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10 de out. de 2021

JANE DUBOC E SEBASTIÃO TAPAJÓS – DA MINHA TERRA (1998)

 

Esquecido por críticos musicais, o Pará é um fecundo celeiro de ritmos dançantes. Foi lá, por exemplo, que surgiram a lambada e o “tecnobrega”, estilos que mesclaram ingredientes caribenhos e batidas eletrônicas aos sons nativos tradicionais (como o carimbó) e se espalharam pelo resto do país e para o exterior.  

Mas a presença do Pará no cenário nacional vai muito além desses efervescentes gêneros populares. Na seara da MPB, a capital, Belém, foi berço de três grandes intérpretes femininas que nunca deixaram de reverenciar suas origens: Fafá de Belém, Leila Pinheiro e Jane Duboc. 

O caso de Jane é singular dado o impressionante ecletismo que marcou sua trajetória. Começou sua carreira cantando em inglês, produzida por Raul Seixas. Seus dotes vocais impressionaram Egberto Gismonti, nascendo aí uma sólida parceria artística. Em 1983, integrou o grupo progressivo Bacamarte no elogiado álbum DEPOIS DO FIM. Teve forte ligação com o pessoal de Minas, especialmente Toninho Horta como em “Manual o Audaz” e Flávio Venturini como em “Besame”, dois de seus maiores êxitos. Dividiu álbuns com o renomado saxofonista americano Gerry Mulligan (PARAÍSO 1993) e com a veterana Zezé Gonzaga (CLÁSSICAS, 1999). Abriu uma brecha para canções românticas de alcance popular que ingressaram em trilhas de novelas. E ainda se dedicou ao público infantil. Antes mesmo de seu primeiro disco solo (o aclamado LANGUIDEZ de 1981), gravara o álbum ACALANTOS BRASILEIROS, tendo também participado durante essa fase inicial (em que assinava como Jane Vaquer), da coletânea MÚSICA POPULAR DO NORTE, ambos pelo selo cultural Marcus Pereira, o que revelava desde cedo seu empenho em divulgar a música oriunda de seu estado natal.

Essa vocação impulsionou-a a colocar em prática o projeto com o violonista Sebastião Pena Marcião, outro que nutre veneração pelas suas raízes paraenses, a começar pelo nome artístico que adotou, Sebastião Tapajós, homenageando o rio que banha Santarém, cidade próxima ao local onde nasceu (dentro de um barco ao que consta) e onde viria a falecer em 02/10/2021.

Tido como um dos mais exímios do mundo em sua categoria, Tapajós atuou ao lado de expoentes do jazz como Oscar Peterson, Gerry Mulligan, Astor Piazzola e Paquito d´Rivera além da nata da música instrumental nacional (Hermeto, Zimbo Trio, Baden Powell, Waldir Azevedo, Paulo Moura, Sivuca etc.). Tem mais de 50 álbuns gravados, difíceis de serem hoje obtidos, muitos deles independentes, disponíveis somente em vinil ou lançados apenas no exterior. É bastante cultuado na Alemanha e também na Argentina (país que editou nada menos do que 8 de seus álbuns, nos anos 70). Mas sua arte sempre esteve ligada a suas raízes amazônicas.

DA MINHA TERRA une a voz melodiosa de Duboc à exuberância técnica de Tapajós na execução de um repertório voltado para divulgar compositores que, pouco conhecidos no resto do país, são verdadeiras lendas naquele estado, como Waldemar Henrique, Nilson Chaves, Vital Lima e a dupla (pai e filho) Ruy Barata & Paulo André Barata. Esses últimos são autores da canção que consagrou Fafá de Belém, “Foi Assim” (não confundir com o hit homônimo da “ternurinha” Wanderléa). Tem também Billy Blanco, o único que furou a bolha e adquiriu projeção nacional graças a seu envolvimento com a bossa nova.

O disco, bancado pela pequena gravadora JAM (fundada pela própria cantora), é um trabalho de primeira com temas singelos e tocantes, executados com arranjo enxuto para realçar a doce voz de Jane.

No restrito mas qualificado time de acompanhantes, Arismar Espírito Santo no baixo e guitarra, Robertinho Silva na bateria e Proveta (líder da gloriosa Banda Mantiqueira) nos sopros. A registrar a ilustre participação de Altamiro Carrilho em “A Flauta” e a dupla presença de Dominguinhos: no melancólico acordeon de “Luz do Lampião” e em dueto vocal em “Tempo e Destino”.

Em meio às pérolas do cancioneiro paraense, sobressaem-se duas faixas instrumentais compostas por Tapajós: “Igapó” e “Barueri”. Nem mesmo nelas ficamos privados da presença de Jane que usa suas virtudes vocais como um instrumento a dialogar com o violão vigoroso e percussivo do músico.

Como resume o maestro Júlio Medalha na apresentação do CD, “Não se trata de fazer média com o folclore. São músicos realizados que juntaram seus talentos mostrando que a matéria prima brasileira pode nos oferecer um produto cultural criativo e sofisticado. O resultado é soberano”.

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Faixas:

1 . Da Minha Terra (Nilson Chaves/Jamil Damous)

2 . Uirapuru (Waldemar Henrique)

3 . Igapó (Sebastião Tapajós)

4 . Roda Do Bem Querer (Alfredo Oliveira)

5 . Cabocla Bonita (Tradicional)

6 . Luz de Lampião (Nilson Chaves/João Gomes)

7 . Boi-bumbá (Waldemar Henrique)

8 . A Flauta (Sebastião Tapajós/Billy Blanco)

9 . Azulão (Jaime Ovalle/Manuel Bandeira)

10 . Indauê Tupã (Paulo André Barata/Ruy Barata)

11 . Pergunte O Que Quiser (Galdino Penna)

12 . Tempo E Destino (Nilson Chaves/Vital Lima)

13 . Tambor De Coro (Ronaldo Silva)

14 . Tempo De Amar (Campos Ribeiro)

15 . Bom Dia Belém (Edyr Proença/Adalcinda Camarão)

16 . Barueri (Sebastião Tapajós)

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