Registro
de apresentação ao vivo reunindo dois expoentes do samba, um carioca (Pinheiro)
e um paulistano (Gudin) mais a cantora Márcia.
Pinheiro,
um dos mais profícuos e inspirados letristas, tem trabalhos com Pixinguinha,
João Nogueira, Martinho da Vila, Moacyr Luz, Elton Medeiros, Tom Jobim, Carlos
Lyra, João Donato, Ivan Lins, Edu Lobo, Francis Hime, Dori Caymmi, Joyce, Toquinho,
Lenine, Sivuca, Raphael Rabello, Baden Powell e Egberto Gismonti, além de uma
consagrada parceria, que rendeu mais de 80 composições, com Gudin.
Este
por sua vez tem colaborações com lendários compositores de samba como Nelson
Cavaquinho, Paulinho da Viola, Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini, Hermínio
Bello de Carvalho, Elton Medeiros e Aldir Blanc, além de ter produzido o laureado
disco BETH CARVALHO CANTA O SAMBA DE SÃO PAULO (1994). Com amplo domínio sobre
o violão e sólida formação musical, transitou do samba de raiz à música atonal,
colaborando com Arrigo Barnabé nos álbuns CIDADE OCULTA e TUBARÕES VOADORES.
Completa
o time a também paulistana Márcia, intérprete titular de duas obras primas
atemporais da MPB: RONDA de Paulo Vanzolini e EU E A BRISA de Johnny Alf. Ao
que consta, foi ela que criou a ponte inicial entre os dois compositores, ao
entregar ao carioca uma fita cassete de uma composição do paulista para que
fosse inserida a letra. A partir de então, nasceu uma sólida relação de
parceria à distância que se sustentou ao longo de décadas através de regulares
contatos telefônicos.
Os
três artistas são também conhecidos pelos seus cônjuges notáveis. Pinheiro foi
casado por 8 anos com Clara Nunes até a morte dessa, assinando (em parceria com
Mauro Duarte) sua mais famosa composição, CANTO DAS TRÊS RAÇAS. Gudin, por seu turno,
desposou Vânia Bastos, cantora ligada à vanguarda paulista, em conjunto com a
qual gerou o excelente álbum GUDIN & VÂNIA (1989). Quanto à distinta e
serena Márcia, teve como improvável companheiro por mais de 30 anos, o popular
e desbocado locutor esportivo Sylvio Luís, criador dos bordões “olho no lance”
e “pelas barbas do profeta”.
Esses
diferenciados parceiros matrimoniais (uma sambista, uma cantora de vanguarda e
um narrador de futebol) denotam as peculiaridades dos artistas, cuja fusão revelou-se
perfeita. Gudin, com sua sólida formação musical e sua paixão pelo samba
esmerado encontrou nas letras de Pinheiro um complemento ideal. Por outro lado,
a voz aveludada de Márcia serviu como contraponto à rouquidão escrachada de
Pinheiro que, por sua vez, confronta a sobriedade de Gudin.
A performance
no SESC Pompeia (SP) registrada em CD pela gravadora Velas teve como objetivo homenagear
um espetáculo histórico de duas décadas antes, O IMPORTANTE É QUE NOSSA EMOÇÃO
SOBREVIVA, realizado pelos mesmos três no palco do Teatro Oficina (SP), em
condições históricas opostas. À ocasião, o show teve a conotação de resistência
cultural, a começar pelo título, um brado contra a opressão do regime
autoritário vigente.
Apesar de toda essa simbologia, passou incólume
pela censura. Pinheiro que era freguês dos censores, enfrentou tantos problemas
que criou um modus operandi para lidar com eles. Segundo relata, alguns
artistas de massa, pouco visados, tinham suas músicas aprovadas sem grandes
dificuldades. Para driblar a censura, o compositor carioca embaralhava suas
composições na mesma pasta para confundir a fiscalização. A coisa deve ter
funcionado pois foram surpreendentemente liberadas canções como MORDAÇA (“tudo
que se assumiu, desandou, tudo que se construiu, desabou, o que faz invencível
a ação negativa”) e PESADELO (“você corta um verso eu escrevo outro, você me
prende vivo, eu escapo morto”), parceria com Maurício Tapajós.
Esta
última, famosa na interpretação do MPB-4, constou na 2ª parte do show, gravada
no Teatro Ginástico (RJ) em fevereiro de 1976 com a participação de Guinga ao
violão.
Os
dois espetáculos foram lançados em diferentes LPs (1975 e 1976), tendo sido reunidos
num único CD na série Dois em Um pela EMI, mas o disco tornou-se relíquia.
Grande
parte das canções dos shows originais foi revivida no álbum de 1996 que faz
também uma releitura de outras parcerias dos dois músicos. São 16 faixas,
incluindo um pot-pourri, somando 21 canções, 17 das quais de autoria da dupla.
Destaque
para VENENO, a música de maior sucesso do show original (“Dei o manto para quem
vai me desnudar e em meu canto abriguei quem vai me expulsar. Eu te dei de
beber. No mesmo copo você vai me envenenar”), inconcebível sem a magistral
interpretação de Márcia, e DESPERDÍCIO (“meu coração cicatrizou mas nunca mais
ficou perfeito, se enclausurou dentro do peito, renunciando a todo amor”).
Aparecem
também os hits MAIOR É DEUS, um dos maiores êxitos de Beth Carvalho, E LÁ SE
VÃO MEUS ANEIS, samba que deu à dupla o 1º lugar no Festival Universitário de
1971 da TV Tupi, sob a impagável interpretação d’OS ORIGINAIS DO SAMBA, e VERDE
(parceria de Gudin com Costa Neto), 3º lugar no Festival dos Festivais da Globo
de 1985, defendida pela principiante Leila Pinheiro (eleita cantora revelação
do evento).
O
título do espetáculo e do álbum, TUDO O QUE MAIS NOS UNIU, bem como o dos 2
shows em que se baseou, O IMPORTANTE É QUE NOSSA EMOÇÃO SOBREVIVA (VOL. 1 E
VOL. 2) foram extraídos de MORDAÇA, faixa que finaliza os 3 espetáculos.
Sem o
peso e a desesperança, presentes no show original, transcorrido durante a
vigência do AI-5, no mesmo ano em que o jornalista Vladimir Herzog fora
assassinado nas dependências do DOI-CODI, o novo espetáculo pegou um país democratizado
com os artistas e o público mais descontraídos, em que a obra pôde ser
apreciada menos por sua conotação política do que pelas qualidades musicais e
poéticas de 3 artistas fundamentais da nossa música.
O
álbum foi relançado em 2000 pela Dabliú por ocasião dos 50 anos de Gudin. Mas
já sumiu do mercado de novo.
Conforme
escreve o crítico Zuza Homem de Mello, na contracapa de apresentação do CD, “Essa
parceria que fora tão concentrada e se tornou um tanto dispersa ao longa da
careira individual de cada um desses dois exuberantes compositores, mostra ser
nesse CD, uma das mais felizes, íntegras e destacadas das que foram geradas na
terra do samba. Pudera: se Gudin e Paulinho já sabiam o que faziam há 20 anos,
que tal agora, já ilustres e mais sábios?”
.
Faixas:
1. Santo Dia
(Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
2. Veneno
(Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
3. O Cristal E O
Marfim (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
4. Velho Casarão
(Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
5. Arrebentação (Eduardo
Gudin/Paulo César Pinheiro)
6. Recado ao
Poeta (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
7. Desperdício
(Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
8. E Lá Se Vão
Meus Anéis (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
9. Consideração
(Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
10. Pot-pourri
''Roda De Samba'':
Caso (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
Justiça (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
Deixa Teu Mal (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
Maior É Deus (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
Chorei (Eduardo Gudin/Mauro Duarte/Paulo César Pinheiro)
11. Pensamento
(Eduardo Gudin)
12. Mãos Vazias
(Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
13. A Velhice da
Porta-Bandeira (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
14. Solidão
(Paulo César Pinheiro)
15. Refém da
Solidão (Baden Powell/Paulo César Pinheiro)
16. Verde
(Eduardo Gudin/J. C. Costa Neto) / Mordaça (Eduardo Gudin/Paulo César Pinheiro)
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