A ideia
de promover um despojado encontro entre esses dois monstros sagrados da MPB registrando-o
em disco nasceu a partir de um jantar informal proporcionado pela Philips (à
época, Phonogram) na casa de André Midani, presidente da gravadora. Além dos
dois músicos, teriam sido chamados diversos artistas nacionais (dentre os
quais, Caetano, Rita Lee, Erasmo Carlos e Nélson Motta). Também deram o ar de sua
graça dois dos maiores astros internacionais do blues e do folk, Eric Clapton e
Cat Stevens, que estavam de passagem pelo Rio. A amostra do que seria o álbum
fascinou os presentes, a ponto de Clapton e Cat terem se esquivado a se
envolver, alegando nada ter a acrescentar a um projeto que já parecia irretocável.
Batido
o martelo, a Philips preparou o suporte técnico para reproduzir em estúdio a atmosfera
mágica revelada na residência de Midani. A gravadora, que atravessava seu
período áureo, pôde se dar ao luxo de bancar essa iniciativa incomum com a
finalidade de agregar prestígio à gravadora.
Apesar
do minimalismo da empreitada em que Gil e Jorge são escoltados apenas por seus
respectivos violões, a qualidade sonora ficou irrepreensível.
Nas
gravações, foi concedida plena liberdade aos músicos, de modo que se trata de uma
performance marcada pelo experimentalismo e faixas quilométricas.
A
expectativa é que essa obra pouco convencional não tivesse o objetivo de alcançar
sucesso comercial, mas apenas celebrar a excepcional musicalidade de dois
artistas já consagrados e no auge de suas carreiras. A lembrar: os trabalhos
anteriores de Gil e Jorge haviam sido respectivamente REFAZENDA (1975) e TÁBUA
DE ESMERALDAS (1974), reconhecidamente duas de suas mais eloquentes obras
primas.
Os artistas
despem-se de suas aclamadas condições de cantores e compositores para dar vazão
a seu virtuosismo no manejo do rudimentar instrumento de 6 cordas,
condimentando-o com seu característico swing. Apenas a presença, vez ou outra,
do baixo de Wagner Dias e da percussão de Djalma Corrêa, os únicos acompanhantes.
Nada mais.
Não
houve maiores preparativos. A partir de um repertório pré-estabelecido, os
músicos se entregaram de corpo e alma a improvisações em apenas duas sessões de
gravação.
O casamento
das habilidades mostrou-se surpreendentemente harmônico. Somando o ritmo refinado
de Gil ao balanço visceral de Jorge, enlevados pela negritude da expressão
musical que os une, o resultado foi extasiante. Um disco para escutar de
joelhos.
Apesar
de haver apenas 4 faixas inéditas das 9 incluídas no álbum (4 composições de
cada um e uma parceria), as versões em clima de jam session tornam o trabalho envolvente do começo ao
fim.
É o
caso de TAJ MAHAL de Jorge Ben, do famoso refrão “teteteteretê” (que inspirou
Rod Stewart a criar seu êxito DA YA THING I´M SEXY, reconhecida posteriormente
como plágio). Original do álbum de BEN (1972), a canção aqui recebe um arranjo
que a estica por mais de 14 minutos de puro êxtase. JURUBEBA, composição
inédita de Gil com uma letra que enaltece as propriedades da “planta nobre do
sertão” para tratamento do “figueiredo”, é outro momento maiúsculo.
O LP
duplo, batizado com o nome de dois orixás reverenciados pelos artistas, não
teve, como era de se esperar, grandes vendas e nenhuma das faixas aportou no
rádio, nem mesmo ESSA É PRA TOCAR NO RÁDIO (original do disco REFAZENDA de Gil)
cuja concepção peculiar parece conferir-lhe um destino oposto ao pressuposto no
seu título.
Paralelamente,
foi tentada uma versão mais digerível para o grande público, um álbum simples
com as músicas cortadas pela metade e uma foto convencional dos músicos na capa
substituindo a bela arte de Rogério Duarte que ilustra a original. Dispensável.
Esse encontro memorável merece ser deleitado em sua integralidade de quase 80
minutos, uma viagem sonora indescritível.
Foi convertido
num único CD, com o frustração de ter tido algumas músicas ‘encurtadas’.
.
Faixas:
1. "Meu Glorioso São Cristóvão"
(Jorge Ben) 8:16
2. "Nega" (Gilberto Gil) 10:34
3. "Jurubeba" (Gilberto Gil) 11:37
4. "Quem Mandou (Pé na Estrada)"
(Jorge Ben) 6:51
5. "Taj Mahal" (Jorge Ben) 14:42
6. "Morre o Burro, Fica o Homem"
(Jorge Ben) 6:03
7. "Essa É pra Tocar no Rádio" (Gilberto
Gil) 6:19
8. "Filhos de Gandhi" (Gilberto
Gil) 13:03
9. "Sarro" (Gilberto Gil / Jorge
Ben) 1:23