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10 de ago. de 2022

CAETANO VELOSO (1971)

 
Se há algo de positivo a ser extraído para Caetano Veloso de seu triste exílio em Londres foi que esse traumático período de dois anos e meio possibilitou-lhe criar duas das maiores obras de sua rica discografia: os álbuns de 1971, sem nome, e TRANSA de 1972.

De TRANSA, quase tudo já foi dito: produzido por Jards Macalé (que nele também toca violão) e com a participação, dentre outros, de Tutty Moreno, Gal Costa e Ângela Ro Ro, o disco vem a cada ano firmando-se como como o mais cultuado do artista baiano. Apesar de não ter nenhuma faixa conhecida do grande público, é reiteradamente citado como obra prima atemporal, uma das maiores da MPB. Com repertório bilíngue (mesclando inglês com português), o LP, com uma capa tripla que se abre formando um triângulo, foi lançado quando Caetano já se encontrava de volta ao Brasil.

Quanto ao disco de 1971, foi também gravado em Londres em inglês, à exceção do cover de ASA BRANCA de autoria de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira e de algumas passagens de IF YOU HOLD A STONE. Foram inseridos nessa canção, na qual Caetano revela a tristeza de estar longe de casa, versos de MARINHEIRO SÓ (“eu não sou daqui, eu não tenho amor, eu sou da Bahia, de São Salvador”), tema de domínio público e trechos de QUERO VOLTAR PRA BAHIA (“eu não vim aqui para ser feliz, cadê o meu sol dourado, cadê as coisas do meu país?”), grande sucesso de Paulo Diniz, composto justamente em sua homenagem.

O álbum, o terceiro da sua carreira solo, não tem nome, assim como os dois que o precederam, identificados pelas faixas de abertura: TROPICÁLIA (de 1968) e IRENE (de 1969, também conhecido como “álbum branco”).  A faixa que o nomeou foi A LITTLE MORE BLUES, canção que aborda a prisão e a contrariedade por deixar o país. Passou (quase) incólume pela censura, possivelmente porque os censores não entendiam inglês. Mas as toupeiras implicaram com uma citação à atriz e cantora Libertad Lamarque, imaginando referir-se a ‘Liberdade para Lamarca’ (o líder guerrilheiro), vetando o trecho em que foi feita a menção à artista argentino-mexicana. Eram esses sábios senhores que ditavam os rumos da cultura nacional durante esse amargo período.

A lembrar: com o endurecimento do regime, Caetano e Gil haviam sido detidos e depois confinados em Salvador. Apesar de suas canções no período tropicalista não terem conotação política, sua postura libertária e iconoclasta foi considerada subversiva. Os militares toparam libertar os dois desde que deixassem o país. Fixaram então residência na capital britânica. Durante esse período (1969 a 1972), entraram em contato com o movimento hippie e com a cena musical londrina (Jimi Hendrix, Who, Pink Floyd e sobretudo os Rolling Stones) e apresentaram-se no palco alternativo do Festival da Ilha de Wight ao lado da banda Hawkind, tendo impressionado os ingleses pela sua performance exótica misturando rock e funk com ritmos brasileiros.

Mergulhado na amargura por estar deportado, Caetano recebeu convite para gravar o álbum em inglês pelo produtor britânico Ralph Mace. A habilidade de se expressar nesse idioma não lhe era nova: já compusera e interpretara músicas em inglês (EMPTY BOAT, LOST IN THE PARADISE). Nem por isso, abriu mão do carregado sotaque nordestino imprimido a algumas faixas. Mace incentivou-o também a utilizar-se do violão à sua maneira peculiar, sob influência de João Gilberto, algo inédito em sua carreira e a que ele resistia por não se considerar um bom instrumentista.

Através desse álbum, Caetano pôde dar vazão a toda sua angústia, exposta no austero semblante barbudo e desleixado da foto da capa, adjetivado posteriormente como ‘horroroso’ e ‘deprimidérrimo’ pelo próprio artista, que traja um grosso casaco de pele para enfrentar a frieza da metrópole britânica, longe da caloroso clima tropical.

Em MARIA BETHÂNIA, um dos mais badalados temas, o músico baiano suplica a sua irmã que lhe envie notícias boas: “please send me a letter, I wish to know things are getting better, better, better, beta, beta, Bethânia”.

Mas o grande hit do disco foi LONDON LONDON, já conhecido na voz de Gal Costa (álbum LEGAL, 1970), porém com uma estrofe diferente. Anos mais tarde, seria regravada pelo RPM, tornando-se a faixa mais conhecida de RÁDIO PIRATA AO VIVO (1986), o quarto álbum mais vendido do país até hoje. A canção também denota a desolação do autor vagando a esmo pelas ruas de Londres sem ninguém para dizer ‘alô’: “I'm wandering round and round, nowhere to go, I'm lonely in London, London is lovely so (...) I know no one here to say hello”.

Até em ASA BRANCA, com um arranjo semipsicodélico de mais de 7 minutos, onde se sobressai o pungente violão, há referências ao desterro, no caso, o ‘exílio’ forçado dos retirantes nordestinos determinado pela seca: “hoje longe, muitas léguas numa triste solidão” e "eu te asseguro, não chore não, viu, que eu voltarei, viu, meu coração”.

As demais 6 faixas são de autoria de Caetano, sendo IN THE HOT SUN OF A CRISTMAS DAY, parceria com Gil, uma bela canção que inexplicavelmente não “aconteceu”.

O álbum foi gravado em 1970 e contou com o arranjo orquestral do maestro inglês Phil Ryan. No ano seguinte, foi lançado no mercado inglês pelo selo Famous/GW, sendo editado no Brasil pela Philips. Sendo um disco ‘difícil’ com faixas longas cantadas em inglês, previsivelmente vendeu pouco. Mas, assim como TRANSA, vem sendo valorizado com o tempo.

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Faixas:

1. "A Little More Blue" (Caetano Veloso) – 4:44

2. "London, London" (Caetano Veloso) – 4:11

3. "Maria Bethânia" (Caetano Veloso) – 6:57

4. "If You Hold a Stone"* (Caetano Veloso) – 6:02

5. "Shoot Me Dead" (Caetano Veloso) – 3:19

6. "In the Hot Sun of a Christmas Day" (Gilberto Gil, Caetano Veloso) – 3:13

7. "Asa Branca" (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira) – 7:26



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