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31 de mai. de 2021

NÉLSON SARGENTO – ENCANTO DA PAISAGEM (1986)

 

Que influência poderia ter um cozinheiro japonês sobre a carreira de um relegado sambista da velha guarda da Mangueira? Muita mesmo. Não fosse pela iniciativa de Katsunori Tanaka, grande parte da obra de Nelson Sargento nem teria vindo a público.

O interesse do País do Sol Nascente pela Bossa Nova não é segredo. Por lá, LPs do gênero são disputados e alcançam preços estratosféricos. O samba, todavia, ainda que admirado, não tem o mesmo status.

Todavia, foi escutando um disco de samba de Cartola comprado num sebo em Tóquio, que Tanaka apaixonou-se pelo gênero. Já exercendo o ofício de jornalista, veio ao Brasil sem sequer saber falar português e se embrenhou pelos morros cariocas para se aprofundar no tema. Movido mais pelo anseio de divulgar o ritmo que o cativara do que por interesses financeiros, converteu-se em produtor musical e difusor do samba. Por suas mãos, uma série de preciosidades do gênero chegou ao mercado japonês, sem ter sido lançada por aqui.

Como exemplo, para ficar em Nelson Sargento, seu álbum HISTÓRIA E PAISAGEM, gravado ao vivo no Japão, teve distribuição restrita por lá. Nelson tornou-se também cultuado no país, várias vezes por lá se apresentando. Na retaguarda, a seguinte trupe de músicos convertidos ao samba: Michiwo Tashima, Yoichi Okabe, Yutaka Yoshida e Mitsuru do Cavaco.

ENCANTO DA PAISAGEM, apesar de ser produzido no Brasil exclusivamente com músicos brasileiros, também tem o dedo de Tanaka. Ele conseguiu que o selo independente carioca KUARUP assumisse a obra, reunindo um time de primeira para dar suporte ao projeto: Elton Medeiros, Raphael Rabello, Marçal, Marcos Suzano, Paulo Sérgio Santos, Luís Otávio Braga, Oscar Bolão e os irmãos Beto e Henrique Cazes, dupla com quem o japa sambista já tinha amizade.

Nelson Mattos que passou a ser “Sargento” ao atingir essa patente em passagem pelo exército, embora já viesse compondo sambas-enredos para a Mangueira além de ter integrado os históricos grupos Voz do Morro e Os Cinco Crioulos, só aos 55 anos chegou ao primeiro disco solo. O álbum SONHO DE UM SAMBISTA (1979), apesar da produção modesta proporcionada pela gravadora paulista Eldorado, possui grande valor histórico por conter sambas já consagrados. Nele, o registro do maior sucesso de sua carreira, o hino “Agoniza mas não Morre”, gravado um ano antes por Beth Carvalho no álbum DE PÉ NO CHÃO.

Aparecem ainda “Falso Amor Sincero” (com os inspirados versos “o nosso amor é tão bonito, ela finge que me ama e eu finjo que acredito”) e “Primavera”, também conhecida como “Cântico à Natureza”, parceria com seu padrasto Alfredo Português para um desfile da Mangueira. Originalmente interpretada por Jamelão na década de 50, é tida pelos ‘sambólogos’ como um dos mais belos exemplares do gênero. Ficou mais conhecida após uma versão ao vivo em dueto com Chico César para o álbum CASA DE SAMBA 3.

Nélson integra uma geração lendária de grandes nomes do samba que inclui Nelson Cavaquinho, Elton Medeiros, Cyro Monteiro, Zé Kéti e Cartola (com quem atuou). Através do elogiado álbum SÓ CARTOLA (1998) dividido com Elton Medeiros (com quem Cartola também teve parcerias) e com o grupo carioca Galo Preto, prestou homenagem ao mestre. “Cartola não existiu, foi um sonho que a gente teve”, proferiu.

ENCANTO DA PAISAGEM foi o segundo álbum solo de Nelson, sete anos após o primeiro, e difere do anterior por conter, em sua maioria, sambas inéditos. A ilustração da capa é do próprio Sargento. De pintor de paredes evoluiu para as galerias de arte, além de ser escritor (com livros publicados) e ator (protagonizou películas de Walter Salles e Cacá Diegues).

Entre as pérolas aí contidas, a faixa que dá nome ao álbum (que teve uma interpretação também de Zeca Pagodinho), a regravação de “Agoniza mas não Morre” em dueto com Beth Carvalho e a hilária “Idioma Esquisito”. Essa última recebeu posteriormente uma versão swingada da cantora Daúde no seu álbum 2002. Em uma das suas últimas entrevistas, Nélson afirmou que gostaria de ser lembrado por essa música. Tanaka deve estar se sentindo recompensado.

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FAIXAS:

1. Encanto da Paisagem (Nelson Sargento)

2. Homenagem ao Mestre Cartola (Nelson Sargento)

3. Vim lhe Pedir (Nelson Sargento/Cartola)

4. Vai Dizer a Ela (Nelson Sargento)

5. De Boteco em Boteco (Nelson Sargento)

6. Idioma Esquisito (Nelson Sargento)

7. Só Voltarei (Nelson Sargento)

8. Mar de Lágrimas (Nelson Sargento/Guilherme de Brito)

9. Prometo Ser Fiel (Nelson Sargento)

10. A Felicidade se Foi (Nelson Sargento)- Participação: Cláudia Savaget

11. Amante Vadio (Nelson Sargento/Zé Luiz)

12. Agoniza mas não Morre (Nelson Sargento) - Participação: Beth Carvalho

25 de mai. de 2021

TECA & RICARDO - POVO DAQUI (1980)

 

A cultura do Brasil tem um débito impagável para com esses dois artistas, cujo sucesso, por ironia, aconteceu na Europa.

Ela, Teresinha João Calazans, capixaba e criada no Recife mergulhou fundo no folclore do Nordeste. Atriz e pesquisadora da cultura popular, trabalhou com Geraldo Azevedo mas acabou deixando o país. Ele, Ricardo Vilas Boas, carioca, componente do histórico grupo Momento Quatro, ao lado de Zé Rodrix, Maurício Maestro e David Tygel (quem não lembra do acompanhamento para “Ponteio” com Edu Lobo, vencedora do festival da MPB da Record de 1967?). Ativista social, acabou preso por razões políticas durante a ditadura e exilou-se no exterior.

Em 1970, os dois músicos, que não se conheciam, uniram seus talentos em Paris, onde encontraram um ambiente fértil e um público ávido por ritmos exóticos. Gravaram na década de 70 nada menos do que cinco discos na França, difundindo sobretudo sons folclóricos da sua terra natal e mostrando que a criação musical do Brasil ia muito além do samba e do axé. Ainda que gravados no exterior, contaram com a participação de músicos brasileiros de renome como Naná Vasconcelos, Novelli, Nélson Ângelo, Fernando Martins e Coaty de Oliveira.

De volta ao Brasil, lançaram dois LPs (os únicos por aqui): POVO DAQUI de 1980 e EU NÃO SOU DOIS de 1981, ambos pelo selo Odeon. Embora não tivessem alcançado o merecido sucesso, os álbuns não deixaram de ter certa repercussão. Algumas faixas chegaram a aportar nas boas emissoras de rádio. “Gabriel” do segundo disco e “Aguaceiro” do primeiro (com a inconfundível harmônica de Sivuca), as canções de maior sucesso, foram lançadas em compacto simples, sendo que “Aguaceiro” trazia no lado B “Caicó” (“ó mana, deixa eu ir, ó mana eu vou só, ó mana deixa eu ir para o sertão de Caicó”), cantiga recolhida do folclore por Teca. Essa adaptação viria a se tornar bastante conhecida na brilhante interpretação de Milton Nascimento, em seu disco SENTINELA do mesmo ano.

Também soarão familiares “Povo Daqui”, “Ciranda da Lua no Mar” e “Velha Amizade”, que contou com o backing vocal de um conjunto cuja carreira começava a despontar, um tal de Boca Livre, cujos integrantes Tygel e Maurício foram companheiros de Ricardo no Momento Quatro.

Mas POVO DAQUI vai bem além desses temas mais famosos. É um belíssimo trabalho autoral que mescla MPB, ritmos populares e letras com forte conteúdo social. Contou com o suporte de renomados músicos. Além dos acima referidos, Nélson Ângelo, Antônio Adolfo, Novelli, Mauro Senise, Robertinho Silva, Luís Alves, Toninho Horta e a regência do maestro Guerra Peixe.

Depois disso, a dupla se desfez, mas os artistas construíram uma extensa discografia solo, boa parte da qual, disponível apenas no exterior, sobretudo em território francês, onde já eram nomes consagrados.

Teca Calazans gravou diversos álbuns de primeiríssima qualidade, com destaque a trabalhos divididos com Heraldo do Monte e Baden Powell além de um histórico registro ao vivo ao lado de Elomar, Xangai, Renato Teixeira e Pena Branca (CANTORIA BRASILEIRA). Destacam-se também trabalhos de resgate à obra de grandes nomes da cultura nacional como Villa Lobos, Mário de Andrade e Pixinguinha, ritmos regionais e temas infantis.

Ricardo Vilas que, ao retornar, retomou a militância política, filiando-se ao PT, lançou diversos álbuns (a maior parte inédita no Brasil). Seu mais recente trabalho, CANTO DE LIBERDADE (2018), celebra famosos temas de resistência ao regime militar, além de canções autorais.

Mas a produção da dupla Teca & Ricardo deixou saudade. Difícil aceitar que o público francês foi quem mais pôde apreciar os frutos. Além dos cinco primeiros álbuns, teve lançada naquele país a coletânea BEST OF (1996). Nenhuma dessas obras mereceu uma edição nacional.

Quanto aos dois únicos trabalhos da dupla por aqui, não obstante a qualidade musical, a esmerada produção e o nível dos acompanhantes, não foram sequer lançados em CD pela EMI.

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Faixas:

 

1. Ciranda da Lua no Mar [Teca Calazans/Ricardo Vilas]

2. Estrela da Canção [Ricardo Vilas]

3. Aguaceiro [Teca Calazans/Ricardo Vilas]

4. Triste Tropical [Ricardo Vilas]

5. Imagem Moderna [Ricardo Vilas]

6. Minoria [Ricardo Vilas]

7. Povo Daqui [Teca Calazans]

8. Velha Amizade (Participação Especial: Boca Livre) [Ricardo Vilas]

9. Desafio [Ricardo Vilas]

10. As Flores Deste Jardim [Ricardo Vilas]

11. Caicó [Tradicional - Adaptação: Teca Calazans]

11 de mai. de 2021

CASSIANO – COLEÇÃO (2000)

 

Pode-se afirmar que a importância de Cassiano para a música nacional equivale à de Marvin Gaye para a norte-americana. Ou, como propõe Ed Motta, creditá-lo como nosso Stevie Wonder. Outros preferem associá-lo a Otis Redding, Sam Cooke ou Isaac Hayes. Deixando de lado tais paralelismos, sempre imprecisos, o certo é que Genival Cassiano, ou apenas Cassiano como era conhecido, teve uma trajetória bastante particular no universo da música brasileira.

Ainda que não tenha explodido comercialmente, sua relevância musical, associada à sua personalidade esquiva, elevou-o à condição de mito. Sua impressionante musicalidade, a voz contida e a interpretação cool (em oposição às performances retumbantes e emotivas de Tim Maia), herdadas de sua formação bossanovista (era fã de João Gilberto), fizeram com que ele não alcançasse a merecida repercussão pública. A escassa produção, o enorme tempo de recolhimento e o temperamento retraído afastaram-no dos holofotes, apesar de ser cultuado por uma legião de artistas dos mais diversos gêneros. Regravaram seus hits, dentre outros, representantes da MPB como Gil, do axé como Ivete Sangalo, do samba como Alcione, do pagode como o grupo Pixote e até do rap. As reiteradas menções de Mano Brown dos Racionais despertaram a admiração de uma nova safra de ouvintes que hoje acorre a suas obras com interesse.

O fato é que, antes de se firmar como expoente da música negra, Cassiano foi nos anos 60 violonista do grupo Bossa Trio que misturava bossa nova com samba-jazz ou ‘sambalanço’, com um toque de Rhythm & Blues. O conjunto foi o embrião d’Os Diagonais, grupo basilar para explicar o florescimento da black music, tendo gravado dois álbuns em que misturava de forma pioneira samba e funk, e que contou também com a presença de Hyldon.

Juntamente com Tim Maia e Hyldon, Cassiano formou a trindade do funk raiz e do brazilian soul, gêneros musicais que viveram seus tempos de glória nos profícuos anos 70, concomitantemente com o apogeu do rock, do tropicalismo e da fase áurea da MPB.

A coletânea VELHOS CAMARADAS, lançada nos anos 90 pela Universal, resgatou para as novas gerações a nata do trabalho desses três pilares da black music, reunindo os hits expressivos de cada um. O álbum alcançou tamanho êxito que ensejou a edição de um volume 2.

A trajetória de Tim Maia se confunde com a de Cassiano e não é exagero a este creditar grande parte do sucesso do ‘síndico’. Basta constatar que o aclamado álbum de estreia de Tim, de 1970, reconhecido como um dos mais relevantes da MPB, contém, dentre suas 12 faixas, nada menos do que 4 composições de Cassiano. São de sua autoria “Você Fingiu”, os mega-hits “Primavera” e “Eu Amo Você” e uma inusitada mescla de soul com baião, “Padre Cícero” (curiosamente rebatizada como “João Coragem” para ingressar na trilha da novela Irmãos Coragem). Além disso, Cassiano participou com a guitarra e os backing vocals ao lado dos companheiros d’Os Diagonais.

Na esteira da bem sucedida parceria com Tim Maia, Cassiano lançou pela RCA seu primeiro álbum solo, IMAGEM E SOM (1971), com a versão do autor para o clássico “Primavera”.

Seguiu-se o surpreendente álbum APRESENTAMOS NOSSO CASSIANO (1973), tido como uma aventura experimental e anticomercial, com toques de psicodelia e até rock progressivo. Um álbum arrojado com ricas orquestrações e melodias elaboradas (como na faixa “A Casa de Pedra”), que arrancou elogios dos críticos mas afastou o artista do grande público.

O êxito comercial viria com CUBAN SOUL em 1976, lançado pela Sony, que contém suas mais conhecidas interpretações, “A Lua e Eu” e “Coleção”, ambas parcerias com Paulo Zdanowski. Essas baladas bombaram após figurarem nas trilhas das novelas globais O Grito e Locomotivas respectivamente.

Esses três álbuns tornaram-se relíquias, disputadas nos sebos a preços exorbitantes, sendo que CUBAN SOUL foi reeditado recentemente pela Polysom, na série Clássicos em Vinil.

 Essa discografia enxuta justifica-se pelo fato de o músico ter sofrido uma tuberculose, tendo retirado um dos pulmões, o que comprometeu a qualidade de suas interpretações. Devido a isso, um novo trabalho, em fase de conclusão, foi abortado pela SONY (CBS à época) que ponderou em sua decisão as limitações vocais do cantor, associadas ao fato de sua pouca receptividade junto ao público, insuficiente para render retorno financeiro ao empreendimento. Depois disso, Cassiano mergulhou num ostracismo o que lhe valeu a fama de recluso.

Ainda que com tais restrições, um 4º trabalho haveria de ser lançado pela mesma gravadora depois de 15 anos de afastamento: CEDO OU TARDE (1991) reunindo quase que exclusivamente remakes de seus maiores sucessos. O álbum contou com as ilustres participações de Marisa Monte, Djavan, Luiz Melodia, Ed Motta, Sandra de Sá, Cláudio Zoli e Karla Sabah. Apesar da produção esmerada e da bela e interessante capa, que remete aos clássicos do blues americano, o resultado não agradou Cassiano e não emplacou comercialmente.

Quanto a COLEÇÃO lançado em 2000, consiste, na verdade, em uma compilação das faixas mais representativas dos 3 primeiros álbuns, sendo que a seleção do repertório coube ao gabaritado discípulo Ed Motta que estranhamente deixou “Primavera” de fora, (seria por razões de direitos autorais?). O projeto foge pois ao padrão comum de coletâneas caça-níqueis lançadas pelas gravadoras com critérios meramente mercadológicos. Trata-se de um trabalho de excelência encomendado pelo exigente selo Dubas, sob a supervisão do compositor Ronaldo Bastos. O resultado é um painel representativo para conhecer o trabalho do grande músico paraibano. Para quem preferir mergulhar com tudo na obra do artista, a melhor alternativa mesmo é arrematar os demais álbuns, todos felizmente disponíveis em CD.

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Faixas:

1. Coleção (Cassiano/Paulo Zdanowski)

2. De Bar Em Bar (Cassiano/Paulo Zdanowski)

3. Melissa (Cassiano)

4. É Isso Aí (Cassiano)

5. Hoje É Natal (Cassiano/Paulo Zdanowski)

6. Salve Essa Flor (Cassiano/Paulo Zdanowski)

7. Não Fique Triste (Cassiano)

8. Cedo Ou Tarde (Cassiano/Suzana)

9. Ana (Cassiano/Paulo Zdanowski)

10. Já (Cassiano)

11. Uma Lágrima (Cassiano)

12. A Casa de Pedra (Cassiano)

13. A Lua E Eu (Cassiano/Paulo Zdanowski)

14. Saia Dessa Fossa (Cassiano/Paulo Zdanowski)

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