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5 de mar. de 2023

JARDS MACALÉ - CONTRASTES (1977)

 
Gênio incompreendido, marginal da MPB, pós-tropicalista que rompeu com o movimento por julgá-lo comercial demais, Jards Macalé é o protótipo do “maldito” em nossa cena musical, rótulos que viria a rejeitar, julgando-se apenas um “músico que ama o Brasil e ser brasileiro”.

Presente em momentos cruciais das carreiras de Caetano Veloso (foi produtor de TRANSA, tido por muitos como o melhor disco do artista baiano), Gal (foi autor, ao lado de Waly Salomão, de VAPOR BARATO, uma das principais faixas do icônico álbum FA-TAL), Bethânia (que regravou sua composição MOVIMENTO DOS BARCOS em três ocasiões diferentes, sempre em álbuns ao vivo), teve turbulenta participação em festivais com a polêmica GOTHAM CITY (parceria com Capinam e arranjos de Rogério Duprat).

Não foram poucos seus embates com a censura, visado sobretudo por seu projeto O BANQUETE DOS MENDIGOS, show lançado em LP duplo em 1973 em comemoração aos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (com a participação de inúmeros nomes de relevo da MPB).

Em meio à sua inconstante discografia, CONTRASTES até que não se saiu mal para o padrão anticomercial do músico, conseguindo vender algumas dezenas de milhares de LPs, talvez por ter sido lançado pela Som Livre, gravadora ligada à Globo, que disponibilizou apreciável aparato de apoio e até encaixou uma faixa em trilha de novela.

Os ditos ‘contrastes’ se revelam no repertório em que o humor de composições vanguardistas (CACHORRO BABUCHO de Walter Franco) convive com o de outras tradicionais (PASSARINHO DO RELÓGIO de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira). No sotaque nordestino do baião “SIM E NÃO (que lhe valeu até uma prisão e posteriormente proibição de execução da canção devido a seu teor sexual) frente ao escracho à la Louis Armstrong da jazzística BLACK AND BLUE.

CONTRASTES é também o título da faixa que puxou o disco com o refrão “quanto mais longe do circo mais eu encontro palhaço”, de autoria do sambista Ismael Silva, por quem Macalé nutre reverenciosa admiração.

As notáveis participações vão de Gilberto Gil a Marlui Miranda, de Dominguinhos a Jackson do Pandeiro; do maestro Júlio Medaglia ao maestro Severino Araújo e sua Orquestra Tabajara; do Grupo Bendengó (de Gereba e Capenga) à patota do Som Imaginário (Wagner Tiso, Robertinho Silva, Luiz Alves). Sem contar o time de primeira linha de instrumentistas integrado por Djalma Corrêa, Paulo Moura, Nivaldo Ornellas, Altamiro Carrilho, Laércio de Freitas, Tomás Improta, Paulinho Braga e muito mais.

Paralelamente ao lançamento de um box do artista pelo selo Discobertas, a Som Livre relançou CONTRASTES (já houvera uma edição em 2003 pela Dubas), tendo-se dessa vez inserido 2 faixas bônus.

A polêmica em torno da capa do disco é história à parte. Na foto original do LP, Macalé aparece beijando a então namorada, Ana Miranda, envoltos numa samambaia. Na edição de 2003, a imagem não pôde ser utilizada, pois Ana desautorizou a reprodução, resultando numa esdrúxula mutilação de sua figura da foto que descaracterizou a ideia original de ‘contrastes’ do casal (moreno com branca). No último relançamento pela Som Livre, a ilustração da capa restringiu-se à prosaica samambaia verde, sumindo de vez os amantes e os contrastes.

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Faixas:

1. Contrastes (Ismael Silva)

2. Sem Essa (Jards Macalé/Duda)

3. Poema Da Rosa (Bertold Brecht/Jards Macalé) (Música de Jards Macalé - Tradução de Augusto Boal da peça de Brecht “Mãe coragem”)

4. Black And Blue (Thomas Waller/Andy Razaf/Harry Brooks)

5. Sim Ou Não (Geraldo Gomes Mourão)

6. Conto do Pintor (Miguel Gustavo)

7. Negra Melodia (Jards Macalé/Waly Salomão)

8. Choro de Archanjo (Jards Macalé)

9. Cachorro Babucho (Walter Franco) - Participação: Marlui Miranda

10. Garoto (Jards Macalé)

11. Passarinho do Relógio (Cuco) (Haroldo Lobo/Milton de Oliveira)

12. No Meio do Mato (Jards Macalé)



23 de fev. de 2023

GILBERTO GIL E GERMANO MATHIAS - ANTOLOGIA DO SAMBA-CHORO (1978)


 Muitos dos que vivem em Sampa, especialmente os mais jovens, não sabem de quem se trata. Apesar disso, a vertente paulista do samba de raiz tem em Germano Mathias uma figura lendária.

O sambista nascido no Brás (o que confere um sotaque levemente ‘italianado’ a suas interpretações), aprendeu a batucar com engraxates da Praça da Sé que tiravam som de suas latinhas de graxa. Viveu momentos de glória no panorama musical dos anos 50 e 60, antes de desaparecer de cena.

Em 2007, teve revisitada sua carreira com o DVD “Ginga no Asfalto” com a participação de grandes nomes da música instrumental como Raul de Souza, Bocato, Guilherme Vergueiro e Osvaldinho da Cuíca, e acompanhamento do grupo Quinteto em Branco e Preto.

Antes disso, porém, o sambista amargou mais de três décadas de esquecimento, tendo que se virar em pequenos bares à custa de cachês irrisórios para sobreviver.

Durante esse período de ostracismo, Gilberto Gil, seu fã de carteirinha, prestou-lhe uma solitária homenagem: produziu e lançou o LP “Antologia do Samba Choro”, com 11 faixas do Catedrático do Samba, como era conhecido, em que se alternam interpretações de Gil e Germano.

Apesar do título, Germano rejeita o rótulo, considerando que seu samba não tem qualquer ligação com o choro.

Nele é possível apreciar alguns de seus famosos ‘sambas sincopados’: “Sr. Delegado”, “Minha Nega na Janela” (seu primeiro e maior sucesso) e “Acertei no Milhar” (composição de Wilson Batista e Geraldo Pereira).

“Minha Nega na Janela” tem sido alvo de críticas devido a sua letra extremamente machista: “Êta nega, tu é feia que parece macaquinha. Olhei pra ela e disse: Vai já pra cozinha, Dei um murro nela e joguei ela dentro da pia. Quem foi que disse que essa nega não cabia?” O fato é que os sambas sobretudo os das antigas tinham esse viés presente em diversos temas, de Bezerra da Silva a Zeca Pagodinho. Nem as letras de Chico Buarque foram poupadas nesse revisionismo. Mais recentemente, Germano reconheceu a inadequação dessas palavras no contexto atual de violência contra a mulher. A canção já aparecera no álbum CIDADE DE SÃO SALVADOR de Gil (1998) e, à época, ninguém se incomodara com a questão.

Por razões de direitos autorais, o álbum original jamais chegou a CD em sua integralidade, sendo talvez o único item inédito da discografia do músico baiano, o que torna o LP uma preciosidade para fãs e colecionadores.

As músicas interpretadas por Germano Mathias foram extraídas do LP O SAMBISTA DIFERENTE, Polydor,  de 1957.

As 6 faixas interpretadas por Gil foram relançadas, integrando a série e-collection da Warner.

Germano deixou-nos como não poderia deixar de ser numa quarta-feira de cinzas de 2023 aos 88 anos, cheio de planos para o futuro.

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Faixas:

1. Acertei No Milhar (Wilson Batista/Geraldo Pereira) - Gilberto Gil

2. Falso Rebolado (Venâncio/Jorge Costa) - Germano Mathias

3. Escurinho (Geraldo Pereira) - Gilberto Gil

4. Minha Pretinha (Jair Gonçalves/Edson Borges) - Germano Mathias

5. Senhor Delegado (Antoninho Lopes/Jaú) - Germano Mathias

6. Senhor Delegado (Antoninho Lopes/Jaú) - Gilberto Gil

7. Minha Nega na Janela (Germano Mathias/Doca) - Gilberto Gil

8. Não Volto Pra Casa (Denis Brean/Osvaldo Guilherme) - Germano Mathias

9. A Situação Do Escurinho (Aldacir Louro/Padeirinho) - Gilberto Gil

10. Rua (Jair Gonçalves) - Germano Mathias

11. Samba Rubro-Negro (Wilson Batista/Jorge de Castro) - Gilberto Gil




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