Vanusa
tornou-se mais conhecida pela cor de seus cabelos do que pelos dotes artísticos,
estigmatizada como uma intérprete ‘menor’ ligada à Jovem Guarda. Nada mais equivocado:
de sua discografia de quase 20 álbuns, o único que pode ser creditado a esse
gênero é o primeiro, puxado pelo hit PRA NUNCA MAIS CHORAR de Eduardo Araújo e Carlos
Imperial.
Não
bastasse isso, amargou em 2009 um infeliz episódio de ter se atrapalhado na
interpretação do Hino Nacional numa solenidade oficial, cujo vídeo viralizou,
tornando-a motivo de chacota, o que a deixou profundamente abalada. A circunstância
de que estava sob efeitos de medicamentos para a labirintite não atenuou o linchamento
perpetrado nas redes sociais.
Vanusa
tornou-se reclusa e amargurada com o acontecimento. Até que, aos 67 anos, após quase
20 anos de ostracismo fonográfico, já com a saúde debilitada, foi convidada
pelo incansável músico e agitador cultural Zeca Baleiro para gravar o álbum VANUSA
SANTOS FLORES pelo selo Saravá, por ele produzido, com um repertório de
primeira, que viria a ser o último de sua carreira.
A
exposição da cantora ao menos serviu para despertar o interesse das novas
gerações que sequer a conheciam. Em parte, isso motivou o relançamento, em
2015, de dois boxes contendo seus 8 primeiros álbuns, a nata de sua produção,
pelo selo Discobertas, acompanhados de faixas bônus, num louvável trabalho de
resgate.
Uma audição
honesta desses álbuns revela momentos primorosos. O segundo álbum (1969) já evidencia que a
loiríssima estava preocupada em alçar voos bem mais altos do que sugeriam os passos
iniciais. Com o recente revival dos álbuns psicodélicos, esse surpreendente
disco (a começar pela belíssima e ousada capa) é referenciado como uma das
pérolas do gênero, sobretudo a faixa ATÔMICO PLATÔNICO (com ares tropicalistas).
Os
trabalhos seguintes demonstraram que Vanusa queria ampliar o leque, abraçando o
soul e posteriormente a MPB, sem abandonar os temas populares românticos.
AMIGOS
NOVOS E ANTIGOS, o sexto álbum, de 1975, é tido por alguns críticos como o mais
arrojado, com um repertório calcado em grandes nomes da MPB como Milton
Nascimento/Fernando Brant, João Bosco/Aldir Blanc, Luiz Melodia, Carlinhos
Vergueiro e Fagner (numa inusitada parceria com Antonio Marcos), trazendo ainda
sua consagradora versão para o clássico PARALELAS de Belchior.
No
álbum de 1977, TRINTA ANOS, entre outras pérolas, uma inédita de Caetano
Veloso, DUAS MANHÃS, e outra do estreante Zé Ramalho, AVÔHAI, canção que viria
a consagrar o músico paraibano no seu primeiro álbum individual, no ano
seguinte.
O
quarto disco de 1973 (que marcou sua passagem da RCA para a Continental),
nomeado apenas de VANUSA (a exemplo dos outros 4 iniciais), talvez tenha sido o
mais eclético, indo do samba ao rock (há até uma canção infantil, O MAGO DE
PORNÓIS), sem no entanto perder a integridade. O destaque é a faixa de abertura,
MANHÃS DE SETEMBRO (composição própria em parceria com Mário Campanha), tido
por alguns como uma das mais belas peças da MPB. O álbum foi produzido por
Lincoln Olivetti e Zé Rodrix, que assinou duas faixas, RETRATO NA PAREDE e COISAS
PEQUENAS, essa última parceria com Tavito.
A
versão remasterizada traz duas faixas bônus, uma em dueto com Antônio Marcos
(parceiro e primeiro marido) e outra, o tema de abertura do Programa Fantástico
da Rede Globo (de Guto Graça Mello e Boni), originalmente por ela interpretado.
A
maior curiosidade do disco, no entanto, é o rock WHAT TO DO?, cantado em inglês
que se tornou conhecidíssimo pelo fato de o riff de guitarra guardar uma impressionante
semelhança com o clássico Sabbath Bloody Sabbath do álbum homônimo do grupo
heavy Black Sabbath. Para quem imaginou tratar-se de plágio, uma informação: a
canção de Vanusa foi lançada 5 meses antes do disco do grupo inglês. Indagada a
respeito, a pacífica Vanusa afirmou sentir-se lisonjeada pela repercussão do
caso e deixou a questão pra lá. Mera coincidência, justificou.
.
Faixas:
1. Manhãs
de Setembro (Mário Campanha - Vanusa)
2. Você
não Morreu (Portinho - Antônio Marcos)
3. O Mago
de Pornois (Massadas)
4. Quebra
Cabeça (William Acquisti)
5. Neste
mesmo Lugar (Armando Cavalcanti - Klécius Caldas)
6. What to Do (Papi - Alf Soares)
7. Estou
Fazendo Hora (Mário Marcos - Antônio Marcos)
8. Coisas
Pequenas (Tavito - Zé Rodrix)
9. Quero
Você (Mário Campanha - Vanusa)
10. Retrato
na Parede (Zé Rodrix)
11. Mercado
Modelo (Jocafi - Antônio Carlos - Ildázio Tavares)
12. Entre
Cinzas (Papi - Carlos Cou)
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