBISTA DIFERENTE, Polydor,  de 1957.

As 6 faixas interpretadas por Gil foram relançadas, integrando a série e-collection da Warner.

Germano deixou-nos como não poderia deixar de ser numa quarta-feira de cinzas de 2023 aos 88 anos, cheio de planos para o futuro.

.

Faixas:

1. Acertei No Milhar (Wilson Batista/Geraldo Pereira) - Gilberto Gil

2. Falso Rebolado (Venâncio/Jorge Costa) - Germano Mathias

3. Escurinho (Geraldo Pereira) - Gilberto Gil

4. Minha Pretinha (Jair Gonçalves/Edson Borges) - Germano Mathias

5. Senhor Delegado (Antoninho Lopes/Jaú) - Germano Mathias

6. Senhor Delegado (Antoninho Lopes/Jaú) - Gilberto Gil

7. Minha Nega na Janela (Germano Mathias/Doca) - Gilberto Gil

8. Não Volto Pra Casa (Denis Brean/Osvaldo Guilherme) - Germano Mathias

9. A Situação Do Escurinho (Aldacir Louro/Padeirinho) - Gilberto Gil

10. Rua (Jair Gonçalves) - Germano Mathias

11. Samba Rubro-Negro (Wilson Batista/Jorge de Castro) - Gilberto Gil




25 de nov. de 2022

ERASMO CARLOS (1967)

O quarto álbum da carreira de Erasmo ficou meio esquecido em meio à discografia do roqueiro, talvez por guardar a triste sina de ter sido concebido no período em que o Tremendão estava de relações cortadas com seu eterno parceiro Roberto Carlos. Por conseguinte, não traz nenhuma faixa de autoria da dupla Roberto & Erasmo, a mais profícua parceria da história da música brasileira (por alguns considerada a equivalente tupiniquim da dobradinha Lennon & McCartney), responsável por um número infindável de canções do repertório de ambos que fizeram história. O rompimento das relações com o Brasa durou mais ou menos um ano e é detalhado no filme biográfico MINHA FAMA DE MAU de 2019.

Pra piorar, Erasmo vinha de uma situação de desgaste por ter sido indiciado juntamente com Eduardo Araújo por prática de sexo com duas adolescentes numa ‘festa de arromba’, acusação da qual, embora absolvido, reforçou negativamente sua ‘fama de mau’.

Erasmo vinha de uma fase afortunada, tendo emplacado hits como FESTA DE ARROMBA, GATINHA MANHOSA, A CARTA, O TREMENDÃO e PODE VIR QUENTE QUE EU ESTOU FERVENDO, presentes nos 3 primeiros discos. Mas agora a Jovem Guarda mostrava sinais de esgotamento e o programa da TV Record que reunia a patota ligada ao gênero vivia seu ocaso, frente às novas tendências da música brasileira (tropicalismo, músicas de protesto, festivais etc.).

O álbum sem título de 1967 parecia ser o derradeiro suspiro no movimento. A própria capa transparecia essa mudança com Erasmo posando com ar solene, cabelo alinhado e trajes distintos com uma garbosa gola rolê, que em nada lembrava a postura irreverente dos tempos áureos do iê-iê-iê.

Mas a Jovem Guarda ainda se fez presente no álbum, com seus temas românticos banais em duas composições de Erasmo. Há participação de músicas de Carlos Imperial e Martinha.

Mas já há sinais de flertes com o samba-rock e a MPB como no improvável clássico NÃO ME DIGA ADEUS (Paquito, Luís Soberano e João Correia da Silva), do repertório de Aracy de Almeida, Hebe Camargo, Elza Soares e Nara Leão.

Nos discos seguintes, Erasmo aprofundaria essa busca de novos rumos, especialmente no álbum de 1970 (com canções emblemáticas como COQUEIRO VERDE e SENTADO À BEIRA DO CAMINHO além da presença de composições de Caetano, Ary Barroso e Antônio Adolfo).

Outro destaque do disco de 1967 é CARAMELO, versão do mega-hit MELLOW YELLOW. Os versos transladados para português por Roberto Carlos, sua solitária contribuição ao álbum, fazem referência ao sabor de um beijo, bem diferente do original do cantor folk escocês Donovan que, especula-se, seria sobre uma droga alucinógena derivada de uma casca de banana. 

Mas a cereja do bolo é, sem dúvida, CADERNINHO que, embora frequentemente atribuída a Erasmo, é na verdade uma composição de Alemão, codinome do guitarrista Olmir Stocker, que posteriormente iria se consagrar como um dos mais conceituados nomes da música instrumental nacional, tendo integrado grupos de primeira como Brazilian Octopus (ao lado de Lanny Gordin e Hermeto) e Medusa (em substituição a Heraldo do Monte). Ao que consta, Alemão aderiu à Jovem Guarda por razões comerciais. O músico teve participação expressiva no álbum assinando quatro faixas. CADERNINHO certamente foi a canção que mais lhe rendeu direitos autorais. O compacto com a canção fez estrondoso sucesso, figurando entre os mais vendidos do ano. O êxito deveu-se ao delicioso arranjo inspirado na estética dançante, embalado por palmas, característica de Chris Montez, que estourara mundialmente com “The More I See You” alguns meses antes.

Wilson Simonal que anteviu semelhanças com o ‘som de pilantragem’, de que era seu representante máximo, manifestou interesse em interpretar a canção em primeira mão. A preferência por Erasmo deveu-se à interferência de Wanderléa junto a Alemão, de quem era muito próxima, tendo-o inclusive convidado a integrar sua banda de apoio, Os Wandecos.

Além de Alemão, o álbum contou com a preciosa colaboração do trombonista Raul de Souza e do Som Três de César Camargo Mariano. Contou ainda com o suporte dos grupos jovem-guardistas Fevers e Wandecos.

Esse subestimado álbum pertence ao catálogo da RGE, que bancou o ingresso de Erasmo no estrelato, porém a gravadora jamais o lançou em CD. Tendo assumido o catálogo da RGE, a BMG, recuperou-o como parte do box TREMENDÃO que contém os seis primeiros álbuns de Erasmo, remasterizados e com fichas técnicas. Ganhou ainda duas faixas bônus: uma versão estendida de CADERNINHO mais a canção CAPOEIRADA de sua autoria, uma rara participação de Erasmo em festivais (III Festival de MPB da TV Record), desclassificada na fase eliminatória do evento, vencido por Edu Lobo com “Ponteio”.

.

Faixas:

1.      Cara Feia Pra Mim É Fome (Olmir Stocker ''Alemão''/Vicente de Paula Salvia)

2.      O Ajudante do Kaiser (I Was Kaiser Bill's Batman) (Roger Cook/Roger Greenaway/Vrs. Fred Jorge)

3.      Neném, Corta Essa (Erasmo Carlos)

4.      Só Sonho Quando Penso Que Você Sente o Que Eu Sinto (Martinha)

5.      O Caderninho (Olmir Stocker ''Alemão'')

6.      Larguem Meu Pé (Erasmo Carlos)

7.      Caramelo (Mellow Yellow) (Donovan Leitch/Vrs. Roberto Carlos)

8.      Saidinha e Assanhada (Vicente de Paula Salvia)

9.      Quase Perdi Seu Amor (Olmir Stocker ''Alemão''/Newton de Siqueira Campos)

10.  Brotinho Sem Juízo (Carlos Imperial)

11.  A Garotinha da Estação (Newton de Siqueira Campos/Olmir Stocker ''Alemão'')

12.  Não Me Diga Adeus (Paquito/Luis Soberano/João Correia da Silva)




9 de nov. de 2022

GAL COSTA - GAL (1969)


Nem Caetano, nem Gil. Esse disco de Gal de 1969, é possivelmente o álbum mais radicalmente tropicalista de toda a história da MPB.

A cantora explodira há pouco como uma das grandes vozes da nossa música com seu primeiro álbum solo (aquele que continha DIVINO MARAVILHOSO, BABY, QUE PENA, SE VOCÊ PENSA e NÃO IDENTIFICADO), lançado alguns meses antes.

Rompeu de vez, a partir desse álbum seu segundo álbum solo, sem título (apelidado de  CINEMA OLYMPIA, a faixa de abertura, para evitar confusões com o primeiro álbum, também sem título, do mesmo ano) com o tom bossanovista adotado do início de sua carreira de Maria de Graça e soltou sem dó a sua portentosa e maravilhosa voz, assumindo uma postura hippie/psicodélica sob influência de Janis Joplin, a começar pela capa multicolorida, elaborada pelo artista plástico baiano Dicinho, sua obra mais arrojada.

Tendo ao fundo o baixo e a guitarra do mítico Lanny Gordin, Gal não poupou distorções, uivos e atonalidades, algo que expurgou totalmente de seus trabalhos posteriores. Foi o experimentalismo levado a suas últimas consequências.

A prova é a música MEU NOME É GAL (composta especialmente para ela pela dupla Roberto e Erasmo Carlos). Em meio a viagens sonoras, Gal elenca seus maiores ídolos musicais (“o pessoal da pesada”) e recita sua profissão de fé “Se um dia eu tiver alguém com bastante amor pra me dar, não precisa sobrenome pois é o amor que faz o homem”. A canção seria regravada com um arranjo bem mais comportado dez anos depois no álbum GAL TROPICAL, onde as estrepolias da gravação original foram abolidas.

O álbum traz também PAÍS TROPICAL de Jorge Ben com a participação de Caetano e Gil, que recebeu uma roupagem bem mais interessante do que a gravação de Simonal que a consagrou. De Ben, outra pérola, a então inédita TUAREG, em que o compositor carioca mescla seus interesses pelo exotismo da cultura oriental, com seu incomparável suíngue, homenageando, sob uma atmosfera sonora árabe, o guerreiro da tribo do deserto.

Jards Macalé participa com seu violão em THE EMPTY BOAT, canção de Caetano Veloso, faixa presente também em seu álbum branco lançado concomitantemente ao de Gal.

A obra foi produzida por Manoel Barembein e recebeu arranjos e direção musical do maestro Rogério Duprat, dois nomes emblemáticos do tropicalismo, que estiveram por trás também do disco coletivo TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENCIS (o mais importante manifesto do movimento tropicalista) que teve também a indispensável participação da cantora baiana.

Lançado pela Philips (atual Universal), saiu também em CD mas está fora de catálogo.

.

Faixas:

1. "Cinema Olympia" Caetano Veloso 3:09

2. "Tuareg" Jorge Ben 3:25

3. "Cultura e Civilização" Gilberto Gil 4:21

4. "País Tropical" Jorge Ben (featuring Caetano Veloso, Gilberto Gil) 3:49

5. "Meu Nome é Gal" Roberto Carlos, Erasmo Carlos 3:26

6. "Com Medo, Com Pedro" Gilberto Gil 3:07

7. "The Empty Boat" Caetano Veloso (featuring Jards Macalé) 4:07

8. "Objeto Sim, Objeto Não" Gilberto Gil 5:10

9. "Pulsars e Quasars" Jards Macalé, Capinam 4:58


10 de ago. de 2022

CAETANO VELOSO (1971)

 
Se há algo de positivo a ser extraído para Caetano Veloso de seu triste exílio em Londres foi que esse traumático período de dois anos e meio possibilitou-lhe criar duas das maiores obras de sua rica discografia: os álbuns de 1971, sem nome, e TRANSA de 1972.

De TRANSA, quase tudo já foi dito: produzido por Jards Macalé (que nele também toca violão) e com a participação, dentre outros, de Tutty Moreno, Gal Costa e Ângela Ro Ro, o disco vem a cada ano firmando-se como como o mais cultuado do artista baiano. Apesar de não ter nenhuma faixa conhecida do grande público, é reiteradamente citado como obra prima atemporal, uma das maiores da MPB. Com repertório bilíngue (mesclando inglês com português), o LP, com uma capa tripla que se abre formando um triângulo, foi lançado quando Caetano já se encontrava de volta ao Brasil.

Quanto ao disco de 1971, foi também gravado em Londres em inglês, à exceção do cover de ASA BRANCA de autoria de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira e de algumas passagens de IF YOU HOLD A STONE. Foram inseridos nessa canção, na qual Caetano revela a tristeza de estar longe de casa, versos de MARINHEIRO SÓ (“eu não sou daqui, eu não tenho amor, eu sou da Bahia, de São Salvador”), tema de domínio público e trechos de QUERO VOLTAR PRA BAHIA (“eu não vim aqui para ser feliz, cadê o meu sol dourado, cadê as coisas do meu país?”), grande sucesso de Paulo Diniz, composto justamente em sua homenagem.

O álbum, o terceiro da sua carreira solo, não tem nome, assim como os dois que o precederam, identificados pelas faixas de abertura: TROPICÁLIA (de 1968) e IRENE (de 1969, também conhecido como “álbum branco”).  A faixa que o nomeou foi A LITTLE MORE BLUES, canção que aborda a prisão e a contrariedade por deixar o país. Passou (quase) incólume pela censura, possivelmente porque os censores não entendiam inglês. Mas as toupeiras implicaram com uma citação à atriz e cantora Libertad Lamarque, imaginando referir-se a ‘Liberdade para Lamarca’ (o líder guerrilheiro), vetando o trecho em que foi feita a menção à artista argentino-mexicana. Eram esses sábios senhores que ditavam os rumos da cultura nacional durante esse amargo período.

A lembrar: com o endurecimento do regime, Caetano e Gil haviam sido detidos e depois confinados em Salvador. Apesar de suas canções no período tropicalista não terem conotação política, sua postura libertária e iconoclasta foi considerada subversiva. Os militares toparam libertar os dois desde que deixassem o país. Fixaram então residência na capital britânica. Durante esse período (1969 a 1972), entraram em contato com o movimento hippie e com a cena musical londrina (Jimi Hendrix, Who, Pink Floyd e sobretudo os Rolling Stones) e apresentaram-se no palco alternativo do Festival da Ilha de Wight ao lado da banda Hawkind, tendo impressionado os ingleses pela sua performance exótica misturando rock e funk com ritmos brasileiros.

Mergulhado na amargura por estar deportado, Caetano recebeu convite para gravar o álbum em inglês pelo produtor britânico Ralph Mace. A habilidade de se expressar nesse idioma não lhe era nova: já compusera e interpretara músicas em inglês (EMPTY BOAT, LOST IN THE PARADISE). Nem por isso, abriu mão do carregado sotaque nordestino imprimido a algumas faixas. Mace incentivou-o também a utilizar-se do violão à sua maneira peculiar, sob influência de João Gilberto, algo inédito em sua carreira e a que ele resistia por não se considerar um bom instrumentista.

Através desse álbum, Caetano pôde dar vazão a toda sua angústia, exposta no austero semblante barbudo e desleixado da foto da capa, adjetivado posteriormente como ‘horroroso’ e ‘deprimidérrimo’ pelo próprio artista, que traja um grosso casaco de pele para enfrentar a frieza da metrópole britânica, longe da caloroso clima tropical.

Em MARIA BETHÂNIA, um dos mais badalados temas, o músico baiano suplica a sua irmã que lhe envie notícias boas: “please send me a letter, I wish to know things are getting better, better, better, beta, beta, Bethânia”.

Mas o grande hit do disco foi LONDON LONDON, já conhecido na voz de Gal Costa (álbum LEGAL, 1970), porém com uma estrofe diferente. Anos mais tarde, seria regravada pelo RPM, tornando-se a faixa mais conhecida de RÁDIO PIRATA AO VIVO (1986), o quarto álbum mais vendido do país até hoje. A canção também denota a desolação do autor vagando a esmo pelas ruas de Londres sem ninguém para dizer ‘alô’: “I'm wandering round and round, nowhere to go, I'm lonely in London, London is lovely so (...) I know no one here to say hello”.

Até em ASA BRANCA, com um arranjo semipsicodélico de mais de 7 minutos, onde se sobressai o pungente violão, há referências ao desterro, no caso, o ‘exílio’ forçado dos retirantes nordestinos determinado pela seca: “hoje longe, muitas léguas numa triste solidão” e "eu te asseguro, não chore não, viu, que eu voltarei, viu, meu coração”.

As demais 6 faixas são de autoria de Caetano, sendo IN THE HOT SUN OF A CRISTMAS DAY, parceria com Gil, uma bela canção que inexplicavelmente não “aconteceu”.

O álbum foi gravado em 1970 e contou com o arranjo orquestral do maestro inglês Phil Ryan. No ano seguinte, foi lançado no mercado inglês pelo selo Famous/GW, sendo editado no Brasil pela Philips. Sendo um disco ‘difícil’ com faixas longas cantadas em inglês, previsivelmente vendeu pouco. Mas, assim como TRANSA, vem sendo valorizado com o tempo.

.

Faixas:

1. "A Little More Blue" (Caetano Veloso) – 4:44

2. "London, London" (Caetano Veloso) – 4:11

3. "Maria Bethânia" (Caetano Veloso) – 6:57

4. "If You Hold a Stone"* (Caetano Veloso) – 6:02

5. "Shoot Me Dead" (Caetano Veloso) – 3:19

6. "In the Hot Sun of a Christmas Day" (Gilberto Gil, Caetano Veloso) – 3:13

7. "Asa Branca" (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira) – 7:26



13 de jul. de 2022

EDUARDO GUDIN, MÁRCIA & PAULO CÉSAR PINHEIRO – TUDO O QUE MAIS NOS UNIU (1996)

Registro de apresentação ao vivo reunindo dois expoentes do samba, um carioca (Pinheiro) e um paulistano (Gudin) mais a cantora Márcia.

Pinheiro, um dos mais profícuos e inspirados letristas, tem trabalhos com Pixinguinha, João Nogueira, Martinho da Vila, Moacyr Luz, Elton Medeiros, Tom Jobim, Carlos Lyra, João Donato, Ivan Lins, Edu Lobo, Francis Hime, Dori Caymmi, Joyce, Toquinho, Lenine, Sivuca, Raphael Rabello, Baden Powell e Egberto Gismonti, além de uma consagrada parceria, que rendeu mais de 80 composições, com Gudin.

Este por sua vez tem colaborações com lendários compositores de samba como Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini, Hermínio Bello de Carvalho, Elton Medeiros e Aldir Blanc, além de ter produzido o laureado disco BETH CARVALHO CANTA O SAMBA DE SÃO PAULO (1994). Com amplo domínio sobre o violão e sólida formação musical, transitou do samba de raiz à música atonal, colaborando com Arrigo Barnabé nos álbuns CIDADE OCULTA e TUBARÕES VOADORES.

Completa o time a também paulistana Márcia, intérprete titular de duas obras primas atemporais da MPB: RONDA de Paulo Vanzolini e EU E A BRISA de Johnny Alf. Ao que consta, foi ela que criou a ponte inicial entre os dois compositores, ao entregar ao carioca uma fita cassete de uma composição do paulista para que fosse inserida a letra. A partir de então, nasceu uma sólida relação de parceria à distância que se sustentou ao longo de décadas através de regulares contatos telefônicos.

Os três artistas são também conhecidos pelos seus cônjuges notáveis. Pinheiro foi casado por 8 anos com Clara Nunes até a morte dessa, assinando (em parceria com Mauro Duarte) sua mais famosa composição, CANTO DAS TRÊS RAÇAS. Gudin, por seu turno, desposou Vânia Bastos, cantora ligada à vanguarda paulista, em conjunto com a qual gerou o excelente álbum GUDIN & VÂNIA (1989). Quanto à distinta e serena Márcia, teve como improvável companheiro por mais de 30 anos, o popular e desbocado locutor esportivo Sylvio Luís, criador dos bordões “olho no lance” e “pelas barbas do profeta”.

Esses diferenciados parceiros matrimoniais (uma sambista, uma cantora de vanguarda e um narrador de futebol) denotam as peculiaridades dos artistas, cuja fusão revelou-se perfeita. Gudin, com sua sólida formação musical e sua paixão pelo samba esmerado encontrou nas letras de Pinheiro um complemento ideal. Por outro lado, a voz aveludada de Márcia serviu como contraponto à rouquidão escrachada de Pinheiro que, por sua vez, confronta a sobriedade de Gudin.

A performance no SESC Pompeia (SP) registrada em CD pela gravadora Velas teve como objetivo homenagear um espetáculo histórico de duas décadas antes, O IMPORTANTE É QUE NOSSA EMOÇÃO SOBREVIVA, realizado pelos mesmos três no palco do Teatro Oficina (SP), em condições históricas opostas. À ocasião, o show teve a conotação de resistência cultural, a começar pelo título, um brado contra a opressão do regime autoritário vigente.

 Apesar de toda essa simbologia, passou incólume pela censura. Pinheiro que era freguês dos censores, enfrentou tantos problemas que criou um modus operandi para lidar com eles. Segundo relata, alguns artistas de massa, pouco visados, tinham suas músicas aprovadas sem grandes dificuldades. Para driblar a censura, o compositor carioca embaralhava suas composições na mesma pasta para confundir a fiscalização. A coisa deve ter funcionado pois foram surpreendentemente liberadas canções como MORDAÇA (“tudo que se assumiu, desandou, tudo que se construiu, desabou, o que faz invencível a ação negativa”) e PESADELO (“você corta um verso eu escrevo outro, você me prende vivo, eu escapo morto”), parceria com Maurício Tapajós.

Esta última, famosa na interpretação do MPB-4, constou na 2ª parte do show, gravada no Teatro Ginástico (RJ) em fevereiro de 1976 com a participação de Guinga ao violão.

Os dois espetáculos foram lançados em diferentes LPs (1975 e 1976), tendo sido reunidos num único CD na série Dois em Um pela EMI, mas o disco tornou-se relíquia.

Grande parte das canções dos shows originais foi revivida no álbum de 1996 que faz também uma releitura de outras parcerias dos dois músicos. São 16 faixas, incluindo um pot-pourri, somando 21 canções, 17 das quais de autoria da dupla.

Destaque para VENENO, a música de maior sucesso do show original (“Dei o manto para quem vai me desnudar e em meu canto abriguei quem vai me expulsar. Eu te dei de beber. No mesmo copo você vai me envenenar”), inconcebível sem a magistral interpretação de Márcia, e DESPERDÍCIO (“meu coração cicatrizou mas nunca mais ficou perfeito, se enclausurou dentro do peito, renunciando a todo amor”).

Aparecem também os hits MAIOR É DEUS, um dos maiores êxitos de Beth Carvalho, E LÁ SE VÃO MEUS ANEIS, samba que deu à dupla o 1º lugar no Festival Universitário de 1971 da TV Tupi, sob a impagável interpretação d’OS ORIGINAIS DO SAMBA, e VERDE (parceria de Gudin com Costa Neto), 3º lugar no Festival dos Festivais da Globo de 1985, defendida pela principiante Leila Pinheiro (eleita cantora revelação do evento).

O título do espetáculo e do álbum, TUDO O QUE MAIS NOS UNIU, bem como o dos 2 shows em que se baseou, O IMPORTANTE É QUE NOSSA EMOÇÃO SOBREVIVA (VOL. 1 E VOL. 2) foram extraídos de MORDAÇA, faixa que finaliza os 3 espetáculos.

Sem o peso e a desesperança, presentes no show original, transcorrido durante a vigência do AI-5, no mesmo ano em que o jornalista Vladimir Herzog fora assassinado nas dependências do DOI-CODI, o novo espetáculo pegou um país democratizado com os artistas e o público mais descontraídos, em que a obra pôde ser apreciada menos por sua conotação política do que pelas qualidades musicais e poéticas de 3 artistas fundamentais da nossa música.

O álbum foi relançado em 2000 pela Dabliú por ocasião dos 50 anos de Gudin. Mas já sumiu do mercado de novo.

Conforme escreve o crítico Zuza Homem de Mello, na contracapa de apresentação do CD, “Essa parceria que fora tão concentrada e se tornou um tanto dispersa ao longa da careira individual de cada um desses dois exuberantes compositores, mostra ser nesse CD, uma das mais felizes, íntegras e destacadas das que foram geradas na terra do samba. Pudera: se Gudin e Paulinho já sabiam o que faziam há 20 anos, que tal agora, já ilustres e mais sábios?”

.

Faixas:

1. Santo Dia (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

2. Veneno (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

3. O Cristal E O Marfim (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

4. Velho Casarão (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro) 

5. Arrebentação (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

6. Recado ao Poeta (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

7. Desperdício (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

8. E Lá Se Vão Meus Anéis (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

9. Consideração (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)  

10. Pot-pourri ''Roda De Samba'':

Caso (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Justiça (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Deixa Teu Mal (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Maior É Deus (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Chorei (Eduardo Gudin/Mauro Duarte/Paulo César Pinheiro)

11. Pensamento (Eduardo Gudin)

12. Mãos Vazias (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

13. A Velhice da Porta-Bandeira (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

14. Solidão (Paulo César Pinheiro)

15. Refém da Solidão (Baden Powell/Paulo César Pinheiro)

16. Verde (Eduardo Gudin/J. C. Costa Neto) / Mordaça (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro) 



29 de jun. de 2022

PAULO DINIZ - ESTRADAS (1976)

 

Reza a lenda que o principiante Paulo Diniz foi demitido de seu emprego de locutor na rádio Jornal do Commercio de Recife por pronunciar errado nomes em inglês. De fato, caso ele tivesse afinidade com o idioma, saberia que a forma correta de seu famoso refrão “I wanna to go back to Bahia” seria “I want to go back” ou “I wanna go back”. Seja como for, se seguisse a carreira radialista, o Brasil ficaria privado do talento musical desse peculiar artista pernambucano que transitava do soul e do samba-rock até o pop romântico para desaguar em trabalhos mais elaborados, mas pouco divulgados. Teve canções gravadas por intérpretes do quilate de Elizeth Cardoso, Doris Monteiro, Clara Nunes, Simone, Emílio Santiago, Daniela Mercury, Wando, Bebeto, Rolando Boldrin e Jota Quest. Por problemas de saúde e de locomoção (contraiu esquistossomose), teve que se afastar dos palcos e das gravações e morreu quase no ostracismo.  

Como tantos de sua geração (Tim Maia, Hyldon), começou no iê-iê-iê, com O CHORÃO, compacto de 1966 que obteve razoável sucesso, com uma letra simplória, característica do estilo. Essa e outras gravações de sua fase inicial foram reunidas no álbum BRASIL, BRASA, BRASEIRO (1967) pelo selo Beverly/Copacabana, incorporado à EMI/ODEON, gravadora que passou a concentrar quase toda a obra do músico. A começar com EU QUERO VOLTAR PRA BAHIA, compacto de retumbante sucesso comercial (parceria com Odibar, seu fiel colaborador), canção de protesto composta em homenagem a Caetano Veloso que se encontrava exilado. Lançada durante os anos de chumbo da ditadura, passou incólume pelo crivo da censura. Caetano retribuiria a cortesia apenas em 2014, registrando a canção no show de lançamento do DVD ABRAÇAÇO, embora tivesse incorporado alguns versos em IF YOU HOLD A STONE (faixa de seu disco de 1971), entremeada por MARINHEIRO SÓ.

EU QUERO VOLTAR... integrou o álbum homônimo (1970), o mais importante da carreira do músico, em que abre espaço para a psicodelia (a começar pela capa) contendo ainda três outras composições conhecidas, todas parcerias com Odibar: UM CHOPE PRA DISTRAIR, PIRI PIRI e PONHA UM ARCO-ÍRIS NA SUA MORINGA, tema 'udigrudi' a ele proposto pelo poeta Paulo Leminski de quem foi amigo. A letra fazia menção a Wilson Simonal, eliminada nas versões posteriores, em vista do cruel processo de fritura de que Simona foi vítima, praticamente banido da MPB por suas supostas (mas nunca comprovadas) ligações com os órgãos de repressão, segundo denúncias fomentadas pelo jornal O Pasquim, o mesmo cujas publicações de Caetano, enviadas de Londres, inspiraram a faixa título. Ironicamente, Simonal tentou obter permissão para gravar a canção em primeira mão, porém o autor sabiamente preferiu, ele mesmo registrá-la com sua inconfundível voz rouca e vibrante.

O álbum seguinte, de 1971, contém a música mais conhecida de seu repertório, a balada romântica PINGOS DE AMOR, acolhida por um público mais amplo, sendo regravada por cantores populares como Sula Miranda, Turma do Pagode, Fernando Mendes, Ricardo Chaves e Wanderley Cardoso,  além de ser adotada como hino pelas torcidas do Grêmio e do Inter. Mas a versão que a revitalizou foi a do Kid Abelha.

Nessa fase áurea (começo dos anos 70), Diniz ganhou bastante dinheiro, muito bem gasto, segundo ele, com mulheres e bebida. Vencida essa etapa, entrou em contato com poetas vanguardistas pernambucanos como Juareiz Correya e Marconi Notaro e teve o suporte de músicos de renome como Nivaldo Ornelas, Wagner Tiso, Hélio Delmiro, Sivuca, Chico Batera, Gilson Peranzetta, Wilson das Neves, Gerson King Combo, Jarbas Mariz, o pessoal do Azymuth e o guitarrista Marcelo Sussekind (Herva Doce), este presente em todos os álbuns do período Odeon.

ESTRADAS, de 1976, talvez tenha sido o mais ambicioso. Aclamado pela crítica, recebeu cuidado especial da gravadora, com orquestração e regência do mestre João Donato e uma bela capa e contracapa, na qual o titular peregrina reflexivo pelo agreste. O álbum foi concebido a partir de uma caminhada a pé de 36 dias feita por Diniz de Recife a Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero, de quem sua mãe era devota, em companhia do amigo Juareiz Correya, letrista de 5 das faixas. Dentre elas, OCO DO MUNDO (não confundir com canção de Gilberto Gil com título semelhante) que nomearia um documentário sobre a vida do artista.

No disco, é musicado o poema de Manuel Bandeira, VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA, consagrando seu hábito de homenagear poetas de sua predileção, como já fizera com Carlos Drummond de Andrade, Gregório de Matos, Augusto dos Anjos, Jorge de Lima e Ferreira Gullar.

Ao contrário do que se imagina, AS ESTRADAS, bela composição de Luís Vagner e Tom Gomes, não faz parte do álbum cujo título inspirou, tendo sido editada em single.

ESTRADAS foi um dos poucos álbuns do artista lançado em CD, porém agregado ao álbum de 1970 na série 2 em 1. Uma pena que a Odeon, detentora dos direitos de 8 dos 11 discos do músico, prefira disponibilizar em CD apenas coletâneas, sempre com as mesmas faixas, ao invés de fazê-lo com os álbuns originais.

Paulo Diniz foi um músico brilhante que mereceria ter uma revisão de sua obra. Zeca Baleiro, um de seus fervorosos fãs, já demonstrou disposição de colaborar com tal iniciativa.

.

Faixas:

1. Vou-me Embora Pra Pasárgada (Mús Paulo Diniz s/poema de Manuel Bandeira)

2. Capim da Lagoa (Paulo Diniz/Zé Castor)

3. A Seca (Waldir Neves)

4. Desejo Mudo (Paulo Diniz/Juarez Correya)

5. Junco do Seridó (Paulo Diniz/Juarez Correya)

6. Poema Para Léa (Paulo Diniz/Juarez Correya)

7. Baião das Alagoas (Paraibinha)

8. Ciranda do Mar (Paulo Diniz/Zé do Norte)

9. Peixe Vivo (Tradicional) - Participação: Nayde

10. Cravo Vermelho (Carlos Fernando)

11. Ôco do Mundo (Paulo Diniz/Juarez Correya)

12. Guarânia Morena (Paulo Diniz/Juarez Correya)



Mais visitadas