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16 de dez. de 2020

DÉRCIO MARQUES - TERRA, VENTO, CAMINHO (1977)

 

Em meio às finalistas do Festival MPB-80 da Globo, uma canção destoava do padrão: “Peão da Amarração” interpretada por um tal de Dércio Marques. Foi recebida com frieza pela plateia “oba-oba” presente no auditório, de perfil bem diferente do engajado público universitário dos antigos festivais da Record. O julgamento por votação dos espectadores, estilo BBB (ao contrário do gabaritado júri dos antigos festivais), premiou canções banais como “Agonia” (Oswaldo Montenegro), “Foi Deus Quem Fez Você” (Amelinha) e “Porto Solidão” (Jessé, melhor intérprete).

Mas se no esquema mercantilista da Globo  não havia espaço para a viola de Dércio, o mesmo não se aplica à TV Cultura. Frequentador do programa Sr. Brasil, recebeu uma emocionante homenagem ao (nas palavras de Rolando Boldrin) “partir antes do combinado”.

A música apresentada por Dércio no festival era uma jóia rara do também pouco conhecido Elomar Figueira Mello. Em seu álbum de estreia, TERRA, VENTO, CAMINHO (1972), Dércio já gravara de Elomar “As Curvas do Rio”, uma belíssima canção que aborda o drama do nordestino que abandona suas terras empobrecidas, na busca da sobrevivência no Sudeste.

Embora já houvesse, em 1972, lançado um álbum (DAS BARRANCAS DO RIO GAVIÃO) e emplacado até uma faixa na trilha da novela Gabriela, Elomar era tido como uma figura excêntrica no panorama geral da música brasileira. Dércio foi o responsável pela popularização do nome desse trovador recluso que, do contrário, talvez se limitasse a criar cabras no interior da Bahia. Estimulado por Dércio, Elomar lançou seu segundo disco, NA QUADRADA DAS ÁGUAS PERDIDAS (1979), uma das maiores obras primas do cancioneiro popular e que teve em Dércio seu diretor artístico.

Além de Elomar, Dércio trouxe para (re)conhecimento público o compositor argentino Atahualpa Yupanqui, um dos mais expressivos nomes da música latino-americana de raiz. Dele, no mesmo álbum, adaptou “El Niño” e “La Tengo Rabia al Silencio”.

TERRA, VENTO , CAMINHO foi lançado pelo selo Marcus Pereira. Consta que outros artistas latino-americanos como Violeta Parra e Victor Jara seriam agraciados na obra, tendo sido vetados pela censura vigente à época.

Outro nome projetado pelo músico nesse mesmo álbum foi Zé Maria Giroldo, de quem gravou “Sexta-Feira”. Giroldo, ex-diretor do colégio Equipe em sua fase áurea, foi um importante agitador cultural na cena paulistana. Tornou-se conhecido como autor de “Eterno Como Areia”, canção que dá nome a um dos melhores discos de Diana Pequeno. Aliás, Diana também deve seu êxito a Dércio, seu mentor, produtor de seus álbuns iniciais e com quem foi casada.

Sua última grande revelação foi a cantora e multinstrumentista Dani Lasalvia, de formação erudita e que sob a influência de Dércio enveredou pelo lado da cultura popular.

Mas o mérito de Dércio vai muito além de suas ‘descobertas’. Teve o cantor mineiro um trabalho de inestimável valor de resgate do folclore e de difusão de ritmos regionais e da cultura popular brasileira e iberoamericana. Sua irmã Doroty Marques protagonizou essa trajetória. Juntos lançaram diversos trabalhos e tiveram atuação mútua nos discos individuais.

A gravadora Kuarup chegou a lançar TERRA, VENTO, CAMINHO em CD (com capa diferente do LP) mas está fora de catálogo.

Dércio ainda gravaria outro álbum pela Marcus Pereira (já absorvida pela Copacabana), CANTO FORTE (1979), disco com produção mais requintada que contou com participações notáveis como Heraldo do Monte, Marco Pereira, Oswaldinho do Acordeon, Toninho Carrasqueira, Paulinho Pedra Azul e Irene Portela.

Ao contrário, o disco de estreia tivera uma produção rudimentar, condizente com a realidade que retratava. A paisagem cinzenta estampada da contracapa ressalta o caráter agreste do disco, em que a força da mensagem se sobrepôs às preocupações técnicas. A destacar a produção de José Kruel Gomes, que se tornou conhecido como Zé Gomes, arranjador e violinista de extenso currículum com figurões da MPB mas que escolheu dedicar-se à música regional. Nos vocais, além da irmã, Doroty, participa o humorista/cantor Saulo Laranjeira.

Dércio viria a lançar mais uma dezena de álbuns de qualidade. Mais tarde, sua devoção transferiu-se para a temática ambiental como no LP duplo SEGREDOS VEGETAIS (1986). Teve ainda uma importante atuação sócio-educativa com crianças, lançando diversos álbuns nessa linha.

Dércio “partiu antes do combinado” em 2012 aos 64 anos, sem experimentar o reconhecimento do grande público mas sem abrir mão de seus ideais.

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Faixas:

1 – Tributo (Volta em si) (Claiton Negreiro)

2 – Sexta-Feira (José Maria Giroldo)

3 – Le Tengo Rabia Al silencio (Atahualpa Yupanqui)

4 – Gloria de Sá (Dercio Marques)

5 – O Menino / El niño (Atahualpa Yupanqui / adapt. Dercio Marques)

6 – As Curvas do Rio (Elomar Figueira)

7 – Malambo (Dança criolla) – Criação (improviso) (Ricardo Zenon Morel – Dercio Marques)

8 – Folia do Divino (folclore brasileiro) – Laruê (Saulo Pinto Muniz – Heitor Henrique)

9 – A Quién nos Justifica (Antonio Machado – Dercio Marques)

10 – Árvore (Chico Gaudio – Dercio Marques)




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