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25 de nov. de 2022

ERASMO CARLOS (1967)

O quarto álbum da carreira de Erasmo ficou meio esquecido em meio à discografia do roqueiro, talvez por guardar a triste sina de ter sido concebido no período em que o Tremendão estava de relações cortadas com seu eterno parceiro Roberto Carlos. Por conseguinte, não traz nenhuma faixa de autoria da dupla Roberto & Erasmo, a mais profícua parceria da história da música brasileira (por alguns considerada a equivalente tupiniquim da dobradinha Lennon & McCartney), responsável por um número infindável de canções do repertório de ambos que fizeram história. O rompimento das relações com o Brasa durou mais ou menos um ano e é detalhado no filme biográfico MINHA FAMA DE MAU de 2019.

Pra piorar, Erasmo vinha de uma situação de desgaste por ter sido indiciado juntamente com Eduardo Araújo por prática de sexo com duas adolescentes numa ‘festa de arromba’, acusação da qual, embora absolvido, reforçou negativamente sua ‘fama de mau’.

Erasmo vinha de uma fase afortunada, tendo emplacado hits como FESTA DE ARROMBA, GATINHA MANHOSA, A CARTA, O TREMENDÃO e PODE VIR QUENTE QUE EU ESTOU FERVENDO, presentes nos 3 primeiros discos. Mas agora a Jovem Guarda mostrava sinais de esgotamento e o programa da TV Record que reunia a patota ligada ao gênero vivia seu ocaso, frente às novas tendências da música brasileira (tropicalismo, músicas de protesto, festivais etc.).

O álbum sem título de 1967 parecia ser o derradeiro suspiro no movimento. A própria capa transparecia essa mudança com Erasmo posando com ar solene, cabelo alinhado e trajes distintos com uma garbosa gola rolê, que em nada lembrava a postura irreverente dos tempos áureos do iê-iê-iê.

Mas a Jovem Guarda ainda se fez presente no álbum, com seus temas românticos banais em duas composições de Erasmo. Há participação de músicas de Carlos Imperial e Martinha.

Mas já há sinais de flertes com o samba-rock e a MPB como no improvável clássico NÃO ME DIGA ADEUS (Paquito, Luís Soberano e João Correia da Silva), do repertório de Aracy de Almeida, Hebe Camargo, Elza Soares e Nara Leão.

Nos discos seguintes, Erasmo aprofundaria essa busca de novos rumos, especialmente no álbum de 1970 (com canções emblemáticas como COQUEIRO VERDE e SENTADO À BEIRA DO CAMINHO além da presença de composições de Caetano, Ary Barroso e Antônio Adolfo).

Outro destaque do disco de 1967 é CARAMELO, versão do mega-hit MELLOW YELLOW. Os versos transladados para português por Roberto Carlos, sua solitária contribuição ao álbum, fazem referência ao sabor de um beijo, bem diferente do original do cantor folk escocês Donovan que, especula-se, seria sobre uma droga alucinógena derivada de uma casca de banana. 

Mas a cereja do bolo é, sem dúvida, CADERNINHO que, embora frequentemente atribuída a Erasmo, é na verdade uma composição de Alemão, codinome do guitarrista Olmir Stocker, que posteriormente iria se consagrar como um dos mais conceituados nomes da música instrumental nacional, tendo integrado grupos de primeira como Brazilian Octopus (ao lado de Lanny Gordin e Hermeto) e Medusa (em substituição a Heraldo do Monte). Ao que consta, Alemão aderiu à Jovem Guarda por razões comerciais. O músico teve participação expressiva no álbum assinando quatro faixas. CADERNINHO certamente foi a canção que mais lhe rendeu direitos autorais. O compacto com a canção fez estrondoso sucesso, figurando entre os mais vendidos do ano. O êxito deveu-se ao delicioso arranjo inspirado na estética dançante, embalado por palmas, característica de Chris Montez, que estourara mundialmente com “The More I See You” alguns meses antes.

Wilson Simonal que anteviu semelhanças com o ‘som de pilantragem’, de que era seu representante máximo, manifestou interesse em interpretar a canção em primeira mão. A preferência por Erasmo deveu-se à interferência de Wanderléa junto a Alemão, de quem era muito próxima, tendo-o inclusive convidado a integrar sua banda de apoio, Os Wandecos.

Além de Alemão, o álbum contou com a preciosa colaboração do trombonista Raul de Souza e do Som Três de César Camargo Mariano. Contou ainda com o suporte dos grupos jovem-guardistas Fevers e Wandecos.

Esse subestimado álbum pertence ao catálogo da RGE, que bancou o ingresso de Erasmo no estrelato, porém a gravadora jamais o lançou em CD. Tendo assumido o catálogo da RGE, a BMG, recuperou-o como parte do box TREMENDÃO que contém os seis primeiros álbuns de Erasmo, remasterizados e com fichas técnicas. Ganhou ainda duas faixas bônus: uma versão estendida de CADERNINHO mais a canção CAPOEIRADA de sua autoria, uma rara participação de Erasmo em festivais (III Festival de MPB da TV Record), desclassificada na fase eliminatória do evento, vencido por Edu Lobo com “Ponteio”.

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Faixas:

1.      Cara Feia Pra Mim É Fome (Olmir Stocker ''Alemão''/Vicente de Paula Salvia)

2.      O Ajudante do Kaiser (I Was Kaiser Bill's Batman) (Roger Cook/Roger Greenaway/Vrs. Fred Jorge)

3.      Neném, Corta Essa (Erasmo Carlos)

4.      Só Sonho Quando Penso Que Você Sente o Que Eu Sinto (Martinha)

5.      O Caderninho (Olmir Stocker ''Alemão'')

6.      Larguem Meu Pé (Erasmo Carlos)

7.      Caramelo (Mellow Yellow) (Donovan Leitch/Vrs. Roberto Carlos)

8.      Saidinha e Assanhada (Vicente de Paula Salvia)

9.      Quase Perdi Seu Amor (Olmir Stocker ''Alemão''/Newton de Siqueira Campos)

10.  Brotinho Sem Juízo (Carlos Imperial)

11.  A Garotinha da Estação (Newton de Siqueira Campos/Olmir Stocker ''Alemão'')

12.  Não Me Diga Adeus (Paquito/Luis Soberano/João Correia da Silva)




9 de nov. de 2022

GAL COSTA - GAL (1969)


Nem Caetano, nem Gil. Esse disco de Gal de 1969, é possivelmente o álbum mais radicalmente tropicalista de toda a história da MPB.

A cantora explodira há pouco como uma das grandes vozes da nossa música com seu primeiro álbum solo (aquele que continha DIVINO MARAVILHOSO, BABY, QUE PENA, SE VOCÊ PENSA e NÃO IDENTIFICADO), lançado alguns meses antes.

Rompeu de vez, a partir desse álbum seu segundo álbum solo, sem título (apelidado de  CINEMA OLYMPIA, a faixa de abertura, para evitar confusões com o primeiro álbum, também sem título, do mesmo ano) com o tom bossanovista adotado do início de sua carreira de Maria de Graça e soltou sem dó a sua portentosa e maravilhosa voz, assumindo uma postura hippie/psicodélica sob influência de Janis Joplin, a começar pela capa multicolorida, elaborada pelo artista plástico baiano Dicinho, sua obra mais arrojada.

Tendo ao fundo o baixo e a guitarra do mítico Lanny Gordin, Gal não poupou distorções, uivos e atonalidades, algo que expurgou totalmente de seus trabalhos posteriores. Foi o experimentalismo levado a suas últimas consequências.

A prova é a música MEU NOME É GAL (composta especialmente para ela pela dupla Roberto e Erasmo Carlos). Em meio a viagens sonoras, Gal elenca seus maiores ídolos musicais (“o pessoal da pesada”) e recita sua profissão de fé “Se um dia eu tiver alguém com bastante amor pra me dar, não precisa sobrenome pois é o amor que faz o homem”. A canção seria regravada com um arranjo bem mais comportado dez anos depois no álbum GAL TROPICAL, onde as estrepolias da gravação original foram abolidas.

O álbum traz também PAÍS TROPICAL de Jorge Ben com a participação de Caetano e Gil, que recebeu uma roupagem bem mais interessante do que a gravação de Simonal que a consagrou. De Ben, outra pérola, a então inédita TUAREG, em que o compositor carioca mescla seus interesses pelo exotismo da cultura oriental, com seu incomparável suíngue, homenageando, sob uma atmosfera sonora árabe, o guerreiro da tribo do deserto.

Jards Macalé participa com seu violão em THE EMPTY BOAT, canção de Caetano Veloso, faixa presente também em seu álbum branco lançado concomitantemente ao de Gal.

A obra foi produzida por Manoel Barembein e recebeu arranjos e direção musical do maestro Rogério Duprat, dois nomes emblemáticos do tropicalismo, que estiveram por trás também do disco coletivo TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENCIS (o mais importante manifesto do movimento tropicalista) que teve também a indispensável participação da cantora baiana.

Lançado pela Philips (atual Universal), saiu também em CD mas está fora de catálogo.

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Faixas:

1. "Cinema Olympia" Caetano Veloso 3:09

2. "Tuareg" Jorge Ben 3:25

3. "Cultura e Civilização" Gilberto Gil 4:21

4. "País Tropical" Jorge Ben (featuring Caetano Veloso, Gilberto Gil) 3:49

5. "Meu Nome é Gal" Roberto Carlos, Erasmo Carlos 3:26

6. "Com Medo, Com Pedro" Gilberto Gil 3:07

7. "The Empty Boat" Caetano Veloso (featuring Jards Macalé) 4:07

8. "Objeto Sim, Objeto Não" Gilberto Gil 5:10

9. "Pulsars e Quasars" Jards Macalé, Capinam 4:58


10 de ago. de 2022

CAETANO VELOSO (1971)

 
Se há algo de positivo a ser extraído para Caetano Veloso de seu triste exílio em Londres foi que esse traumático período de dois anos e meio possibilitou-lhe criar duas das maiores obras de sua rica discografia: os álbuns de 1971, sem nome, e TRANSA de 1972.

De TRANSA, quase tudo já foi dito: produzido por Jards Macalé (que nele também toca violão) e com a participação, dentre outros, de Tutty Moreno, Gal Costa e Ângela Ro Ro, o disco vem a cada ano firmando-se como como o mais cultuado do artista baiano. Apesar de não ter nenhuma faixa conhecida do grande público, é reiteradamente citado como obra prima atemporal, uma das maiores da MPB. Com repertório bilíngue (mesclando inglês com português), o LP, com uma capa tripla que se abre formando um triângulo, foi lançado quando Caetano já se encontrava de volta ao Brasil.

Quanto ao disco de 1971, foi também gravado em Londres em inglês, à exceção do cover de ASA BRANCA de autoria de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira e de algumas passagens de IF YOU HOLD A STONE. Foram inseridos nessa canção, na qual Caetano revela a tristeza de estar longe de casa, versos de MARINHEIRO SÓ (“eu não sou daqui, eu não tenho amor, eu sou da Bahia, de São Salvador”), tema de domínio público e trechos de QUERO VOLTAR PRA BAHIA (“eu não vim aqui para ser feliz, cadê o meu sol dourado, cadê as coisas do meu país?”), grande sucesso de Paulo Diniz, composto justamente em sua homenagem.

O álbum, o terceiro da sua carreira solo, não tem nome, assim como os dois que o precederam, identificados pelas faixas de abertura: TROPICÁLIA (de 1968) e IRENE (de 1969, também conhecido como “álbum branco”).  A faixa que o nomeou foi A LITTLE MORE BLUES, canção que aborda a prisão e a contrariedade por deixar o país. Passou (quase) incólume pela censura, possivelmente porque os censores não entendiam inglês. Mas as toupeiras implicaram com uma citação à atriz e cantora Libertad Lamarque, imaginando referir-se a ‘Liberdade para Lamarca’ (o líder guerrilheiro), vetando o trecho em que foi feita a menção à artista argentino-mexicana. Eram esses sábios senhores que ditavam os rumos da cultura nacional durante esse amargo período.

A lembrar: com o endurecimento do regime, Caetano e Gil haviam sido detidos e depois confinados em Salvador. Apesar de suas canções no período tropicalista não terem conotação política, sua postura libertária e iconoclasta foi considerada subversiva. Os militares toparam libertar os dois desde que deixassem o país. Fixaram então residência na capital britânica. Durante esse período (1969 a 1972), entraram em contato com o movimento hippie e com a cena musical londrina (Jimi Hendrix, Who, Pink Floyd e sobretudo os Rolling Stones) e apresentaram-se no palco alternativo do Festival da Ilha de Wight ao lado da banda Hawkind, tendo impressionado os ingleses pela sua performance exótica misturando rock e funk com ritmos brasileiros.

Mergulhado na amargura por estar deportado, Caetano recebeu convite para gravar o álbum em inglês pelo produtor britânico Ralph Mace. A habilidade de se expressar nesse idioma não lhe era nova: já compusera e interpretara músicas em inglês (EMPTY BOAT, LOST IN THE PARADISE). Nem por isso, abriu mão do carregado sotaque nordestino imprimido a algumas faixas. Mace incentivou-o também a utilizar-se do violão à sua maneira peculiar, sob influência de João Gilberto, algo inédito em sua carreira e a que ele resistia por não se considerar um bom instrumentista.

Através desse álbum, Caetano pôde dar vazão a toda sua angústia, exposta no austero semblante barbudo e desleixado da foto da capa, adjetivado posteriormente como ‘horroroso’ e ‘deprimidérrimo’ pelo próprio artista, que traja um grosso casaco de pele para enfrentar a frieza da metrópole britânica, longe da caloroso clima tropical.

Em MARIA BETHÂNIA, um dos mais badalados temas, o músico baiano suplica a sua irmã que lhe envie notícias boas: “please send me a letter, I wish to know things are getting better, better, better, beta, beta, Bethânia”.

Mas o grande hit do disco foi LONDON LONDON, já conhecido na voz de Gal Costa (álbum LEGAL, 1970), porém com uma estrofe diferente. Anos mais tarde, seria regravada pelo RPM, tornando-se a faixa mais conhecida de RÁDIO PIRATA AO VIVO (1986), o quarto álbum mais vendido do país até hoje. A canção também denota a desolação do autor vagando a esmo pelas ruas de Londres sem ninguém para dizer ‘alô’: “I'm wandering round and round, nowhere to go, I'm lonely in London, London is lovely so (...) I know no one here to say hello”.

Até em ASA BRANCA, com um arranjo semipsicodélico de mais de 7 minutos, onde se sobressai o pungente violão, há referências ao desterro, no caso, o ‘exílio’ forçado dos retirantes nordestinos determinado pela seca: “hoje longe, muitas léguas numa triste solidão” e "eu te asseguro, não chore não, viu, que eu voltarei, viu, meu coração”.

As demais 6 faixas são de autoria de Caetano, sendo IN THE HOT SUN OF A CRISTMAS DAY, parceria com Gil, uma bela canção que inexplicavelmente não “aconteceu”.

O álbum foi gravado em 1970 e contou com o arranjo orquestral do maestro inglês Phil Ryan. No ano seguinte, foi lançado no mercado inglês pelo selo Famous/GW, sendo editado no Brasil pela Philips. Sendo um disco ‘difícil’ com faixas longas cantadas em inglês, previsivelmente vendeu pouco. Mas, assim como TRANSA, vem sendo valorizado com o tempo.

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Faixas:

1. "A Little More Blue" (Caetano Veloso) – 4:44

2. "London, London" (Caetano Veloso) – 4:11

3. "Maria Bethânia" (Caetano Veloso) – 6:57

4. "If You Hold a Stone"* (Caetano Veloso) – 6:02

5. "Shoot Me Dead" (Caetano Veloso) – 3:19

6. "In the Hot Sun of a Christmas Day" (Gilberto Gil, Caetano Veloso) – 3:13

7. "Asa Branca" (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira) – 7:26



13 de jul. de 2022

EDUARDO GUDIN, MÁRCIA & PAULO CÉSAR PINHEIRO – TUDO O QUE MAIS NOS UNIU (1996)

Registro de apresentação ao vivo reunindo dois expoentes do samba, um carioca (Pinheiro) e um paulistano (Gudin) mais a cantora Márcia.

Pinheiro, um dos mais profícuos e inspirados letristas, tem trabalhos com Pixinguinha, João Nogueira, Martinho da Vila, Moacyr Luz, Elton Medeiros, Tom Jobim, Carlos Lyra, João Donato, Ivan Lins, Edu Lobo, Francis Hime, Dori Caymmi, Joyce, Toquinho, Lenine, Sivuca, Raphael Rabello, Baden Powell e Egberto Gismonti, além de uma consagrada parceria, que rendeu mais de 80 composições, com Gudin.

Este por sua vez tem colaborações com lendários compositores de samba como Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini, Hermínio Bello de Carvalho, Elton Medeiros e Aldir Blanc, além de ter produzido o laureado disco BETH CARVALHO CANTA O SAMBA DE SÃO PAULO (1994). Com amplo domínio sobre o violão e sólida formação musical, transitou do samba de raiz à música atonal, colaborando com Arrigo Barnabé nos álbuns CIDADE OCULTA e TUBARÕES VOADORES.

Completa o time a também paulistana Márcia, intérprete titular de duas obras primas atemporais da MPB: RONDA de Paulo Vanzolini e EU E A BRISA de Johnny Alf. Ao que consta, foi ela que criou a ponte inicial entre os dois compositores, ao entregar ao carioca uma fita cassete de uma composição do paulista para que fosse inserida a letra. A partir de então, nasceu uma sólida relação de parceria à distância que se sustentou ao longo de décadas através de regulares contatos telefônicos.

Os três artistas são também conhecidos pelos seus cônjuges notáveis. Pinheiro foi casado por 8 anos com Clara Nunes até a morte dessa, assinando (em parceria com Mauro Duarte) sua mais famosa composição, CANTO DAS TRÊS RAÇAS. Gudin, por seu turno, desposou Vânia Bastos, cantora ligada à vanguarda paulista, em conjunto com a qual gerou o excelente álbum GUDIN & VÂNIA (1989). Quanto à distinta e serena Márcia, teve como improvável companheiro por mais de 30 anos, o popular e desbocado locutor esportivo Sylvio Luís, criador dos bordões “olho no lance” e “pelas barbas do profeta”.

Esses diferenciados parceiros matrimoniais (uma sambista, uma cantora de vanguarda e um narrador de futebol) denotam as peculiaridades dos artistas, cuja fusão revelou-se perfeita. Gudin, com sua sólida formação musical e sua paixão pelo samba esmerado encontrou nas letras de Pinheiro um complemento ideal. Por outro lado, a voz aveludada de Márcia serviu como contraponto à rouquidão escrachada de Pinheiro que, por sua vez, confronta a sobriedade de Gudin.

A performance no SESC Pompeia (SP) registrada em CD pela gravadora Velas teve como objetivo homenagear um espetáculo histórico de duas décadas antes, O IMPORTANTE É QUE NOSSA EMOÇÃO SOBREVIVA, realizado pelos mesmos três no palco do Teatro Oficina (SP), em condições históricas opostas. À ocasião, o show teve a conotação de resistência cultural, a começar pelo título, um brado contra a opressão do regime autoritário vigente.

 Apesar de toda essa simbologia, passou incólume pela censura. Pinheiro que era freguês dos censores, enfrentou tantos problemas que criou um modus operandi para lidar com eles. Segundo relata, alguns artistas de massa, pouco visados, tinham suas músicas aprovadas sem grandes dificuldades. Para driblar a censura, o compositor carioca embaralhava suas composições na mesma pasta para confundir a fiscalização. A coisa deve ter funcionado pois foram surpreendentemente liberadas canções como MORDAÇA (“tudo que se assumiu, desandou, tudo que se construiu, desabou, o que faz invencível a ação negativa”) e PESADELO (“você corta um verso eu escrevo outro, você me prende vivo, eu escapo morto”), parceria com Maurício Tapajós.

Esta última, famosa na interpretação do MPB-4, constou na 2ª parte do show, gravada no Teatro Ginástico (RJ) em fevereiro de 1976 com a participação de Guinga ao violão.

Os dois espetáculos foram lançados em diferentes LPs (1975 e 1976), tendo sido reunidos num único CD na série Dois em Um pela EMI, mas o disco tornou-se relíquia.

Grande parte das canções dos shows originais foi revivida no álbum de 1996 que faz também uma releitura de outras parcerias dos dois músicos. São 16 faixas, incluindo um pot-pourri, somando 21 canções, 17 das quais de autoria da dupla.

Destaque para VENENO, a música de maior sucesso do show original (“Dei o manto para quem vai me desnudar e em meu canto abriguei quem vai me expulsar. Eu te dei de beber. No mesmo copo você vai me envenenar”), inconcebível sem a magistral interpretação de Márcia, e DESPERDÍCIO (“meu coração cicatrizou mas nunca mais ficou perfeito, se enclausurou dentro do peito, renunciando a todo amor”).

Aparecem também os hits MAIOR É DEUS, um dos maiores êxitos de Beth Carvalho, E LÁ SE VÃO MEUS ANEIS, samba que deu à dupla o 1º lugar no Festival Universitário de 1971 da TV Tupi, sob a impagável interpretação d’OS ORIGINAIS DO SAMBA, e VERDE (parceria de Gudin com Costa Neto), 3º lugar no Festival dos Festivais da Globo de 1985, defendida pela principiante Leila Pinheiro (eleita cantora revelação do evento).

O título do espetáculo e do álbum, TUDO O QUE MAIS NOS UNIU, bem como o dos 2 shows em que se baseou, O IMPORTANTE É QUE NOSSA EMOÇÃO SOBREVIVA (VOL. 1 E VOL. 2) foram extraídos de MORDAÇA, faixa que finaliza os 3 espetáculos.

Sem o peso e a desesperança, presentes no show original, transcorrido durante a vigência do AI-5, no mesmo ano em que o jornalista Vladimir Herzog fora assassinado nas dependências do DOI-CODI, o novo espetáculo pegou um país democratizado com os artistas e o público mais descontraídos, em que a obra pôde ser apreciada menos por sua conotação política do que pelas qualidades musicais e poéticas de 3 artistas fundamentais da nossa música.

O álbum foi relançado em 2000 pela Dabliú por ocasião dos 50 anos de Gudin. Mas já sumiu do mercado de novo.

Conforme escreve o crítico Zuza Homem de Mello, na contracapa de apresentação do CD, “Essa parceria que fora tão concentrada e se tornou um tanto dispersa ao longa da careira individual de cada um desses dois exuberantes compositores, mostra ser nesse CD, uma das mais felizes, íntegras e destacadas das que foram geradas na terra do samba. Pudera: se Gudin e Paulinho já sabiam o que faziam há 20 anos, que tal agora, já ilustres e mais sábios?”

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Faixas:

1. Santo Dia (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

2. Veneno (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

3. O Cristal E O Marfim (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

4. Velho Casarão (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro) 

5. Arrebentação (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

6. Recado ao Poeta (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

7. Desperdício (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

8. E Lá Se Vão Meus Anéis (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

9. Consideração (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)  

10. Pot-pourri ''Roda De Samba'':

Caso (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Justiça (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Deixa Teu Mal (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Maior É Deus (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Chorei (Eduardo Gudin/Mauro Duarte/Paulo César Pinheiro)

11. Pensamento (Eduardo Gudin)

12. Mãos Vazias (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

13. A Velhice da Porta-Bandeira (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

14. Solidão (Paulo César Pinheiro)

15. Refém da Solidão (Baden Powell/Paulo César Pinheiro)

16. Verde (Eduardo Gudin/J. C. Costa Neto) / Mordaça (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro) 



29 de jun. de 2022

PAULO DINIZ - ESTRADAS (1976)

 

Reza a lenda que o principiante Paulo Diniz foi demitido de seu emprego de locutor na rádio Jornal do Commercio de Recife por pronunciar errado nomes em inglês. De fato, caso ele tivesse afinidade com o idioma, saberia que a forma correta de seu famoso refrão “I wanna to go back to Bahia” seria “I want to go back” ou “I wanna go back”. Seja como for, se seguisse a carreira radialista, o Brasil ficaria privado do talento musical desse peculiar artista pernambucano que transitava do soul e do samba-rock até o pop romântico para desaguar em trabalhos mais elaborados, mas pouco divulgados. Teve canções gravadas por intérpretes do quilate de Elizeth Cardoso, Doris Monteiro, Clara Nunes, Simone, Emílio Santiago, Daniela Mercury, Wando, Bebeto, Rolando Boldrin e Jota Quest. Por problemas de saúde e de locomoção (contraiu esquistossomose), teve que se afastar dos palcos e das gravações e morreu quase no ostracismo.  

Como tantos de sua geração (Tim Maia, Hyldon), começou no iê-iê-iê, com O CHORÃO, compacto de 1966 que obteve razoável sucesso, com uma letra simplória, característica do estilo. Essa e outras gravações de sua fase inicial foram reunidas no álbum BRASIL, BRASA, BRASEIRO (1967) pelo selo Beverly/Copacabana, incorporado à EMI/ODEON, gravadora que passou a concentrar quase toda a obra do músico. A começar com EU QUERO VOLTAR PRA BAHIA, compacto de retumbante sucesso comercial (parceria com Odibar, seu fiel colaborador), canção de protesto composta em homenagem a Caetano Veloso que se encontrava exilado. Lançada durante os anos de chumbo da ditadura, passou incólume pelo crivo da censura. Caetano retribuiria a cortesia apenas em 2014, registrando a canção no show de lançamento do DVD ABRAÇAÇO, embora tivesse incorporado alguns versos em IF YOU HOLD A STONE (faixa de seu disco de 1971), entremeada por MARINHEIRO SÓ.

EU QUERO VOLTAR... integrou o álbum homônimo (1970), o mais importante da carreira do músico, em que abre espaço para a psicodelia (a começar pela capa) contendo ainda três outras composições conhecidas, todas parcerias com Odibar: UM CHOPE PRA DISTRAIR, PIRI PIRI e PONHA UM ARCO-ÍRIS NA SUA MORINGA, tema 'udigrudi' a ele proposto pelo poeta Paulo Leminski de quem foi amigo. A letra fazia menção a Wilson Simonal, eliminada nas versões posteriores, em vista do cruel processo de fritura de que Simona foi vítima, praticamente banido da MPB por suas supostas (mas nunca comprovadas) ligações com os órgãos de repressão, segundo denúncias fomentadas pelo jornal O Pasquim, o mesmo cujas publicações de Caetano, enviadas de Londres, inspiraram a faixa título. Ironicamente, Simonal tentou obter permissão para gravar a canção em primeira mão, porém o autor sabiamente preferiu, ele mesmo registrá-la com sua inconfundível voz rouca e vibrante.

O álbum seguinte, de 1971, contém a música mais conhecida de seu repertório, a balada romântica PINGOS DE AMOR, acolhida por um público mais amplo, sendo regravada por cantores populares como Sula Miranda, Turma do Pagode, Fernando Mendes, Ricardo Chaves e Wanderley Cardoso,  além de ser adotada como hino pelas torcidas do Grêmio e do Inter. Mas a versão que a revitalizou foi a do Kid Abelha.

Nessa fase áurea (começo dos anos 70), Diniz ganhou bastante dinheiro, muito bem gasto, segundo ele, com mulheres e bebida. Vencida essa etapa, entrou em contato com poetas vanguardistas pernambucanos como Juareiz Correya e Marconi Notaro e teve o suporte de músicos de renome como Nivaldo Ornelas, Wagner Tiso, Hélio Delmiro, Sivuca, Chico Batera, Gilson Peranzetta, Wilson das Neves, Gerson King Combo, Jarbas Mariz, o pessoal do Azymuth e o guitarrista Marcelo Sussekind (Herva Doce), este presente em todos os álbuns do período Odeon.

ESTRADAS, de 1976, talvez tenha sido o mais ambicioso. Aclamado pela crítica, recebeu cuidado especial da gravadora, com orquestração e regência do mestre João Donato e uma bela capa e contracapa, na qual o titular peregrina reflexivo pelo agreste. O álbum foi concebido a partir de uma caminhada a pé de 36 dias feita por Diniz de Recife a Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero, de quem sua mãe era devota, em companhia do amigo Juareiz Correya, letrista de 5 das faixas. Dentre elas, OCO DO MUNDO (não confundir com canção de Gilberto Gil com título semelhante) que nomearia um documentário sobre a vida do artista.

No disco, é musicado o poema de Manuel Bandeira, VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA, consagrando seu hábito de homenagear poetas de sua predileção, como já fizera com Carlos Drummond de Andrade, Gregório de Matos, Augusto dos Anjos, Jorge de Lima e Ferreira Gullar.

Ao contrário do que se imagina, AS ESTRADAS, bela composição de Luís Vagner e Tom Gomes, não faz parte do álbum cujo título inspirou, tendo sido editada em single.

ESTRADAS foi um dos poucos álbuns do artista lançado em CD, porém agregado ao álbum de 1970 na série 2 em 1. Uma pena que a Odeon, detentora dos direitos de 8 dos 11 discos do músico, prefira disponibilizar em CD apenas coletâneas, sempre com as mesmas faixas, ao invés de fazê-lo com os álbuns originais.

Paulo Diniz foi um músico brilhante que mereceria ter uma revisão de sua obra. Zeca Baleiro, um de seus fervorosos fãs, já demonstrou disposição de colaborar com tal iniciativa.

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Faixas:

1. Vou-me Embora Pra Pasárgada (Mús Paulo Diniz s/poema de Manuel Bandeira)

2. Capim da Lagoa (Paulo Diniz/Zé Castor)

3. A Seca (Waldir Neves)

4. Desejo Mudo (Paulo Diniz/Juarez Correya)

5. Junco do Seridó (Paulo Diniz/Juarez Correya)

6. Poema Para Léa (Paulo Diniz/Juarez Correya)

7. Baião das Alagoas (Paraibinha)

8. Ciranda do Mar (Paulo Diniz/Zé do Norte)

9. Peixe Vivo (Tradicional) - Participação: Nayde

10. Cravo Vermelho (Carlos Fernando)

11. Ôco do Mundo (Paulo Diniz/Juarez Correya)

12. Guarânia Morena (Paulo Diniz/Juarez Correya)



16 de jun. de 2022

ABÍLIO MANOEL - PENA VERDE (1970)

 


O nome não esconde: Abílio Manoel é de fato português, tendo-se estabelecido, no entanto, desde criança no Brasil.

PENA VERDE, sua canção mais emblemática, firmou-se como um clássico daquilo que se convencionou chamar de samba-rock, gênero que consagrou, dentre outros, Jorge Benjor, Banda Black Rio e Trio Mocotó e que fez furor nas pistas de dança, prenunciando os concorridos bailes de black music que agitaram a periferia de SP e RJ nos anos 70 e 80. O nome do artista acabou indevidamente associado a esse estilo musical, reforçado por outros dois hits com suingue semelhante: TUDO AZUL NA AMÉRICA DO SUL e LUIZA MANEQUIM.

Uma faceta improvável do músico lusitano revelou-se com o tema BOM DIA AMIGO, canção singela que se tornou conhecida do público infantil, propagada em ambientes escolares e paroquiais. Até Sílvio Santos incluiu a música em seu disco “Sílvio Santos e Suas Colegas de Trabalho”.

Esse perfil não parecia bater com quem teve sua iniciação musical no circuito universitário onde se projetou com ritmos baseados na MPB classuda e letras politicamente engajadas, decorrentes possivelmente de seu passado traumático, em que sua família precisou refugiar-se de Portugal, escapando da ditadura salazarista.

Tanto que, quando ainda pouco conhecido, conquistou, representando a USP (onde cursava Física), o prêmio de melhor compositor de um festival de música universitária latino-americana em Santiago no Chile em 1967.

Dois anos depois, mantendo trajetória compatível, daria o passo decisivo quando faturou o primeiro lugar do Festival Universitário da TV Tupi com PENA VERDE. O compacto simples com a canção (interpretada em dueto com Rosa Rebelo) alcançou amplo sucesso, atingindo os primeiros postos das paradas, tendo também nomeado o LP que a continha.

Nesse álbum de 1970, que contou com belos arranjos orquestrais dos maestros Luiz Arruda Pais e José Briamonte, Abílio assinou 10 das 12 faixas, dentre as quais destaca-se ANDRÉA, que tocou tão fundo os corações femininos que inspirou uma leva de mães a batizar as filhas com o nome.

As 5 canções citadas são do período em que o artista integrava o plantel da Odeon, encontrando-se reunidas nas coletâneas ANDRÉA (1982) e 20 SUCESSOS (1999), este o único disco de Abílio que a gravadora se dignou em disponibilizar em CD. Para quem se dispuser, o bolachão em vinil usado PENA VERDE pode ser adquirido em sebos mediante algumas centenas de reais.

Pra compensar, o músico teve convertidos para CD, graças à iniciativa do selo Discobertas, os dois álbuns que gravou pela Som Livre, AMÉRICA MORENA (1976) e BECOS E SAÍDAS (1978).

O grande débito que a cultura e a arte têm com Abílio Manoel, todavia, ainda não foi mencionado. Falecido em 2010, será ele eternamente lembrado por ter sido um incansável difusor entre nós da música latino-americana de raiz. Foi ele que trouxe para conhecimento público diversos expoentes, até então pouco divulgados, da música folclórica do continente como Mercedes Sosa, Violeta Parra, Victor Jara, Pablo Milanés e outros menos conhecidos, através do programa “América do Sol” que comandou por vários anos, pelas ondas da Bandeirantes FM.

Essa emissora, diga-se de passagem, em seu período inicial de atividades, em meados dos anos 70 (antes de se tornar ‘Band FM’), mantinha uma programação de altíssimo padrão, até hoje não equiparada no dial, em que dava espaço para música de qualidade de vários gêneros como MPB, pop/rock, instrumental etc. As mudanças que alcançaram a emissora, visando torná-la mais ‘popular’ não acabaram com o “América do Sol” que migrou para a USP FM onde perdurou por mais algum tempo.

Na esteira, foram lançados quatro magníficos álbuns-coletânea com o título AMÉRICA DO SOL (selo Copacabana) com um primoroso repertório de música latino-americana, que só chegaram ao ouvinte brasileiro graças à iniciativa de Abílio.

Obrigado, Portuga!

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Faixas:

1. Cavaleiro Andante (Abílio Manoel)

2. Pena Verde (Abílio Manoel) Participação: Rosa Rebelo

3. No Mundo da Lua (Abílio Manoel)

4. Verdejar (Abílio Manoel)

5. Aldeia (Abílio Manoel)

6. Catavento (Abílio Manoel)

7. Andrea (Abílio Manoel)

8. Rosa Cor de Rosa (Sorocaba/Abílio Manoel)

9. Caminhando Para o Azul (Geraldo Cunha/Rosemary Ventura)

10. Nas Areias da Lua (Osinete Marinho/Saulo Farias) Participação: Osinete Marinho

11. Arco-Íris (Abílio Manoel)

12. E Adriana Chorava (Abílio Manoel)

 

23 de fev. de 2022

RAUL SEIXAS – OS 24 MAIORES SUCESSOS DA ERA DO ROCK (1973)

  

Provindo dos EUA nos anos 50, o rock’n’roll expandiu-se para o mundo na década seguinte. No Brasil, a partir de Cely Campelo, Sérgio Murilo e Ronnie Cord e a seguir com a explosão da Jovem Guarda contrapôs-se à bossa nova e ao samba, conquistando a juventude com a magia da guitarra elétrica e letras banais.  Abriu caminho para uma nova geração de artistas liderados por Raul Seixas, Os Mutantes e Rita Lee reacendendo-se nos anos 80 com a proliferação de novos grupos (Titãs, Legião, Ira! etc.)

Ainda que possa ser considerado o maior expoente do rock nacional, Raul Seixas nunca abriu mão de sua brasilidade temperando-o com ingredientes regionais como o baião e letras provocativas, criativas e às vezes esotéricas, inspiradas no movimento hippie.

Fiel a suas origens, o artista baiano, homenageando os pioneiros do gênero, lançou o álbum OS 24 MAIORES SUCESSOS DA ERA DO ROCK, que saiu quase que simultaneamente ao primeiro grande êxito de sua discografia, o genial KRIG-HA BANDOLO! (também de 1973), sucesso de crítica e público, que continha vários de seus hits (alguns em parceria com Paulo Coelho) como OURO DE TOLO, METAMORFOSE AMBULANTE, MOSCA NA SOPA e AL CAPONE e no qual a gravadora apostava todas as fichas. 

O disco em homenagem ao rock, lançado poucos meses antes com uma capa espalhafatosa de gosto duvidoso onde se sobressaía a figura de um refrigerante, ladeada pelos nomes das canções, era atribuído ao conjunto fake Rock Generation. Com intuito de não interferir no desempenho do produto principal sobre o qual a gravadora concentrava seus esforços de divulgação, a menção ao nome de Raul Seixas, efetuada apenas na contracapa (ao lado do de Nelson Motta), restringia-se à produção. O disco, visto como um projeto de menor relevância, passou quase desapercebido e a Philips não se interessou em divulgá-lo.

Com a eclosão nacional do “maluco beleza”, consolidada com o álbum GITA de 1974 (dos hits SOCIEDADE ALTERNATIVA e GITA), a gravadora resolveu recauchutar o projeto original de Raul, em nova embalagem com seu retrato desenhado na nova capa, rebatizado como 20 ANOS DE ROCK, mudando também a ordem das faixas e inserindo falsos aplausos e palmas para dar ares de performance ao vivo. A nova versão foi devidamente creditada a seu idealizador e intérprete (algumas poucas faixas foram vocalizadas por um anônimo não referenciado). Essas mudanças à revelia do artista, não o agradaram pois fugiam ao formato original.

Não bastasse tantas intervenções, em 1985 a gravadora efetuou um re-relançamento em LP, alterando mais uma vez o nome que passou a ser 30 ANOS DE ROCK.

O lançamento em CD de 2001 felizmente recuperou o nome original porém com a capa remodelada e uma remixagem das faixas. O trabalho de recuperação efetuado pelo selo MZA Music em colaboração com a Universal, detentora dos direitos, recuperou, segundo o produtor Mazzola, os critérios originais concebidos pelo artista.

Nesse álbum, Raul fez uma candente homenagem a alguns dos grandes temas básicos do rock’n’roll. A interpretação visceral de Raul chega em alguns casos a rivalizar com a versão homenageada.

Logo no começo um petardo juntando os clássicos ROCK AROUND THE CLOCK (Bill Haley) BLUE SUEDE SHOES (Elvis), TUTTI FRUTTI e LONG TALL SALLY (ambas de Little Richard). Seguem-se os hits do iê-iê-iê, RUA AUGUSTA (Ronnie Cord) e O BOM (Eduardo Araújo).

Celly Campello ganhou uma faixa exclusiva agregando seus três grandes êxitos, as versões BANHO DE LUA, ESTÚPIDO CUPIDO E LACINHOS COR DE ROSA. The Platters também foram privilegiados ganhando duas faixas inteiras: THE GREAT PRETENDER e ONLY YOU. DIANA (Paul Anka) e OH, CAROL! (Neil Sedaka) foram unidas em outra faixa. Duas pérolas do repertório de Roberto Carlos, É PROIBIDO FUMAR e PEGA LADRÃO aparecem ao lado de MARCIANITA de Sérgio Murillo. E por aí vai. A seleção se encerra com chave de ouro com a poderosa VEM QUENTE QUE EU ESTOU FERVENDO, famosa na interpretação do Tremendão Erasmo Carlos.

Quatro anos depois, Raul deu prosseguimento ao sonho de homenagear seus ídolos com o álbum RAUL ROCK SEIXAS (1977), produzido por Roberto Menescal. Só que aqui apenas artistas internacionais ganharam espaço, além de uma composição sua com o guitarrista amigo Jay Vaquer, JUST BECAUSE. Fez questão de finalizar o trabalho com os versos iniciais de ASA BRANCA de Luiz Gonzaga.

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Faixas:

1. Abertura (Raul Seixas)

2. Rock Around The Clock (Knight/Freedman)/Blue Suede Shoes (Perkins)/Tutti Frutti (Richard/Lubin/Bostrie)/Long Tall Sally (Richard/Johnson/Blackwell)

3. Rua Augusta (Hervé Cordovil)/O Bom (Carlos Imperial)

4. Poor Little Fool (Sheeley)/Bernardine (Mercer)

5. Estúpido Cupido (Stupid Cupid) (Sedaka/Greenfield; Versão: Fred Jorge)/Banho de Lua (Tintarella Di Luna) (Filippi/Magliacci; Versão: Fred Jorge)/Lacinhos Cor-de-Rosa (Pink Shoes Laces) (Grant; Versão: Fred Jorge)

6. The Great Pretender (Ram)

7. Diana (Anka)/Little Darlin’ (Williams)/Oh, Carol! (Sedaka/Greenfield)/Runaway (Shannon/Crook)

8. Marcianita (José I. Marcone/Galvarino V. Alderete; Versão: Fernando César)/É Proibido Fumar (Roberto Carlos/Erasmo Carlos)/Pega Ladrão (Getúlio Cortes)

9. Jambalaya (Williams)/Shake, Rattle And Roll (Calhoun)/Bop-a-Lena (Tills/Pierce)

10. Only You (Rand/Ram)

11. Vem Quente Que Eu Estou Fervendo (Carlos Imperial/Eduardo Araújo)


 

 

 

 

22 de jan. de 2022

ELZA SOARES – BATERISTA WILSON DAS NEVES (1968)

 

Elza Soares já era um mito na MPB e no samba, quando chamou Wilson das Neves, o ainda pouco conhecido baterista (embora já houvesse tocado com Eumir Deodato nos históricos grupos Os Catedráticos e Os Gatos e com o maestro Moacir Santos), para fazer uma revisão de sua carreira num novo álbum.

A ideia surgiu quando Elza fazia uma excursão pela Argentina acompanhada apenas por Wilson mais um conjunto local de apoio. Em suas apresentações, tinha por hábito dar espaço para os instrumentistas da banda provarem seu talento, solando durante alguns minutos. Ficou tão encantada com as habilidades do baterista que cogitou dividirem um álbum. Um executivo da EMI/Odeon, gravadora de Elza, consultado sobre as intenções da contratada, não aprovou a ideia, tentando dissuadi-la da iniciativa. Sem sucesso. Elza bancou seu prestígio não apenas em levar adiante o projeto como fez questão de dividir igualmente os créditos com Wilson e (sacrilégio!) colocá-lo na capa do álbum, a seu lado!

O LP fez sucesso e foi referenciado como um dos grandes exemplares de samba-jazz, abrindo caminho para o baterista tocar sua própria carreira individual. Veio ele a gravar no mesmo ano de 1968 o álbum JUVENTUDE 2000 e no ano seguinte SOM QUENTE É O DAS NEVES. Mais tarde, viria a se aventurar também como cantor e compositor. Além disso, passou a ser bastante requisitado em trabalhos com outros artistas seja de samba (Cartola, Nelson Cavaquinho, Beth Carvalho, Clara Nunes, Martinho da Vila) como de outros ritmos (Chico Buarque, Egberto Gismonti, João Donato, Elis Regina, Nara Leão, Jorge Benjor).

Indagado se não via necessidade de incrementar o acompanhamento com mais instrumentos, Wilson disse que a voz da sambista já era por si só um instrumento.

Estão nesse álbum alguns clássicos em que Elza demonstra toda a versatilidade de sua interpretação ímpar e sua inconfundível rouquidão como “Se Acaso Você Chegasse” (Lupicínio Rodrigues), seu primeiro grande sucesso, e “Mulata Assanhada” (Ataulfo Alves). Tem também standards da bossa nova como “Garota de Ipanema” (Tom/Vinícius), “O Pato” (Jaime Silva, Nélson Teixeira), “Samba de Verão” (irmãos Valle), “Balanço Zona Sul” (Tito Madi).

Há ainda a versão da sambista carioca para “Deixa Isso pra Lá” (Alberto Paz e Édson Menezes), sucesso de Jair Rodrigues, hoje em evidência por ter sido identificada como o primeiro rap brasileiro, prova de fogo para a dupla revelar seu talento num perfeito diálogo voz-percussão.

Os arranjos são do músico Nelsinho do Trombone (Nélson Pereira dos Santos), que assina também a faixa “Teleco-Teco nº 2”, e a produção musical é do maestro Lyrio Panicali.

O álbum chegou a CD remasterizado em 2002 pela série Odeon 100 Anos de Música no Brasil, sob supervisão de Charles Gavin, porém já se tornou raridade (o LP então nem se fale...).

Foi também lançado compondo o box Caixa Preta, organizado por Marcelo Fróes, com 12 CDs sob formato 2 em 1, esmerado trabalho englobando toda a produção da dona do Voz do Milênio (como foi reconhecida) para o período 1960/1988 mais faixas bônus.

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Faixas:

1. Balanço Zona Sul (Tito Madi)

2. Deixa Isso Pra Lá (Alberto Paz/Edson Menezes)

3. Garota de Ipanema (Tom Jobim/Vinicius de Moraes)

4. Edmundo (In The Mood) (Joe Garland/Andy Razaf/Vrs. Aloysio de Oliveira)

5. O Pato (Jaime Silva/Neuza Teixeira)

6. Copacabana (João de Barro/Alberto Ribeiro)

7. Teleco-teco Nº 2 (Nelsinho/Oldemar Magalhães)

8. Saudade da Bahia (Dorival Caymmi)

9. Samba de Verão (Marcos Valle/Paulo Sérgio Valle)

10. Se Acaso Você Chegasse (Lupicínio Rodrigues/Felisberto Martins)

11. Mulata Assanhada (Ataulfo Alves)

12. Palhaçada (Luiz Reis/Haroldo Barbosa)




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