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13 de jul. de 2022

EDUARDO GUDIN, MÁRCIA & PAULO CÉSAR PINHEIRO – TUDO O QUE MAIS NOS UNIU (1996)

Registro de apresentação ao vivo reunindo dois expoentes do samba, um carioca (Pinheiro) e um paulistano (Gudin) mais a cantora Márcia.

Pinheiro, um dos mais profícuos e inspirados letristas, tem trabalhos com Pixinguinha, João Nogueira, Martinho da Vila, Moacyr Luz, Elton Medeiros, Tom Jobim, Carlos Lyra, João Donato, Ivan Lins, Edu Lobo, Francis Hime, Dori Caymmi, Joyce, Toquinho, Lenine, Sivuca, Raphael Rabello, Baden Powell e Egberto Gismonti, além de uma consagrada parceria, que rendeu mais de 80 composições, com Gudin.

Este por sua vez tem colaborações com lendários compositores de samba como Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini, Hermínio Bello de Carvalho, Elton Medeiros e Aldir Blanc, além de ter produzido o laureado disco BETH CARVALHO CANTA O SAMBA DE SÃO PAULO (1994). Com amplo domínio sobre o violão e sólida formação musical, transitou do samba de raiz à música atonal, colaborando com Arrigo Barnabé nos álbuns CIDADE OCULTA e TUBARÕES VOADORES.

Completa o time a também paulistana Márcia, intérprete titular de duas obras primas atemporais da MPB: RONDA de Paulo Vanzolini e EU E A BRISA de Johnny Alf. Ao que consta, foi ela que criou a ponte inicial entre os dois compositores, ao entregar ao carioca uma fita cassete de uma composição do paulista para que fosse inserida a letra. A partir de então, nasceu uma sólida relação de parceria à distância que se sustentou ao longo de décadas através de regulares contatos telefônicos.

Os três artistas são também conhecidos pelos seus cônjuges notáveis. Pinheiro foi casado por 8 anos com Clara Nunes até a morte dessa, assinando (em parceria com Mauro Duarte) sua mais famosa composição, CANTO DAS TRÊS RAÇAS. Gudin, por seu turno, desposou Vânia Bastos, cantora ligada à vanguarda paulista, em conjunto com a qual gerou o excelente álbum GUDIN & VÂNIA (1989). Quanto à distinta e serena Márcia, teve como improvável companheiro por mais de 30 anos, o popular e desbocado locutor esportivo Sylvio Luís, criador dos bordões “olho no lance” e “pelas barbas do profeta”.

Esses diferenciados parceiros matrimoniais (uma sambista, uma cantora de vanguarda e um narrador de futebol) denotam as peculiaridades dos artistas, cuja fusão revelou-se perfeita. Gudin, com sua sólida formação musical e sua paixão pelo samba esmerado encontrou nas letras de Pinheiro um complemento ideal. Por outro lado, a voz aveludada de Márcia serviu como contraponto à rouquidão escrachada de Pinheiro que, por sua vez, confronta a sobriedade de Gudin.

A performance no SESC Pompeia (SP) registrada em CD pela gravadora Velas teve como objetivo homenagear um espetáculo histórico de duas décadas antes, O IMPORTANTE É QUE NOSSA EMOÇÃO SOBREVIVA, realizado pelos mesmos três no palco do Teatro Oficina (SP), em condições históricas opostas. À ocasião, o show teve a conotação de resistência cultural, a começar pelo título, um brado contra a opressão do regime autoritário vigente.

 Apesar de toda essa simbologia, passou incólume pela censura. Pinheiro que era freguês dos censores, enfrentou tantos problemas que criou um modus operandi para lidar com eles. Segundo relata, alguns artistas de massa, pouco visados, tinham suas músicas aprovadas sem grandes dificuldades. Para driblar a censura, o compositor carioca embaralhava suas composições na mesma pasta para confundir a fiscalização. A coisa deve ter funcionado pois foram surpreendentemente liberadas canções como MORDAÇA (“tudo que se assumiu, desandou, tudo que se construiu, desabou, o que faz invencível a ação negativa”) e PESADELO (“você corta um verso eu escrevo outro, você me prende vivo, eu escapo morto”), parceria com Maurício Tapajós.

Esta última, famosa na interpretação do MPB-4, constou na 2ª parte do show, gravada no Teatro Ginástico (RJ) em fevereiro de 1976 com a participação de Guinga ao violão.

Os dois espetáculos foram lançados em diferentes LPs (1975 e 1976), tendo sido reunidos num único CD na série Dois em Um pela EMI, mas o disco tornou-se relíquia.

Grande parte das canções dos shows originais foi revivida no álbum de 1996 que faz também uma releitura de outras parcerias dos dois músicos. São 16 faixas, incluindo um pot-pourri, somando 21 canções, 17 das quais de autoria da dupla.

Destaque para VENENO, a música de maior sucesso do show original (“Dei o manto para quem vai me desnudar e em meu canto abriguei quem vai me expulsar. Eu te dei de beber. No mesmo copo você vai me envenenar”), inconcebível sem a magistral interpretação de Márcia, e DESPERDÍCIO (“meu coração cicatrizou mas nunca mais ficou perfeito, se enclausurou dentro do peito, renunciando a todo amor”).

Aparecem também os hits MAIOR É DEUS, um dos maiores êxitos de Beth Carvalho, E LÁ SE VÃO MEUS ANEIS, samba que deu à dupla o 1º lugar no Festival Universitário de 1971 da TV Tupi, sob a impagável interpretação d’OS ORIGINAIS DO SAMBA, e VERDE (parceria de Gudin com Costa Neto), 3º lugar no Festival dos Festivais da Globo de 1985, defendida pela principiante Leila Pinheiro (eleita cantora revelação do evento).

O título do espetáculo e do álbum, TUDO O QUE MAIS NOS UNIU, bem como o dos 2 shows em que se baseou, O IMPORTANTE É QUE NOSSA EMOÇÃO SOBREVIVA (VOL. 1 E VOL. 2) foram extraídos de MORDAÇA, faixa que finaliza os 3 espetáculos.

Sem o peso e a desesperança, presentes no show original, transcorrido durante a vigência do AI-5, no mesmo ano em que o jornalista Vladimir Herzog fora assassinado nas dependências do DOI-CODI, o novo espetáculo pegou um país democratizado com os artistas e o público mais descontraídos, em que a obra pôde ser apreciada menos por sua conotação política do que pelas qualidades musicais e poéticas de 3 artistas fundamentais da nossa música.

O álbum foi relançado em 2000 pela Dabliú por ocasião dos 50 anos de Gudin. Mas já sumiu do mercado de novo.

Conforme escreve o crítico Zuza Homem de Mello, na contracapa de apresentação do CD, “Essa parceria que fora tão concentrada e se tornou um tanto dispersa ao longa da careira individual de cada um desses dois exuberantes compositores, mostra ser nesse CD, uma das mais felizes, íntegras e destacadas das que foram geradas na terra do samba. Pudera: se Gudin e Paulinho já sabiam o que faziam há 20 anos, que tal agora, já ilustres e mais sábios?”

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Faixas:

1. Santo Dia (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

2. Veneno (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

3. O Cristal E O Marfim (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

4. Velho Casarão (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro) 

5. Arrebentação (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

6. Recado ao Poeta (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

7. Desperdício (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

8. E Lá Se Vão Meus Anéis (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

9. Consideração (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)  

10. Pot-pourri ''Roda De Samba'':

Caso (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Justiça (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Deixa Teu Mal (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Maior É Deus (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

Chorei (Eduardo Gudin/Mauro Duarte/Paulo César Pinheiro)

11. Pensamento (Eduardo Gudin)

12. Mãos Vazias (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

13. A Velhice da Porta-Bandeira (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)

14. Solidão (Paulo César Pinheiro)

15. Refém da Solidão (Baden Powell/Paulo César Pinheiro)

16. Verde (Eduardo Gudin/J. C. Costa Neto) / Mordaça (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro) 



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