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16 de dez. de 2020

ROUPA NOVA (1981)

 

Quem avalia a carreira do Roupa Nova por seus inúmeros hits radiofônicos e canções românticas noveleiras, de apelo popular, talvez não imagine que o grupo também se sobressai no quesito qualidade (com músicos habilidosos e um competente trabalho vocal). E tem pedigree: nasceu apadrinhado por ninguém menos do que Milton Nascimento, admirador de primeira hora, que aliás ajudou a batizar o grupo com o título de uma de suas canções.

O RN deixou ainda sua marca com o inestimável apoio conferido a duas pérolas da nossa música: AÇAÍ (de Djavan) com Gal Costa e NOS BAILES DA VIDA (Milton e Fernando Brant) com Milton Nascimento, presentes respectivamente nos álbuns FANTASIA (Gal) e CAÇADOR DE MIM (Milton), ambos de 1981. Nesse último caso, a participação do conjunto consigna o prestígio aos bailes noturnos que, a exemplo do que ocorreu com Milton, propiciaram ao sexteto carioca a oportunidade de lançar-se na carreira artística.

Essa ligação visceral com Milton, acrescentada ao fato de o RN sempre prestigiou o pessoal do Clube da Esquina fez com que se presumisse que o grupo fosse mineiro (a exemplo de outra banda bancada por Milton, o 14 Bis, com quem guardava no início certa semelhança vocal). Na verdade, dois integrantes são mineiros, os demais, cariocas.

O RN nasceu ao que parece com a proposta de assumir-se como representante do autêntico rock’n’roll brazuca, tanto que seu primeiro single foi HOJE AINDA É DIA DE ROCK de Zé Rodrix, quando ainda se chamavam The Famks. Essa formação embrionária trazia 4 dos 6 membros originais do RN (o tecladista Cléberson, o baixista Nando, o guitarrista Kiko e o cantor Paulinho). Com a agregação do guitarrista Feghali e do baterista Serginho, nascia o Roupa Nova que conservou essa mesma formação exitosa por nada menos do que quatro décadas, até que a COVID 19 levasse Paulinho em 2020.

O primeiro álbum como Roupa Nova, o de 1981, tem a marca do produtor Mariozinho Rocha, responsável por alguns dos grandes momentos da MPB, inclusive do Clube da Esquina.

A sonoridade ‘soft’ do grupo valeu-lhe a comparação com grupos internacionais como o Toto ou o Journey, o que sempre é discutível.

Esse trabalho marca o ingresso na poderosa Polygram, gravadora que bancou também os dois álbuns seguintes (a exemplo do primeiro, nomeados simplesmente ROUPA NOVA) que sinaliza a consolidação do prestígio e do sucesso comercial.

Enquanto o segundo álbum conserva o estilo anterior, o terceiro marca uma mudança de repertório, com maior presença de baladas românticas.

O quarto disco que assinala a passagem para a RCA traz o mega-sucesso WHISKY A GO GO (da dupla Sullivan/Massadas), tema que se perpetuou como preferido por 10 em cada 10 festinhas de confraternização.

A partir daí, o grupo foi derivando progressivamente para uma linha mais popular, tornando-se campeão de participações em trilhas de novela o que ajudou a alavancar o sucesso. Contabilizam-se mais de 30 canções inseridas em novelas, traduzidas em vendas mais robustas. O quinto álbum chegou a atingir espantosos 2,2 milhões de cópias.

Com isso, o RN abocanhou um público bem mais amplo e diverso. Deixando os preconceitos de lado, dividiu o palco com campeões de público de todos os gêneros como Roberto Carlos, Ivete Sangalo, Cláudia Leitte, Rita Lee, Ney Matogrosso, Anita afora uma legião de sertanejos e padres cantores. Na outra ponta, firmou parcerias com nomes respeitáveis do cenário internacional como David Coverdale (Deep Purple/Whitesnake), Steve Hackett (Genesis), David Gates (Bread) e com os Commodores, lendários representantes da soul music.

Convivendo com uma linha mais brega, o RN sempre pontuava seu trabalho em resgatar temas emblemáticos do cancioneiro nacional. Os álbuns DE VOLTA AO COMEÇO (1993) e OURO DE MINAS (2000) foram dedicados respectivamente a reviver clássicos da MPB (Gonzaguinha, Chico Buarque, Sérgio Sampaio, Taiguara, Zé Rodrix, Os Mutantes, O Terço) e à nata dos compositores mineiros ou a eles próximos (Milton, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Beto Guedes, Flávio Venturini, Lô Borges, João Bosco, Samuel Rosa).

Em meio a tanto ecletismo, fica a constatação de que o álbum de 1981 permanece como a mais honesta referência do grupo.

Além da citada canção de Milton (que nomeou o grupo), o disco traz os dois primeiros hits: CANÇÃO DE VERÃO (Luiz Guedes e Thomas Roth) e SAPATO VELHO (Mú, Paulinho Tapajós e Claudio Nucci), certamente um dos mais belos marcos da música brasileira de todos os tempos. O álbum traz ainda composições de Feghali, algumas em parceria com compositores consagrados (Fausto Nilo, Márcio Borges).

 O visual despojado e as densas cabeleiras exibidas denotam que os músicos tinham de início uma pegada bem diversa daquela que as circunstâncias fizeram-nos adotar posteriormente.

Frente aos mirabolantes números que o grupo ostenta em seu currículo, o humilde álbum de 1981 com suas modestas vendas de 15 mil cópias traduz com perfeição o que dizem as palavras de SAPATO VELHO: “Você lembra, lembra daquele tempo, eu tinha estrelas nos olhos, um jeito de herói, era mais forte e veloz que qualquer mocinho de cowboy (...) Talvez eu seja simplesmente como um sapato velho mas ainda sirvo se você quiser, basta você me calçar que eu aqueço o frio dos seus pés”.

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Faixas:

1. "Sapato Velho" (Mú / Paulinho Tapajós / Cláudio Nucci) - 4:05

2. "Pra Sempre" (Flávio Venturini / Ana Terra) - 3:12

3. "Bem Simples" (Ricardo Feghali / Mariozinho Rocha) - 2:48

4. "Um Pouco de Amor" (Thomas Roth / Luiz Guedes) - 2:21

5. "E o Espetáculo Continua" (Tavynho Bonfá / Ivan Wrigg) - 3:21

6. "Recomeçar" (Eládio Sandoval / Jamil Joanes) - 2:38

7. "Tanto Faz" (Ricardo Feghali / Fausto Nilo) - 2:47

8. "Canção de Verão" (Thomas Roth / Luiz Guedes) - 2:51

9. "Quem Virá" (Ricardo Feghali / Márcio Borges) - 2:50

10. "Roupa Nova" (Milton Nascimento / Fernando Brant) - 3:18

 

VANUSA (1973)

 

Vanusa tornou-se mais conhecida pela cor de seus cabelos do que pelos dotes artísticos, estigmatizada como uma intérprete ‘menor’ ligada à Jovem Guarda. Nada mais equivocado: de sua discografia de quase 20 álbuns, o único que pode ser creditado a esse gênero é o primeiro, puxado pelo hit PRA NUNCA MAIS CHORAR de Eduardo Araújo e Carlos Imperial.

Não bastasse isso, amargou em 2009 um infeliz episódio de ter se atrapalhado na interpretação do Hino Nacional numa solenidade oficial, cujo vídeo viralizou, tornando-a motivo de chacota, o que a deixou profundamente abalada. A circunstância de que estava sob efeitos de medicamentos para a labirintite não atenuou o linchamento perpetrado nas redes sociais.

Vanusa tornou-se reclusa e amargurada com o acontecimento. Até que, aos 67 anos, após quase 20 anos de ostracismo fonográfico, já com a saúde debilitada, foi convidada pelo incansável músico e agitador cultural Zeca Baleiro para gravar o álbum VANUSA SANTOS FLORES pelo selo Saravá, por ele produzido, com um repertório de primeira, que viria a ser o último de sua carreira.

A exposição da cantora ao menos serviu para despertar o interesse das novas gerações que sequer a conheciam. Em parte, isso motivou o relançamento, em 2015, de dois boxes contendo seus 8 primeiros álbuns, a nata de sua produção, pelo selo Discobertas, acompanhados de faixas bônus, num louvável trabalho de resgate.

Uma audição honesta desses álbuns revela momentos primorosos.  O segundo álbum (1969) já evidencia que a loiríssima estava preocupada em alçar voos bem mais altos do que sugeriam os passos iniciais. Com o recente revival dos álbuns psicodélicos, esse surpreendente disco (a começar pela belíssima e ousada capa) é referenciado como uma das pérolas do gênero, sobretudo a faixa ATÔMICO PLATÔNICO (com ares tropicalistas).

Os trabalhos seguintes demonstraram que Vanusa queria ampliar o leque, abraçando o soul e posteriormente a MPB, sem abandonar os temas populares românticos.

AMIGOS NOVOS E ANTIGOS, o sexto álbum, de 1975, é tido por alguns críticos como o mais arrojado, com um repertório calcado em grandes nomes da MPB como Milton Nascimento/Fernando Brant, João Bosco/Aldir Blanc, Luiz Melodia, Carlinhos Vergueiro e Fagner (numa inusitada parceria com Antonio Marcos), trazendo ainda sua consagradora versão para o clássico PARALELAS de Belchior.

No álbum de 1977, TRINTA ANOS, entre outras pérolas, uma inédita de Caetano Veloso, DUAS MANHÃS, e outra do estreante Zé Ramalho, AVÔHAI, canção que viria a consagrar o músico paraibano no seu primeiro álbum individual, no ano seguinte.

O quarto disco de 1973 (que marcou sua passagem da RCA para a Continental), nomeado apenas de VANUSA (a exemplo dos outros 4 iniciais), talvez tenha sido o mais eclético, indo do samba ao rock (há até uma canção infantil, O MAGO DE PORNÓIS), sem no entanto perder a integridade. O destaque é a faixa de abertura, MANHÃS DE SETEMBRO (composição própria em parceria com Mário Campanha), tido por alguns como uma das mais belas peças da MPB. O álbum foi produzido por Lincoln Olivetti e Zé Rodrix, que assinou duas faixas, RETRATO NA PAREDE e COISAS PEQUENAS, essa última parceria com Tavito.

A versão remasterizada traz duas faixas bônus, uma em dueto com Antônio Marcos (parceiro e primeiro marido) e outra, o tema de abertura do Programa Fantástico da Rede Globo (de Guto Graça Mello e Boni), originalmente por ela interpretado.

A maior curiosidade do disco, no entanto, é o rock WHAT TO DO?, cantado em inglês que se tornou conhecidíssimo pelo fato de o  riff de guitarra guardar uma impressionante semelhança com o clássico Sabbath Bloody Sabbath do álbum homônimo do grupo heavy Black Sabbath. Para quem imaginou tratar-se de plágio, uma informação: a canção de Vanusa foi lançada 5 meses antes do disco do grupo inglês. Indagada a respeito, a pacífica Vanusa afirmou sentir-se lisonjeada pela repercussão do caso e deixou a questão pra lá. Mera coincidência, justificou.

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Faixas:

1. Manhãs de Setembro (Mário Campanha - Vanusa)

2. Você não Morreu (Portinho - Antônio Marcos)

3. O Mago de Pornois (Massadas)

4. Quebra Cabeça (William Acquisti)

5. Neste mesmo Lugar (Armando Cavalcanti - Klécius Caldas)

6. What to Do (Papi - Alf Soares)

7. Estou Fazendo Hora (Mário Marcos - Antônio Marcos)

8. Coisas Pequenas (Tavito - Zé Rodrix)

9. Quero Você (Mário Campanha - Vanusa)

10. Retrato na Parede (Zé Rodrix)

11. Mercado Modelo (Jocafi - Antônio Carlos - Ildázio Tavares)

12. Entre Cinzas (Papi - Carlos Cou)



TAVITO (1979)

 

Tavito é indevidamente acusado de ter sido acometido pela maldição da música única. “Rua Ramalhete” tornou-se, é fato, emblemática na carreira do músico e integrante obrigatória do cancioneiro popular, a ponto de ter sido designada como hino oficial de Belo Horizonte. Todavia reduzir a obra do compositor e cantor mineiro a essa canção é uma inverdade absoluta.

Tavito tem uma importância para a MPB que transcende o alcance de versos como “vou falar no seu ouvido coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido... e o som dos Beatles na vitrola”. Teve participação em dois momentos essenciais da nossa música. Foi sócio fundador do Clube da Esquina, movimento seminal surgido em Minas, capitaneado por Milton Nascimento que agregou à MPB elementos do jazz e do rock, universalizando-a e conferindo-lhe um sopro de modernidade e excelência. E foi um dos integrantes do memorável Som Imaginário, unanimemente reconhecido com um dos mais importantes conjuntos de música instrumental de todos os tempos.

Alguns anos após a dissolução do grupo, Tavito iniciou sua carreira solo com 3 álbuns consecutivos no período 1979/1982.

O primeiro, o de 1979, foi certamente o mais bem sucedido, não apenas comercialmente, mas por sua produção esmerada. Além de “Rua Ramalhete” (parceria com Ney Azambuja), continha outro mega-sucesso, “Casa de Campo” (parceria com Zé Rodrix), imortalizado pela interpretação de Elis em seu álbum de 1972. E pelo menos mais duas músicas manjadíssimas: “Começo, Meio e Fim” (mais conhecida na interpretação do Roupa Nova) e “Naquele Tempo” (outra saudosista homenagem aos Beatles).

Contou com a participação das cantoras Jane Duboc e Regininha e um respeitável plantel de instrumentistas: Alex Malheiros (Azymuth) e Jamil Joanes no baixo, Márcio Montarroyos no trompete, Paulinho Braga na bateria, Gilson Peranzetta no piano, Sérgio Dias (Mutantes) na guitarra e orquestração de Eduardo Souto Neto. Com tantos atributos, esse disco, ao ser tirado prematuramente de catálogo pela CBS, passou a ser disputadíssimo nos sebos. Incompreensível que só tenha sido lançado em CD por iniciativa da pequena gravadora Savalla, rapidamente se esgotando.

Tavito ainda lançou mais dois álbuns solos. Depois, recolheu-se passando a se dedicar a uma bem sucedida carreira de composição de jingles, o mais famoso dos quais se tornou o hino extra-oficial da conquista do tetra pela seleção, parceria com Aldir Blanc. Aliás, a maior parte de suas composições, foi fruto de colaborações notáveis como com os irmãos Valle, Ivan Lins, Ruy Maurity, Sá e Guarabyra, Renato Teixeira etc. Retomou a produção fonográfica após um intervalo de 27 anos, lançando 2 álbuns pelo selo Tratore, o último em 2014, cinco anos antes do seu falecimento, sem conseguir se desvencilhar da síndrome “Rua Ramalhete”.

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FAIXAS:

1. Cowboy (Eduardo Souto Neto, Paulo Sérgio Valle)

2. Rua Ramalhete (Ney Azambuja, Tavito)

3. Você me Acende (Erasmo Carlos)

4. Longe do Medo (Ivan Lins, Tavito)

5. Cravo e Canela (Milton Nascimento, Ronaldo Bastos)

6. Naquele Tempo (Mariozinho Rocha, Renato Correa)

7. Começo, Meio e Fim  (Ney Azambuja, Paulo Sergio Valle, Tavito)

8. A Ilha (Sá & Guarabyra)

9. Coração Remoçado (Eduardo Souto Neto)

10. Casa no Campo (Tavito, Zé Rodrix)



DÉRCIO MARQUES - TERRA, VENTO, CAMINHO (1977)

 

Em meio às finalistas do Festival MPB-80 da Globo, uma canção destoava do padrão: “Peão da Amarração” interpretada por um tal de Dércio Marques. Foi recebida com frieza pela plateia “oba-oba” presente no auditório, de perfil bem diferente do engajado público universitário dos antigos festivais da Record. O julgamento por votação dos espectadores, estilo BBB (ao contrário do gabaritado júri dos antigos festivais), premiou canções banais como “Agonia” (Oswaldo Montenegro), “Foi Deus Quem Fez Você” (Amelinha) e “Porto Solidão” (Jessé, melhor intérprete).

Mas se no esquema mercantilista da Globo  não havia espaço para a viola de Dércio, o mesmo não se aplica à TV Cultura. Frequentador do programa Sr. Brasil, recebeu uma emocionante homenagem ao (nas palavras de Rolando Boldrin) “partir antes do combinado”.

A música apresentada por Dércio no festival era uma jóia rara do também pouco conhecido Elomar Figueira Mello. Em seu álbum de estreia, TERRA, VENTO, CAMINHO (1972), Dércio já gravara de Elomar “As Curvas do Rio”, uma belíssima canção que aborda o drama do nordestino que abandona suas terras empobrecidas, na busca da sobrevivência no Sudeste.

Embora já houvesse, em 1972, lançado um álbum (DAS BARRANCAS DO RIO GAVIÃO) e emplacado até uma faixa na trilha da novela Gabriela, Elomar era tido como uma figura excêntrica no panorama geral da música brasileira. Dércio foi o responsável pela popularização do nome desse trovador recluso que, do contrário, talvez se limitasse a criar cabras no interior da Bahia. Estimulado por Dércio, Elomar lançou seu segundo disco, NA QUADRADA DAS ÁGUAS PERDIDAS (1979), uma das maiores obras primas do cancioneiro popular e que teve em Dércio seu diretor artístico.

Além de Elomar, Dércio trouxe para (re)conhecimento público o compositor argentino Atahualpa Yupanqui, um dos mais expressivos nomes da música latino-americana de raiz. Dele, no mesmo álbum, adaptou “El Niño” e “La Tengo Rabia al Silencio”.

TERRA, VENTO , CAMINHO foi lançado pelo selo Marcus Pereira. Consta que outros artistas latino-americanos como Violeta Parra e Victor Jara seriam agraciados na obra, tendo sido vetados pela censura vigente à época.

Outro nome projetado pelo músico nesse mesmo álbum foi Zé Maria Giroldo, de quem gravou “Sexta-Feira”. Giroldo, ex-diretor do colégio Equipe em sua fase áurea, foi um importante agitador cultural na cena paulistana. Tornou-se conhecido como autor de “Eterno Como Areia”, canção que dá nome a um dos melhores discos de Diana Pequeno. Aliás, Diana também deve seu êxito a Dércio, seu mentor, produtor de seus álbuns iniciais e com quem foi casada.

Sua última grande revelação foi a cantora e multinstrumentista Dani Lasalvia, de formação erudita e que sob a influência de Dércio enveredou pelo lado da cultura popular.

Mas o mérito de Dércio vai muito além de suas ‘descobertas’. Teve o cantor mineiro um trabalho de inestimável valor de resgate do folclore e de difusão de ritmos regionais e da cultura popular brasileira e iberoamericana. Sua irmã Doroty Marques protagonizou essa trajetória. Juntos lançaram diversos trabalhos e tiveram atuação mútua nos discos individuais.

A gravadora Kuarup chegou a lançar TERRA, VENTO, CAMINHO em CD (com capa diferente do LP) mas está fora de catálogo.

Dércio ainda gravaria outro álbum pela Marcus Pereira (já absorvida pela Copacabana), CANTO FORTE (1979), disco com produção mais requintada que contou com participações notáveis como Heraldo do Monte, Marco Pereira, Oswaldinho do Acordeon, Toninho Carrasqueira, Paulinho Pedra Azul e Irene Portela.

Ao contrário, o disco de estreia tivera uma produção rudimentar, condizente com a realidade que retratava. A paisagem cinzenta estampada da contracapa ressalta o caráter agreste do disco, em que a força da mensagem se sobrepôs às preocupações técnicas. A destacar a produção de José Kruel Gomes, que se tornou conhecido como Zé Gomes, arranjador e violinista de extenso currículum com figurões da MPB mas que escolheu dedicar-se à música regional. Nos vocais, além da irmã, Doroty, participa o humorista/cantor Saulo Laranjeira.

Dércio viria a lançar mais uma dezena de álbuns de qualidade. Mais tarde, sua devoção transferiu-se para a temática ambiental como no LP duplo SEGREDOS VEGETAIS (1986). Teve ainda uma importante atuação sócio-educativa com crianças, lançando diversos álbuns nessa linha.

Dércio “partiu antes do combinado” em 2012 aos 64 anos, sem experimentar o reconhecimento do grande público mas sem abrir mão de seus ideais.

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Faixas:

1 – Tributo (Volta em si) (Claiton Negreiro)

2 – Sexta-Feira (José Maria Giroldo)

3 – Le Tengo Rabia Al silencio (Atahualpa Yupanqui)

4 – Gloria de Sá (Dercio Marques)

5 – O Menino / El niño (Atahualpa Yupanqui / adapt. Dercio Marques)

6 – As Curvas do Rio (Elomar Figueira)

7 – Malambo (Dança criolla) – Criação (improviso) (Ricardo Zenon Morel – Dercio Marques)

8 – Folia do Divino (folclore brasileiro) – Laruê (Saulo Pinto Muniz – Heitor Henrique)

9 – A Quién nos Justifica (Antonio Machado – Dercio Marques)

10 – Árvore (Chico Gaudio – Dercio Marques)




OS INCRÍVEIS - PARA OS JOVENS QUE AMAM OS BEATLES, OS ROLLING STONES E... OS INCRÍVEIS (1967)

Com PULP FICTION, Tarantino recuperou o prestígio de um gênero musical, popular nos anos 60, que andava meio em baixa: a surf music.

No Brasil, Os Incríveis (que antes eram The Clevers) foram o principal expoente desse subgênero do rock. Sob influência de bandas internacionais essencialmente instrumentais como Shadows e Ventures, gravaram um álbum dedicado ao estilo: MILIONÁRIO (1965), puxado pela faixa título. Foram tão bem sucedidos que a música-tema (originalmente do conjunto inglês Dakotas) ficou mais conhecida por aqui do que lá fora.

Contratados pela multinacional RCA Victor, Os Incríveis expandiram o leque de ritmos e ampliaram o uso da vocalização. Pegando carona na onda da Jovem Guarda, conquistaram popularidade e venderam milhões de discos, sobretudo compactos simples (singles) que, à época, era a modalidade preferida de registro.

Os músicos eram primorosos, tinham cacife para consagrarem-se como banda top do rock nacional. Mas cometeram o erro fatal de tornarem-se porta-vozes de um patriotismo exacerbado que tomava conta do país, reforçado pelo tricampeonato de futebol, ao gravar em seu álbum de 1970 o hino ufanista “Eu Te Amo Meu Brasil”.

 Essa composição da dupla Dom e Ravel foi largamente utilizada nas propagandas oficiais do regime militar. Reforçaram-se as acusações de que a Jovem Guarda era “alienada”.

Essa indesejável vinculação com a ditadura que vivia seus anos de chumbo, comprometeu inapelavelmente a popularidade do grupo, que não mais conseguiu se reerguer.

Um contrassenso colossal, visto que o maior êxito do grupo fora justamente o hino antimilitarista: “Era um Garoto que como eu Amava os Beatles e os Rolling Stones” (“C’Era um Ragazzo che Come Me...”), libelo pacifista da carreira de Gianni Morandi contra a guerra do Vietnam, que chegou a ter sua execução proibida pela RAI na TV italiana e fazia parte do repertório da diva de protesto Joan Baez. Os Engenheiros do Hawaii fizeram recentemente uma ‘remake’ de muito sucesso.

Essa canção foi o carro chefe do principal disco PARA OS JOVENS QUE AMAM OS BEATLES, OS ROLLING STONES... E OS INCRÍVEIS, de 1967. Esse trabalho marcou o auge da produção do grupo. Em meio às 12 faixas, quase todas versões, escondem-se outras pérolas, dentre elas, uma interpretação mais apurada de “O Milionário”.

 Destaque para o clássico “Molambo” (de Augusto Mesquita), samba-canção que recebeu inúmeras gravações como as de Maysa, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Jamelão, Elizeth Cardoso, Bethânia e Ney Matogrosso. Os Incríveis conferiram-lhe uma deliciosa roupagem swingada à la Cris Montez.

Há também uma versão instrumental de “Delilah Jones” (de Elmer Bernstein), conhecida por ser tema do filme O HOMEM DE BRAÇO DE OURO. E uma leitura pop para “Czardas”, conhecida peça extraída do ritmo folclórico húngaro.

Os Incríveis viriam a lançar outro ótimo álbum em 1969, contendo dentre outras “O Vendedor de Bananas” de Jorge Ben e “O Vagabundo” (Il Giramondo) de Nicola di Bari. Saiu em CD na série 2 EM 1 (junto com o agourento disco de 1970). Já o álbum de 1967, ‘incrivelmente’ é mais fácil achar em vinil e as faixas mais conhecidas só podem ser acessadas em coletâneas caça-níqueis disponibilizadas pela BMG (adquirente da RCA).  

Acusada de adesista, a banda paulistana entrou em rápido declínio a partir de 1970, vindo a se dissolver logo em seguida.

Uma pena, pois os caras eram pra lá de talentosos tanto que acabaram ingressando em outros cultuados grupos do rock brazuca. O baterista Netinho formou o Casa das Máquinas que, no período de 1974 a 1976, lançou 3 antológicos álbuns. Teve ainda passagem pelo Joelho de Porco.

O tecladista/saxofonista Manito integrou a histórica banda Som Nosso de Cada Dia que, sob sua égide, lançou o álbum SNEGS, considerado por muitos o mais importante disco de rock progressivo já produzido no país. Mas essa é outra história.

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FAIXAS:

01 - Minha Oração (My Prayer) (Georges Boulanger; Jimmy Kennedy) 2:30

02 - Vai, Meu Bem (Hideway) (Howard Blaikley; Versão: Hamilton Di Giorgio) 2:18

03 - Nosso Trato (Sei Gia D’Un Altro) (Don’t Worry Baby) (Brian Wilson; Roger; Christian Pantros; Versão: Libery Pádua) 3:20

04 - Era Um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones (C’era un Ragazzo che Come me Amava i Beatles e i Rolling Stones) (Franco Migliacci; Mauro Lusini; Versão: Brancato Junior) 3:30

05 - O Homem do Braço de Ouro  (Delilah Jones) [The Man with the Golden Arm] (Elmer Bernstein; Sylvia Pine) 3:05

06 - O Milionário (The Milionaire) (Mike Maxfield) 3:45

07 - Molambo (Augusto Mesquita; Jayme Florence) 2:54

08 - You Know What I Want (Howard Blaikley) 2:30

09 - Czardas (Vittorio Monti) 3:35

10 - Perdi Você (Missing You)(Carlos Mendes; José Alberto Diogo) 2:55

11 - Nosso Abraço aos Beatles e os Rolling Stones – Pot-Pourri: Twist and Shout (Bert Russell; Phil Medley) e Satisfaction (Keith Richards; Mick Jagger) – Versão: Os Incríveis 2:20

12 - Não Resta nem Ilusão (Natal Maleski) 3:10

 


 


CILIBRINAS DO EDEN (1973)

 

Esse obscuro álbum faz parte do capítulo que trata do início de carreira de Rita Lee após sua separação d’Os Mutantes. Em 1973, a cantora paulistana oficialmente desligada (expulsa?) da banda que a revelou, ensaiou a formação de um conjunto nomeado Cilibrinas do Éden ao lado da amiga Lúcia Turnbull, assim como ela, cantora, guitarrista e paulistana. A dupla apresentou algumas canções do que pretendiam fosse seu álbum no mega-evento Phono 73 para o qual foi arregimentado o super-elenco da gravadora Phonogram (ou Philips). Porém a numerosa plateia presente, acostumada a ver Rita ao lado d’Os Mutantes, estranhou a novidade.

Ante a má receptividade do público e o desinteresse da gravadora em levar a proposta adiante, o álbum ficou na saudade e o projeto das Cilibrinas foi abortado. Rita tocou sua carreira ao lado da banda Tutti Frutti, lançando em 1974 ATRÁS DO PORTO TEM UMA CIDADE e, no ano seguinte, o icônico FRUTO PROIBIDO, que a consagrou como “a rainha do rock brasileiro”.

Com o sucesso de Rita, o disco ‘perdido’ das Cilibrinas passou a ser objeto de crescente interesse dos fãs. Em 2000, o pesquisador Marcelo Fróes tentou lançá-lo pela Universal. Segundo informa Fróes no livro “1973, O Ano que Reinventou a MPB”, o álbum seria creditado apenas a Rita Lee. Entretanto, por divergências com relação à distribuição de royalties, a coisa emperrou e o projeto foi engavetado.

O álbum parecia estar destinado a desaparecer de cena. Porém, uma pequena gravadora europeia especializada em world music, a Nosmoke Records, colocou-o no mercado em 2010 com uma pequena tiragem. Segundo se cogita, a iniciativa partiu de brasileiros na Europa. O álbum foi creditado ao grupo Cilibrinas do Éden (Rita e Lúcia) embora, a rigor, tratasse-se de um projeto envolvendo os membros do que viria a ser o grupo Tutti Frutti, como o guitarrista Luís Carlini. O disco recebeu bom acabamento, inclusive um (falso) selo da Philips, dando-lhe ares de oficial. Tecnicamente deveria ser considerado como “pirata” por não ter o aval da gravadora, sendo colocado no mercado à revelia de todos os envolvidos. Não fosse, todavia, por esse “vazamento”, o público possivelmente jamais teria acesso à obra que permaneceria mofando nos arquivos da Universal.

Em virtude dos acontecimentos agourentos que impediram o lançamento oficial do álbum, não houve grande empenho em resgatá-lo. Arnaldo Baptista, em seu álbum LÓKI? ainda deu uma estocada na ex-companheira (e ex-esposa) inserindo em sua música “Cê Tá Pensando que eu Sou Lóki” os sarcásticos versos “cilibrina pra cá, cilibrina prá lá, eu sou velho mas gosto de viajar”. Desacreditadas, parecia que as Cilibrinas estavam fadadas ao esquecimento.

Ainda assim, Rita reaproveitou três músicas. “Mamãe Natureza” foi o carro chefe do álbum ATRÁS DO PORTO..., tendo sido, aliás, o primeiro hit de sua carreira solo. “Gente Fina é Outra Coisa” passou a ser “Loco-Motivas” (integrando a trilha da novela Locomotivas) com nova letra. “Bad Trip” foi recauchutada transformando-se em “Shangri-lá” do álbum de 1980 (“Lança Perfume”). Em todos os casos, as novas versões parecem perder das originais.

Marca registrada da cantora, os rocks não faltaram no repertório do álbum. Há até inserções de clássicos de Little Richard e dos Beatles. Seu ídolo Erasmo Carlos é homenageado com “Minha Fama de Mau”. “E Você Ainda Duvida” um rock’n’roll básico na linha de outros que Rita viria a compor como “Esse Tal de Roque Enrow”, “Ôrra Meu” ou “On the Rocks”.

O curioso é que as faixas mais interessantes do álbum são as acústicas e menos pesadas como “Festival Divino”, “Bad Trip (Ainda Bem)”, “Vamos Voltar ao Princípio porque lá é o Fim” e “Paixão da Minha Existência Atribulada” com belas vocalizações das meninas.

E terminando de forma intrigante, a canção, se é que podemos chamá-la assim, que dá título ao álbum. Uma viagem sonora cheia de ruídos, gemidos e efeitos eletrônicos, criados possivelmente sob a influência de drogas alucinógenas.

A versão ‘pirata’ do álbum teve a ordem das canções modificada e houve acréscimo de duas faixas bônus com Os Mutantes, uma delas extraída de um compacto, não presente em nenhum outro álbum: “Mande um Abraço pra Velha”.

A leitura que hoje se faz de CILIBRINAS DO ÉDEN é que, muito mais do que um curioso registro do início de carreira de Rita Lee, tem qualidades de sobra. É referenciado como um dos clássicos da psicodelia nacional, reforçado não apenas pelo conteúdo “viajante” de algumas faixas, mas pelo próprio nome do grupo (cilibrina ou silibrina, como dizem alguns, seria um código para LSD) e pela arte lisérgica da capa.

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Faixas:

01 - Mamãe Natureza

02 - E Você Ainda Duvida

03 - Minha Fama de Mau

04 - Gente Fina É Outra Coisa

05 - Paixão Da Minha Existência Atribulada

06 - Festival Divino

07 - Bad Trip (Ainda Bem)

08 - Nessas Alturas Dos Acontecimentos

09 - Vamos Voltar Ao Princípio Porque Lá é o Fim

10 - Cilibrinas Do Éden



JORGE MAUTNER (1974)

 


Jorge Mautner é uma figura absolutamente ímpar. Costumam classificá-lo como ‘maldito’ da MPB ao lado de Jards Macalé, Tom Zé, Walter Franco e Luiz Melodia, artistas que têm em comum o anticomercialismo e o experimentalismo, sem guardarem propriamente afinidade de estilos.

No causo de Mautner, sua participação no cenário cultural não se resume à singularidade de sua música. Relaciona-se às características multifacetadas de sua individualidade. Carioca e paulista, judeu e sincretista, poeta e ensaísta, cantor e violinista, contestador e pacifista. E mais uma porção de ‘istas’: socialista, anarquista vanguardista, tropicalista, ecologista. Ingredientes desse caldeirão metafísico que mescla com naturalidade Nietzsche e apocalipse. A qualificação que lhe cai com maior justeza talvez seja ‘libertário’.

Desde cedo, revelou-se uma mente brilhante e transgressora. Em São Paulo, onde passou parte de sua infância, foi estudante do colégio Dante Alighieri, do qual foi expulso por escrever textos considerados indecorosos. Textos que, apreciados em outra instância, renderam-lhe um prêmio Jabuti.

Além da literatura, atuou em várias frentes: teatro, cinema e música. Seu primeiro registro fonográfico data de 1966, um compacto simples com as músicas “Radioatividade” e “Não, Não, Não” que trazem versos como “você fala que os homens não são iguais” ou “Cristo também era pobre, não tinha o que comer” os quais não devem ter agradado aos militares assim como a temática de seus livros e suas peças vanguardistas. Tanto que o pacato Mautner, munido de seu subversivo violino, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional.

Exilado, depois de uma passagem pelos EUA, vai para Londres onde se torna amigo de duas figuras carismáticas: Caetano e Gil que também se encontravam no exílio. Caetano impressionou-se com os textos de Mautner, identificando neles uma estética tropicalista antes de o movimento aflorar.

Para conhecer com maior detalhe a trajetória do Profeta do Kaos (sic), o melhor mesmo é assistir ao longa O FILHO DO HOLOCAUSTO, produzido pelo apresentador global Pedro Bial para o Canal Brasil em que é narrada a trajetória de vida do artista, entremeada por suas canções executadas no palco. Presentes personagens importantes na sua vida, inclusive a filha Amora que, de improviso, relembra desconcertantes e hilárias revelações de cenas domésticas.

Em 2002, por um desses mistérios que permeiam os desígnios da indústria fonográfica, a Universal, detentora dos direitos dos primeiros álbuns de Mautner, resolveu disponibilizar em CD apenas o primeiro desses discos, PARA ILUMINAR A CIDADE (1972), originalmente lançado por um selo alternativo da Phonogram. Ganhou na edição digitalizada 3 faixas bônus, incluindo uma curiosa parceria com Jards Macalé (“Planeta dos Macacos”), além da primeira parceria com Nelson Jacobina (“Relaxa, meu Bem, Relaxa”). As demais canções foram todas compostas por Mautner, uma delas em parceria com Caetano Veloso (“From Farway”).

Embora tal iniciativa tenha sido digna de louvor por ter trazido à luz um interessantíssimo registro dos primeiros momentos de Mautner, a gravadora ficou devendo o segundo disco que, em tese, deveria ter tido prioridade, inclusive sob o ponto de vista comercial, por ter sido o mais icônico na carreira do artista.

Esse álbum, de 1974, dispõe de uma produção mais esmerada, a cargo de Gil, trazendo a presença de Tutty Moreno na batera e de Roberto de Carvalho (futuro marido de Rita Lee) nos teclados e na guitarra. Conta ainda com a arte na capa assinada pelo celebrado artista gráfico tropicalista Rogério Duarte. A obra marca também a afirmação da longeva colaboração com Nelson Jacobina. Jacobina foi fiel parceiro de Mautner até seu falecimento em 2012. A parceria responde por 7 das 13 faixas do álbum, inclusive do seu maior ‘hit’ “Maracatu Atômico”. Composições cuja marca registrada é uma estrutura musical despretensiosa dando suporte a extravagantes ideias expressas por letras debochadas e irreverentes.

Esse trabalho chegou a ser lançado em CD nos anos 90, pelo selo independente Rock Company, não tendo tido, porém, distribuição satisfatória, vindo a rapidamente se esgotar.

A boa notícia é que esses dois primeiros álbuns bem como o terceiro, MIL E UMA NOITES DE BAGDÁ (1976) ganharam uma edição no box TRÊS TONS. O lançamento da Universal resgata os 3 álbuns remasterizados num trabalho de recuperação à altura de sua importância.

Mautner lançou diversos livros e discos, um ao lado de Caetano, EU NÃO PEÇO DESCULPA (2002). Sempre louvado pelos críticos, jamais experimentou o gosto do ver uma obra sua alcançar sucesso de vendas.

Sua glória foi ter suas deliciosas canções chegado ao público nas vozes de outros intérpretes: Gilberto Gil (“Maracatu Atômico” e “Rouxinol”), Caetano Veloso (“Vampiro”), Gal Costa (“Lágrimas Negras”), Robertinho do Recife (“Encantador de Serpentes”), Morais Moreira (“Pelas Capitais” e“Lenda do Pégaso”), Pepeu Gomes (“Namoro de Bicicleta”), Zé Ramalho (“Orquídea Negra”), Elba Ramalho (“Sonho de uma Noite de Verão”), Amelinha (“Bomba de Estrelas”), Belchior (“E que Tudo Mais Vá para o Céu”), Fagner (“Viajante”), Lulu Santos (“Pipoca à Meia Noite” e “Samba dos Animais”), Kid Abelha (“Meu Mundo Gira em Torno de Você”), Vânia Bastos (“Rouxinol”), Wanderléa (“Ginga na Mandinga”) e Chico Science e Nação Zumbi (“Maracatu Atômico”).

Algumas dessas interpretações podem ser conferidas nos álbuns BOMBA NAS ESTRELAS (1981) e O SER E A TEMPESTADE (1999) em que Mautner divide os créditos com ilustres convidados.

Nas palavras de Gil, Mautner “é uma criança distraída e tola. Sua tolice é como uma lente potente do telescópio do Monte Palomar: traz as estrelas para perto, para dentro”.

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Faixas:

1. Guzzy muzzy (Jorge Mautner)

2. Pipoca à meia-noite (Jorge Mautner)

3. Cinco bombas atômicas (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

4. Ginga de mandinga (Rodolfo Grani Júnior, Jorge Mautner)

5. Rock da TV (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

6. Samba dos animais (Jorge Mautner)

7. Herói das estrelas (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

8. Matemática do desejo (Jorge Mautner)

9. Nababo ê (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

10. O relógio quebrou (Jorge Mautner)

11. Salto no escuro (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

12. Maracatu atômico (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

13. Um milhão de pequenos raios (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)



12 de dez. de 2020

JÚPITER MAÇÃ (APPLE) – HISSCIVILIZATION (2002)

 


Júpiter Maçã que já fora Woody Apple, passara a ser Júpiter Apple e voltara a ser Júpiter Maçã (mas que, na verdade, era só Flávio Basso) proveio de uma banda de rock gaúcha, Os Cascavelletes, tendo integrado anteriormente o TNT, outro conjunto do sul (grupos que revelaram outro membro célebre, Nei Van Soria). No ápice do rock nacional dos anos 1980, essas bandas tiveram uma projeção mediana no cenário nacional.

 A carreira solo de Júpiter pouco lembra o som juvenil e irreverente da fase roqueira. Seu disco solo de maior repercussão foi o primeiro, a SÉTIMA EFERVESCÊNCIA (1997), eleito pela Revista Rolling Stone como um dos 100 mais importantes da música brasileira. Tem um toque psicodélico e experimental (sua maior influência foi Syd Barrett, guitarrista da primeira e mais pirante fase do Pink Floyd). Depois passou a flertar com a bossa nova, cantando em inglês no disco PLASTIC SODA.

HISSCIVILIZATION foi seu trabalho mais ousado e radical, em que rompe de vez com seu passado e se entrega a longas improvisações, uma rica instrumentação e uma combinação de sons eletrônicos e experimentalismos com menor uso vocal (também quase que exclusivamente em inglês, com algumas pitadas em português) que o afastaram de seu público original mas fascinaram a crítica.

Além de rock progressivo, é nítida a presença de elementos sonoros característicos do grupo franco-britânico Stereolab. Aliás, Tim Gane, fundador da banda, bem como Sean Lennon (filho do ex-beatle) estão entre os célebres admiradores do músico gaúcho.

Esse disco surpreendente, lançado por uma gravadora independente, é ainda mais difícil de ser encontrado em CD do que os trabalhos antecedentes.

Júpiter que sempre foi muito mais cultuado nos pampas, faleceu em 2015, antes de ter completado 48 anos, sem ter expandido seu prestígio para o resto do país.

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Faixas:

1. "The Homeless and the Jet Boots Boy" – 11:32

2. "Pyrus Malus et Fragaria Vesca" – 6:04

3."Act Not Surprised" – 4:47

4. "...So You Leave the Hall" – 6:15

5. "An Old Road/Aquarius and Pisces" – 3:44

6. "Overture and Something else" – 8:21

7. "The Cat and the Rabbit" – 2:55

8. "In the Presence of Zohg Zucchini and Finale" – 4:38

9. "The Futuristica Waltz" – 3:39

10. "Exactly" – 6:30

11. "Metropole" – 6:44

12 "Tropical Permanent Holidays" – 4:10

13. "Civilization" – 8:15



NELSON GONÇALVES & RAPHAEL RABELLO – AO VIVO (2002)

 


O maior vendedor de discos do Brasil, ninguém duvida, é Roberto Carlos com 120 milhões de cópias. Poucos suspeitariam que Nélson Gonçalves com uma estimativa de 80 milhões fosse o vice. Números que impressionam ainda mais se considerarmos que grande parte ocorreu entre os anos 40 e os anos 60 quando a população brasileira era mais enxuta. A produtividade de Nelson também espanta: mais de 200 discos, entre álbuns e 78 rotações.

Afora o sucesso comercial, não há como contestar que Nelson esteja entre as maiores vozes masculinas de todos os tempos, disputando a primazia com Francisco Alves e Orlando Silva (seus ídolos, por sinal).

Aqueles que têm menos de 50 anos, ouvindo hoje o cantor gaúcho talvez estranhem esse galardão. Para os parâmetros vigentes, a voz empostada e o repertório de Nelson podem parecer ‘bregas’. É preciso considerar que, ao longo dos anos, houve uma mudança radical nos padrões estéticos, sobretudo com o advento da bossa nova que impôs interpretações mais, digamos, contidas.

Seja como for, poucos não se emocionariam ao ouvir sucessos como “A Volta do Boêmio”, “Negue” e “Fica Comigo Esta Noite”. Porém, o repertório do intérprete ia muito além dos clássicos ‘dor de cotovelo’ de Adelino Moreira. Revelou ao público obras essenciais dos principais compositores da música brasileira da época.

Nem por isso, Nelson deixou de flertar com as novas gerações tendo inclusive gravado autores como Lobão, Paula Toller, Renato Russo, Herbert Vianna e Lulu Santos.

Nelson (que na verdade chamava-se Antônio Gonçalves) teve uma infância difícil, agravada por sua gagueira (que lhe valeu o apelido de ‘Metralha’). Mudou-se com a família para São Paulo, onde, para ascender socialmente, teve que lutar duro. Literalmente. Tornou-se um exímio boxeador obtendo o título de campeão paulista em sua categoria. Mas seu sonho de ser cantor falou mais alto.

Como artista, viveu uma vida intensa, regada a álcool, drogas (chegou a ser preso por porte de cocaína) e mulheres. Contraditoriamente, manteve um relacionamento harmônico com sua gravadora RCA Victor (mais tarde, BMG/Ariola), a que se manteve fiel durante toda a sua longa carreira e que, em troca, conferiu-lhe o exclusivo prêmio Nipper (concedido também a outro afiliado exemplar: Elvis Presley).

Em comemoração a seu centenário de nascimento, a Sony (que representa atualmente a BMG) está disponibilizando grande parte de sua obra, restaurada e remasterizada, às plataformas de streaming.

Em meio a essa frutífera produção fonográfica, dois trabalhos se diferenciam. Neles Nelson divide os créditos com instrumentistas virtuosos com o intérprete emprestando sua privilegiada voz para dialogar num clima mais intimista com um instrumento solo. Com Arthur Moreira Lima, O BOÊMIO E O PIANISTA, um projeto tipo ‘piano e voz’. E esse disco AO VIVO acompanhado apenas do violão de Raphael Rabello.

Em sua breve existência de 32 anos de vida, o prodigioso Rabello consagrou-se como um dos maiores violonistas (senão o maior) do país. Gravou mais dois álbuns nesse mesmo padrão: um com Elizeth Cardoso (TODO O SENTIMENTO, 1989) e outro com Ney Matogrosso (À FLOR DA PELE, 1991).

O álbum abre com duas faixas solos de Rabello para dois clássicos de Tom Jobim, “Samba do Avião” e “Luíza”. A partir de então, Nelson introduz seu vozeirão, fazendo desfilar pérolas do seu repertório, tendo ao fundo as precisas cordas de Rabello. Há isoladas participações do violão de Dino 7 Cordas e do acordeom de Caçulinha.

O álbum na verdade não fora planejado: trata-se de uma compilação de performances dos shows 50 ANOS DE BOEMIA (Teatro Olympia, SP, 1989) e gravações pinçadas de estúdio (efetuadas em 1991). A música de Noel Rosa que encerra o álbum foi extraída do álbum NOEL ROSA SONGBOOK. Enfim, uma ‘colcha de retalhos’ e não fruto de uma prévia concepção.

 Todavia, o disco soa tão redondo que quem desconhecesse esse fato, imaginaria tratar-se de registro de um show da dupla. O texto da contracapa escrita pelo crítico Mauro Ferreira sugere que a obra de inestimável valor documental foi preparada para ser um tributo póstumo aos dois artistas, ambos falecidos alguns anos antes. Disponível exclusivamente em CD.

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Faixas:

1. Samba do Avião (Tom Jobim) – solo de violão

2. Luiza (Tom Jobim) – solo de violão

3. Quem Há de Dizer (Alcides Gonçalves, Lupicínio Rodrigues)

4. Súplica (Déo, José Marcílio, Otávio Gabus Mendes)

5. As Rosas não Falam (Cartola)

6. Nunca (Lupicínio Rodrigues)

7. Chão de Estrelas (Orestes Barbosa, Sílvio Caldas)

8. Fracasso (Mário Lago)

9. Velho Realejo (Custódio Mesquita, Sadi Cabral)

10. Número Um (Benedito Lacerda, Mário Lago)

11. A Deusa da Minha Rua (Jorge Faraj, Newton Teixeira)

12. Três Lágrimas (Ary Barroso)

13. Naquela Mesa (Sérgio Bittencourt)

14. Pra Esquecer (Noel Rosa)





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