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25 de nov. de 2022

ERASMO CARLOS (1967)

O quarto álbum da carreira de Erasmo ficou meio esquecido em meio à discografia do roqueiro, talvez por guardar a triste sina de ter sido concebido no período em que o Tremendão estava de relações cortadas com seu eterno parceiro Roberto Carlos. Por conseguinte, não traz nenhuma faixa de autoria da dupla Roberto & Erasmo, a mais profícua parceria da história da música brasileira (por alguns considerada a equivalente tupiniquim da dobradinha Lennon & McCartney), responsável por um número infindável de canções do repertório de ambos que fizeram história. O rompimento das relações com o Brasa durou mais ou menos um ano e é detalhado no filme biográfico MINHA FAMA DE MAU de 2019.

Pra piorar, Erasmo vinha de uma situação de desgaste por ter sido indiciado juntamente com Eduardo Araújo por prática de sexo com duas adolescentes numa ‘festa de arromba’, acusação da qual, embora absolvido, reforçou negativamente sua ‘fama de mau’.

Erasmo vinha de uma fase afortunada, tendo emplacado hits como FESTA DE ARROMBA, GATINHA MANHOSA, A CARTA, O TREMENDÃO e PODE VIR QUENTE QUE EU ESTOU FERVENDO, presentes nos 3 primeiros discos. Mas agora a Jovem Guarda mostrava sinais de esgotamento e o programa da TV Record que reunia a patota ligada ao gênero vivia seu ocaso, frente às novas tendências da música brasileira (tropicalismo, músicas de protesto, festivais etc.).

O álbum sem título de 1967 parecia ser o derradeiro suspiro no movimento. A própria capa transparecia essa mudança com Erasmo posando com ar solene, cabelo alinhado e trajes distintos com uma garbosa gola rolê, que em nada lembrava a postura irreverente dos tempos áureos do iê-iê-iê.

Mas a Jovem Guarda ainda se fez presente no álbum, com seus temas românticos banais em duas composições de Erasmo. Há participação de músicas de Carlos Imperial e Martinha.

Mas já há sinais de flertes com o samba-rock e a MPB como no improvável clássico NÃO ME DIGA ADEUS (Paquito, Luís Soberano e João Correia da Silva), do repertório de Aracy de Almeida, Hebe Camargo, Elza Soares e Nara Leão.

Nos discos seguintes, Erasmo aprofundaria essa busca de novos rumos, especialmente no álbum de 1970 (com canções emblemáticas como COQUEIRO VERDE e SENTADO À BEIRA DO CAMINHO além da presença de composições de Caetano, Ary Barroso e Antônio Adolfo).

Outro destaque do disco de 1967 é CARAMELO, versão do mega-hit MELLOW YELLOW. Os versos transladados para português por Roberto Carlos, sua solitária contribuição ao álbum, fazem referência ao sabor de um beijo, bem diferente do original do cantor folk escocês Donovan que, especula-se, seria sobre uma droga alucinógena derivada de uma casca de banana. 

Mas a cereja do bolo é, sem dúvida, CADERNINHO que, embora frequentemente atribuída a Erasmo, é na verdade uma composição de Alemão, codinome do guitarrista Olmir Stocker, que posteriormente iria se consagrar como um dos mais conceituados nomes da música instrumental nacional, tendo integrado grupos de primeira como Brazilian Octopus (ao lado de Lanny Gordin e Hermeto) e Medusa (em substituição a Heraldo do Monte). Ao que consta, Alemão aderiu à Jovem Guarda por razões comerciais. O músico teve participação expressiva no álbum assinando quatro faixas. CADERNINHO certamente foi a canção que mais lhe rendeu direitos autorais. O compacto com a canção fez estrondoso sucesso, figurando entre os mais vendidos do ano. O êxito deveu-se ao delicioso arranjo inspirado na estética dançante, embalado por palmas, característica de Chris Montez, que estourara mundialmente com “The More I See You” alguns meses antes.

Wilson Simonal que anteviu semelhanças com o ‘som de pilantragem’, de que era seu representante máximo, manifestou interesse em interpretar a canção em primeira mão. A preferência por Erasmo deveu-se à interferência de Wanderléa junto a Alemão, de quem era muito próxima, tendo-o inclusive convidado a integrar sua banda de apoio, Os Wandecos.

Além de Alemão, o álbum contou com a preciosa colaboração do trombonista Raul de Souza e do Som Três de César Camargo Mariano. Contou ainda com o suporte dos grupos jovem-guardistas Fevers e Wandecos.

Esse subestimado álbum pertence ao catálogo da RGE, que bancou o ingresso de Erasmo no estrelato, porém a gravadora jamais o lançou em CD. Tendo assumido o catálogo da RGE, a BMG, recuperou-o como parte do box TREMENDÃO que contém os seis primeiros álbuns de Erasmo, remasterizados e com fichas técnicas. Ganhou ainda duas faixas bônus: uma versão estendida de CADERNINHO mais a canção CAPOEIRADA de sua autoria, uma rara participação de Erasmo em festivais (III Festival de MPB da TV Record), desclassificada na fase eliminatória do evento, vencido por Edu Lobo com “Ponteio”.

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Faixas:

1.      Cara Feia Pra Mim É Fome (Olmir Stocker ''Alemão''/Vicente de Paula Salvia)

2.      O Ajudante do Kaiser (I Was Kaiser Bill's Batman) (Roger Cook/Roger Greenaway/Vrs. Fred Jorge)

3.      Neném, Corta Essa (Erasmo Carlos)

4.      Só Sonho Quando Penso Que Você Sente o Que Eu Sinto (Martinha)

5.      O Caderninho (Olmir Stocker ''Alemão'')

6.      Larguem Meu Pé (Erasmo Carlos)

7.      Caramelo (Mellow Yellow) (Donovan Leitch/Vrs. Roberto Carlos)

8.      Saidinha e Assanhada (Vicente de Paula Salvia)

9.      Quase Perdi Seu Amor (Olmir Stocker ''Alemão''/Newton de Siqueira Campos)

10.  Brotinho Sem Juízo (Carlos Imperial)

11.  A Garotinha da Estação (Newton de Siqueira Campos/Olmir Stocker ''Alemão'')

12.  Não Me Diga Adeus (Paquito/Luis Soberano/João Correia da Silva)




9 de nov. de 2022

GAL COSTA - GAL (1969)


Nem Caetano, nem Gil. Esse disco de Gal de 1969, é possivelmente o álbum mais radicalmente tropicalista de toda a história da MPB.

A cantora explodira há pouco como uma das grandes vozes da nossa música com seu primeiro álbum solo (aquele que continha DIVINO MARAVILHOSO, BABY, QUE PENA, SE VOCÊ PENSA e NÃO IDENTIFICADO), lançado alguns meses antes.

Rompeu de vez, a partir desse álbum seu segundo álbum solo, sem título (apelidado de  CINEMA OLYMPIA, a faixa de abertura, para evitar confusões com o primeiro álbum, também sem título, do mesmo ano) com o tom bossanovista adotado do início de sua carreira de Maria de Graça e soltou sem dó a sua portentosa e maravilhosa voz, assumindo uma postura hippie/psicodélica sob influência de Janis Joplin, a começar pela capa multicolorida, elaborada pelo artista plástico baiano Dicinho, sua obra mais arrojada.

Tendo ao fundo o baixo e a guitarra do mítico Lanny Gordin, Gal não poupou distorções, uivos e atonalidades, algo que expurgou totalmente de seus trabalhos posteriores. Foi o experimentalismo levado a suas últimas consequências.

A prova é a música MEU NOME É GAL (composta especialmente para ela pela dupla Roberto e Erasmo Carlos). Em meio a viagens sonoras, Gal elenca seus maiores ídolos musicais (“o pessoal da pesada”) e recita sua profissão de fé “Se um dia eu tiver alguém com bastante amor pra me dar, não precisa sobrenome pois é o amor que faz o homem”. A canção seria regravada com um arranjo bem mais comportado dez anos depois no álbum GAL TROPICAL, onde as estrepolias da gravação original foram abolidas.

O álbum traz também PAÍS TROPICAL de Jorge Ben com a participação de Caetano e Gil, que recebeu uma roupagem bem mais interessante do que a gravação de Simonal que a consagrou. De Ben, outra pérola, a então inédita TUAREG, em que o compositor carioca mescla seus interesses pelo exotismo da cultura oriental, com seu incomparável suíngue, homenageando, sob uma atmosfera sonora árabe, o guerreiro da tribo do deserto.

Jards Macalé participa com seu violão em THE EMPTY BOAT, canção de Caetano Veloso, faixa presente também em seu álbum branco lançado concomitantemente ao de Gal.

A obra foi produzida por Manoel Barembein e recebeu arranjos e direção musical do maestro Rogério Duprat, dois nomes emblemáticos do tropicalismo, que estiveram por trás também do disco coletivo TROPICÁLIA OU PANIS ET CIRCENCIS (o mais importante manifesto do movimento tropicalista) que teve também a indispensável participação da cantora baiana.

Lançado pela Philips (atual Universal), saiu também em CD mas está fora de catálogo.

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Faixas:

1. "Cinema Olympia" Caetano Veloso 3:09

2. "Tuareg" Jorge Ben 3:25

3. "Cultura e Civilização" Gilberto Gil 4:21

4. "País Tropical" Jorge Ben (featuring Caetano Veloso, Gilberto Gil) 3:49

5. "Meu Nome é Gal" Roberto Carlos, Erasmo Carlos 3:26

6. "Com Medo, Com Pedro" Gilberto Gil 3:07

7. "The Empty Boat" Caetano Veloso (featuring Jards Macalé) 4:07

8. "Objeto Sim, Objeto Não" Gilberto Gil 5:10

9. "Pulsars e Quasars" Jards Macalé, Capinam 4:58


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