Gênio
incompreendido, marginal da MPB, pós-tropicalista que rompeu com o movimento
por julgá-lo comercial demais, Jards Macalé é o protótipo do
“maldito” em nossa cena musical, rótulos que viria a rejeitar, julgando-se
apenas um “músico que ama o Brasil e ser brasileiro”.
Presente
em momentos cruciais das carreiras de Caetano Veloso (foi produtor de TRANSA,
tido por muitos como o melhor disco do artista baiano), Gal (foi autor, ao lado
de Waly Salomão, de VAPOR BARATO, uma das principais faixas do icônico álbum
FA-TAL), Bethânia (que regravou sua composição MOVIMENTO DOS BARCOS em três
ocasiões diferentes, sempre em álbuns ao vivo), teve turbulenta participação em
festivais com a polêmica GOTHAM CITY (parceria com Capinam e arranjos de
Rogério Duprat).
Não
foram poucos seus embates com a censura, visado sobretudo por seu projeto O
BANQUETE DOS MENDIGOS, show lançado em LP duplo em 1973 em comemoração aos 25
anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (com a participação de
inúmeros nomes de relevo da MPB).
Em
meio à sua inconstante discografia, CONTRASTES até que não se saiu mal para o
padrão anticomercial do músico, conseguindo vender algumas dezenas de milhares
de LPs, talvez por ter sido lançado pela Som Livre, gravadora ligada à Globo, que
disponibilizou apreciável aparato de apoio e até encaixou uma faixa em trilha
de novela.
Os ditos
‘contrastes’ se revelam no repertório em que o humor de composições vanguardistas
(CACHORRO BABUCHO de Walter Franco) convive com o de outras tradicionais (PASSARINHO
DO RELÓGIO de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira). No sotaque nordestino do
baião “SIM E NÃO (que lhe valeu até uma prisão e posteriormente proibição de
execução da canção devido a seu teor sexual) frente ao escracho à la Louis
Armstrong da jazzística BLACK AND BLUE.
CONTRASTES
é também o título da faixa que puxou o disco com o refrão “quanto mais longe do
circo mais eu encontro palhaço”, de autoria do sambista Ismael Silva, por quem
Macalé nutre reverenciosa admiração.
As notáveis
participações vão de Gilberto Gil a Marlui Miranda, de Dominguinhos a Jackson
do Pandeiro; do maestro Júlio Medaglia ao maestro Severino Araújo e sua
Orquestra Tabajara; do Grupo Bendengó (de Gereba e Capenga) à patota do Som
Imaginário (Wagner Tiso, Robertinho Silva, Luiz Alves). Sem contar o time de primeira
linha de instrumentistas integrado por Djalma Corrêa, Paulo Moura, Nivaldo
Ornellas, Altamiro Carrilho, Laércio de Freitas, Tomás Improta, Paulinho Braga e
muito mais.
Paralelamente
ao lançamento de um box do artista pelo selo Discobertas, a Som Livre relançou
CONTRASTES (já houvera uma edição em 2003 pela Dubas), tendo-se dessa vez inserido
2 faixas bônus.
A polêmica
em torno da capa do disco é história à parte. Na foto original do LP, Macalé
aparece beijando a então namorada, Ana Miranda, envoltos numa samambaia. Na
edição de 2003, a imagem não pôde ser utilizada, pois Ana desautorizou a
reprodução, resultando numa esdrúxula mutilação de sua figura da foto que
descaracterizou a ideia original de ‘contrastes’ do casal (moreno com branca). No
último relançamento pela Som Livre, a ilustração da capa restringiu-se à prosaica
samambaia verde, sumindo de vez os amantes e os contrastes.
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Faixas:
1. Contrastes (Ismael Silva)
2. Sem Essa (Jards Macalé/Duda)
3. Poema Da Rosa (Bertold
Brecht/Jards Macalé) (Música de Jards Macalé - Tradução de Augusto Boal da peça
de Brecht “Mãe coragem”)
4. Black And Blue (Thomas
Waller/Andy Razaf/Harry Brooks)
5. Sim Ou Não (Geraldo Gomes Mourão)
6. Conto do Pintor (Miguel Gustavo)
7. Negra Melodia (Jards Macalé/Waly
Salomão)
8. Choro de Archanjo (Jards Macalé)
9. Cachorro Babucho (Walter Franco)
- Participação: Marlui Miranda
10. Garoto (Jards Macalé)
11. Passarinho do Relógio (Cuco)
(Haroldo Lobo/Milton de Oliveira)
12. No Meio do Mato (Jards Macalé)