Beth Carvalho viveu seus tempos de maior popularidade entre
1976 a 1988. Nesses 13 anos, a cantora carioca lançou 13 discos, um por ano,
pelo selo RCA Victor. “Vou Festejar”, “Coisinha do Pai”, “Saco de Feijão”, “As
Rosas não Falam” são alguns dos sambas dessa fase que caíram no gosto do
público.
Nos primórdios de sua carreira, todavia, não parecia haver
indicação de que Beth estivesse destinada ao samba. Seu primeiro registro
musical data de 1965: o compacto simples “Por Quem Morreu de Amor”, composição
de Menescal e Bôscoli, produzido por Eumir Deodato, nomes vinculados à bossa
nova.
Ao lado de Eduardo Conde (que ficou famoso como ator
principal da peça Jesus Cristo Superstar), teve uma rápida passagem como
vocalista do conjunto 3D de Antonio Adolfo (com a presença também de Chico
Batera e Hélio Belmiro). Gravaram um obscuro LP, MUITO NA ONDA (1966), com um
repertório de jazz e bossa nova. Curiosamente, esse disco, dificílimo de achar
no Brasil, pode ser encontrado em CD no... Japão (e ainda com faixas bônus!).
Os nipônicos nutrem verdadeira veneração por Beth Carvalho que sequer pisou naquele
país.
O passo seguinte da vida artística da cantora tampouco
revela o caminho que viria a trilhar: interpretou a festivalesca “Andança” (Edmundo
Souto, Paulinho Tapajós, Danilo Caymmi), que cravou um honroso 3º lugar no FIC/68.
À sua frente, duas concorrentes imbatíveis: “Sabiá” (Tom e Chico) e “Prá não
Dizer que não Falei das Flores” (Vandré). “Andança” fez bonito e tornou-se
emblemática na carreira da intérprete. Aproveitando a maré, lançou o primeiro disco
solo, ANDANÇA (1969, Odeon), puxado pela canção-título, secundada nesta e em
mais 3 faixas pelos jovem-guardistas Golden Boys, inclusive numa expressiva
leitura de “Sentinela” de Milton Nascimento com a participação do mesmo ao
violão. No repertório, prevalecia bossa e MPB.
Alguns registros dessa fase pré-samba podem ser conferidos
em dois dos cinco volumes do box PRIMEIRAS ANDANÇAS, lançado em 2010 que revela
as primeiras gravações da artista mangueirense, parte das quais havia sido
lançada apenas em singles avulsos.
Sua conversão definitiva ao samba ocorreu por motivos,
digamos, ideológicos. “A Bossa Nova foi um movimento lindíssimo da Zona Sul,
Arpoador, Ipanema, Leblon, Copacabana e que merece ser cantado (...). Mas o
Brasil pegando fogo, em plena ditadura e os caras falando do barquinho, do
pato, da brisa. Cantar samba feito por compositores negros, pobres e
marginalizados é uma forma de protesto”, afirmou, plena do brio ativista herdado
das rodas do Cacique de Ramos.
CANTO POR UM NOVO DIA foi seu primeiro disco genuinamente
de samba. Ainda que por uma pequena gravadora nacional, Tapecar, a produção foi
esmerada bem como o repertório.
O grande destaque foi “Folhas Secas”, belíssima composição
de seu patrono Nélson Cavaquinho (que comparece tocando violão) e Guilherme
Brito. Consta que Elis Regina, através da indiscrição de César Camargo Mariano
(marido de Elis e produtor do disco de Beth), tomou conhecimento da canção
feita de encomenda (carro-chefe do álbum) e a incluiu, sem consentimento da
sambista, em seu LP de 1973 pela Phonogram. A disputa pela primazia do
lançamento provocou uma guerra das gravadoras, que respingou na relação entre as
duas cantoras que nunca mais voltaram a se falar.
Outras pérolas do álbum são “Hora de Chorar” (Mano Décio e
Jorginho Pessanha),“Velhice da Porta-Bandeira” (Eduardo Gudin e Paulo César
Pinheiro) e “Mariana da Gente” (João Nogueira). Presentes ainda, dentre outras,
composições de Martinho da Vila e Mário Lago.
O séquito de acompanhantes é de primeira. No violão, além
de Nelson Cavaquinho, Luiz Cláudio Ramos e Dino Sete Cordas; no cavaquinho, Zé
Menezes; no baixo, Luizão Maia; na percussão, Chico Batêra, Mestre Marçal,
Jorginho do Pandeiro e Bezerra da Silva; na bateria, Paulinho Braga; e no
piano, César Camargo Mariano, também arranjador.
Beth viria a gravar mais dois grandes trabalhos pela
Tapecar: PRA SEU GOVERNO (1974), produzido por Paulo Moura, contendo seu
primeiro sucesso radiofônico: “1800 Colinas” (Gracia do Salgueiro), além de
“Maior é Deus” (Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro); e PANDEIRO E VIOLA
(1975) com “Onde Está a Honestidade” (Noel Rosa). Essa trinca de álbuns,
anteriores à sua fase mais conhecida, consolidaram-na como estrela maior do
samba.
Com esses trabalhos, Beth conquistou apoio unânime da
crítica especializada (Zuza Homem de Mello, Rildo Hora, Tárik de Souza e Sérgio
Cabral, pai, eram alguns de seus deslumbrados fãs), embora o sucesso popular
ainda estivesse por vir.
A ‘Madrinha do Samba’ ficou marcada também pelos artistas
que ‘amadrinhou’ como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Almir Guineto, Arlindo
Cruz, Fundo de Quintal e por aqueles que divulgou e resgatou como Nelson
Cavaquinho e Cartola que tinham em Beth sua intérprete preferida.
.
Faixas:
1.
“Hora de chorar” (Mano Décio e Jorge Pessanha) 3:41
2.
“Canto por um novo dia” (Garoto da Portela) 2:10
3.
“Se é pecado sambar” (Manuel Santana) 4:19
4.
“Homenagem a Nelson Cavaquinho” (Carlos Elias) 3:08
5.
“Evocação nº1” (Nelson Ferreira) 2:42
6.
“Velhice da Porta Bandeira” (Eduardo Gudin / Paulo Cesar Pinheiro) 3:25
7.
“Folha Secas” (Nelson Cavaquinho / Guilherme de Brito) 2:15
8.
“Salve a preguiça meu pai” (Mario Lago) 2:07
9.
“Mariana da gente” (João Nogueira) 3:52
10.
“Fim de reinado” (Martinho da Vila) 2:16
11.
“Clementina de Jesus” (Gisa Nogueira) 1:59
12.
“Memória de um compositor” (Darcy da Mangueira / Betinho) 4:02
13.
“Flor de Laranjeira / Sereia / São Jorge Meu Protetor” (Medley) (Bernadino Silva, Beth Carvalho,
Jorge Silva , Nelson Cavaquinho, Noel Silva, Umberto De Carvalho, Zé Pretinho)
3:05
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