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31 de mar. de 2021

GILBERTO GIL & JORGE BEN – OGUM, XANGÔ (1975)

 

A ideia de promover um despojado encontro entre esses dois monstros sagrados da MPB registrando-o em disco nasceu a partir de um jantar informal proporcionado pela Philips (à época, Phonogram) na casa de André Midani, presidente da gravadora. Além dos dois músicos, teriam sido chamados diversos artistas nacionais (dentre os quais, Caetano, Rita Lee, Erasmo Carlos e Nélson Motta). Também deram o ar de sua graça dois dos maiores astros internacionais do blues e do folk, Eric Clapton e Cat Stevens, que estavam de passagem pelo Rio. A amostra do que seria o álbum fascinou os presentes, a ponto de Clapton e Cat terem se esquivado a se envolver, alegando nada ter a acrescentar a um projeto que já parecia irretocável.

Batido o martelo, a Philips preparou o suporte técnico para reproduzir em estúdio a atmosfera mágica revelada na residência de Midani. A gravadora, que atravessava seu período áureo, pôde se dar ao luxo de bancar essa iniciativa incomum com a finalidade de agregar prestígio à gravadora.

Apesar do minimalismo da empreitada em que Gil e Jorge são escoltados apenas por seus respectivos violões, a qualidade sonora ficou irrepreensível.

Nas gravações, foi concedida plena liberdade aos músicos, de modo que se trata de uma performance marcada pelo experimentalismo e faixas quilométricas.

A expectativa é que essa obra pouco convencional não tivesse o objetivo de alcançar sucesso comercial, mas apenas celebrar a excepcional musicalidade de dois artistas já consagrados e no auge de suas carreiras. A lembrar: os trabalhos anteriores de Gil e Jorge haviam sido respectivamente REFAZENDA (1975) e TÁBUA DE ESMERALDAS (1974), reconhecidamente duas de suas mais eloquentes obras primas.

Os artistas despem-se de suas aclamadas condições de cantores e compositores para dar vazão a seu virtuosismo no manejo do rudimentar instrumento de 6 cordas, condimentando-o com seu característico swing. Apenas a presença, vez ou outra, do baixo de Wagner Dias e da percussão de Djalma Corrêa, os únicos acompanhantes. Nada mais.

Não houve maiores preparativos. A partir de um repertório pré-estabelecido, os músicos se entregaram de corpo e alma a improvisações em apenas duas sessões de gravação.

O casamento das habilidades mostrou-se surpreendentemente harmônico. Somando o ritmo refinado de Gil ao balanço visceral de Jorge, enlevados pela negritude da expressão musical que os une, o resultado foi extasiante. Um disco para escutar de joelhos.

Apesar de haver apenas 4 faixas inéditas das 9 incluídas no álbum (4 composições de cada um e uma parceria), as versões em clima de jam session  tornam o trabalho envolvente do começo ao fim.

É o caso de TAJ MAHAL de Jorge Ben, do famoso refrão “teteteteretê” (que inspirou Rod Stewart a criar seu êxito DA YA THING I´M SEXY, reconhecida posteriormente como plágio). Original do álbum de BEN (1972), a canção aqui recebe um arranjo que a estica por mais de 14 minutos de puro êxtase. JURUBEBA, composição inédita de Gil com uma letra que enaltece as propriedades da “planta nobre do sertão” para tratamento do “figueiredo”, é outro momento maiúsculo.

O LP duplo, batizado com o nome de dois orixás reverenciados pelos artistas, não teve, como era de se esperar, grandes vendas e nenhuma das faixas aportou no rádio, nem mesmo ESSA É PRA TOCAR NO RÁDIO (original do disco REFAZENDA de Gil) cuja concepção peculiar parece conferir-lhe um destino oposto ao pressuposto no seu título.

Paralelamente, foi tentada uma versão mais digerível para o grande público, um álbum simples com as músicas cortadas pela metade e uma foto convencional dos músicos na capa substituindo a bela arte de Rogério Duarte que ilustra a original. Dispensável. Esse encontro memorável merece ser deleitado em sua integralidade de quase 80 minutos, uma viagem sonora indescritível.

Foi convertido num único CD, com o frustração de ter tido algumas músicas ‘encurtadas’.

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Faixas:

1.         "Meu Glorioso São Cristóvão" (Jorge Ben) 8:16

2.         "Nega" (Gilberto Gil) 10:34

3.         "Jurubeba" (Gilberto Gil) 11:37

4.         "Quem Mandou (Pé na Estrada)" (Jorge Ben) 6:51

5.         "Taj Mahal" (Jorge Ben) 14:42

6.         "Morre o Burro, Fica o Homem" (Jorge Ben) 6:03

7.         "Essa É pra Tocar no Rádio" (Gilberto Gil) 6:19

8.         "Filhos de Gandhi" (Gilberto Gil) 13:03

9.         "Sarro" (Gilberto Gil / Jorge Ben) 1:23



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