Despontando
no fim dos anos 70, como grupo de apoio a nomes como Edu Lobo e Milton
Nascimento, o Boca Livre não parecia ser fadado a prosperar num projeto próprio.
À
época, as gravadoras investiam apenas em artistas consagrados e música de baixa
qualidade com maior apelo comercial. Nesse contexto, a proposta de um conjunto
vocal com repertório focado em música brasileira de primeira linha, um domínio sobre
o qual o consagrado MPB-4 já marcara território, não parecia promissora.
Tanto
que o desacreditado quarteto formado originalmente por Maurício Maestro, Zé
Renato, Cláudio Nucci e David Tygel teve que bancar com recursos próprios seu
primeiro vinil de 1979. O resultado foi surpreendente: mais de 100 mil cópias
vendidas a partir da divulgação (com perdão da expressão) “boca a boca”. Um êxito
absoluto nas circunstâncias.
O
disco que contém as manjadíssimas TOADA e QUEM TEM A VIOLA (em que já se
evidenciara a genialidade criativa da dupla Cláudio Nucci e Zé Renato) foi
marco na história da produção cultural independente. Coroado pelo sucesso, o
Boca seria mais tarde convidado a integrar o seleto elenco da Polygram.
Antes
disso, porém (já sem a presença de Nucci, substituído por Lourenço Baeta), o
Boca aventurou-se por uma segunda empreitada independente: o disco BICICLETA.
A
faixa que nomeia o álbum, de autoria de Zé Renato, é uma obra prima
instantânea, tornando-se a mais popular do disco. Surpreendente para uma canção
sem palavras para cantarolar, interpretada em formato vocalise.
Curiosamente,
36 anos após, a canção recebeu uma letra de Cláudio Nucci, sendo lançada com
essa nova roupagem nas plataformas digitais com o subtítulo de LIBERDADE E
MOVIMENTO, assinada por Zé Renato e Nucci.
Apesar
da louvável iniciativa, não foi páreo para a insuperável versão original,
brindada com o belíssimo arranjo vocal que era justamente seu diferencial. De fato, parece que os três minutos
intercalados entre o preparatório “um, dois... um, dois, três, quatro” e o
derradeiro retinir de uma prosaica campainha de bicicleta, prescindem do ornamento
de palavras: é MÚSICA em estado puro.
Na
capa, guiada por uma revoada de pássaros coloridos e tendo como pano de fundo
um azulíssimo céu pincelado com brancas nuvens, corre solta uma magrela
(simbolizando a liberdade e o prazer de viver), parecendo oferecer carona ao
ouvinte para embarcar na garupa dessa viagem sonora.
O
maravilhoso disco emplacou outras canções (AS MOÇAS, UM CANTO DE TRABALHO,
NENÉM). Ainda assim, vendeu menos que o álbum inicial, embora seja, no mínimo,
tão bom quanto. Sem falar na ilustre presença de ninguém menos do que Tom Jobim
ao piano (nas canções CORRENTEZA e SACI), além de Naná Vasconcelos, Leo
Gandelman, Nélson Ângelo, Novelli, Danilo Caymmi e Paulo Jobim.
Inacreditavelmente,
nunca saiu em CD.
Esse
mesmo time (Maestro, Zé Renato, Tygel e Baeta) manteve-se inalterado até 1992.
Após um período de dissensões, substituições e retornos, essa formação clássica
voltou a vigorar em 2006 perdurando por mais 15 anos.
Em
2021, o conjunto tristemente se dissolveu, com a saída coletiva de Zé Renato,
Baeta e Tygel inconformados com as posições políticas de Maurício, detentor dos
direitos do nome artístico do grupo.
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FAIXAS:
01 – Um Canto de
Trabalho (Nelson Ângelo e Cacaso)
02 – As Moças (José
Renato e Juca Filho)
03 – Correnteza (Tom Jobim e Luis Bonfá)
04 – Neném (Maurício
Maestro)
05 – Porto Seguro
(David Tygel e Márcio Borges)
06 – Bicicleta (José
Renato)
07 – Saci (Paulo
Jobim e Ronaldo Bastos)
08 – Passarinho (Lourenço
Baeta)
09 – Boi do
Maranhão (Sérgio Habibe)
10 – Arado (Dalmo
Medeiros)
11 – Nossa Dança (Danilo
Caymmi e Ana Terra)