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21 de fev. de 2021

ARRELIA – RIDE PALHAÇO (1958)

 


A marchinha de Carnaval faz parte da história da música brasileira e é mais velha do que o samba. Quando Donga registrou sua composição PELO TELEFONE, oficialmente considerado o primeiro samba da história, a marchinha Ô ABRE ALAS de 1899, de autoria da maestrina Chiquinha Gonzaga, já contava com 17 anos de idade.

O ritmo reinou absoluto no Carnaval durante o período de 1920 a 1960. Apenas a partir da década de 1960 foi destituído nos desfiles das escolas de samba pelo samba-enredo. Perdeu também espaço, lamentavelmente, nos blocos de rua para o axé e canções descartáveis que mal duram até a próxima estação.

Permanecem, todavia,  as marchinhas, com suas letras provocativas e de fácil memorização, na lembrança de todos. Traduzem o espírito alegremente transgressor do nosso povo. "A marchinha é um gênero marcado pela crônica de época e pela malícia", diz o musicólogo Ricardo Cravo Albin.

Devido a suas características desaforadas, têm elas sido alvo de intolerância decorrente da onda do politicamente correto que tem assolado nossa cultura nos últimos tempos.

O pesquisador Rodrigo Faour desaprova: “Sou contra o patrulhamento excessivo em cima das músicas de carnaval. Elas são um patrimônio brasileiro, não podemos botar uma carga tão pesada em cima delas. Existem palavras que não são aceitas hoje, mas, na época, eram faladas de maneira não pejorativas”.

Algumas das mais recentes trazem uma conotação sexual e de fato estão eivadas de preconceito como é o caso de CABELEIRA DO ZEZÉ, MARIA SAPATÃO e A PIPA DO VOVÔ, divulgadas pelos capciosos apresentadores de auditório Chacrinha e Sílvio Santos.

Permanecesse nesse nicho, a polêmica não teria maiores repercussões para a cultura nacional. O problema é quando a perseguição atinge compositores tradicionais como Haroldo Lobo, Braguinha, Ary Barroso e Noel Rosa cujas músicas passaram ter sua execução vetada, numa cruzada moralizadora não vista nem nos tempos do AI-5.

No caso do pretenso ‘racismo’, a atenção voltou-se às centenas de canções que usaram a palavra ‘mulata’ (presumidamente derivada de mula). Apesar da suposta origem depreciativa, a questão é se vale a pena crucificar o termo, já incorporado ao vocabulário cotidiano uma vez que o uso corrente consagrou uma nova conotação sem nenhuma vinculação com a espúria raiz etimológica.

A esse respeito, assim se manifesta o cronista Ruy Castro: “Das dezenas de marchas que falam da ‘mulata’, muitas foram compostas por Assis Valente, Wilson Baptista, Haroldo Lobo, Zé e Zilda, Haroldo Barbosa, Monsueto etc. etc., e lançadas por cantores como Orlando Silva, Silvio Caldas, Aracy de Almeida, Carmen Costa, Cyro Monteiro, Moreira da Silva, Jorge Veiga, Ângela Maria etc. etc. Todos mulatos. E não viam nenhum problema nisso.”

Nem mesmo o ícone Caetano Veloso escapou de constar no Index Prohibitorum por referir-se em sua música TROPICÁLIA aos “olhos verdes da mulata”.

Uma das principais vítimas da cruzada anti-racista foi a consagrada O TEU CABELO NÃO NEGA, a mais famosa composição de Lamartine Babo, eleita pela Revista Veja a 3ª maior marchinha de todos os tempos.

Além da amaldiçoada palavra ‘mulata’, os atentos patrulheiros revisionistas se fixaram no verso “mas como a cor não pega” (em que ‘pega’ teria o sentido de transmitir a ‘maldição’ da cor negra). O jornalista Tárik de Souza, um dos maiores estudiosos da nossa música, rebate alegando que o ‘pega’ em questão mais possivelmente significaria ‘importa’, o que confere ao verso, ao contrário do que propalam seus críticos, uma acepção anti-racista.

O fato é que o humor atrevido não escapava da obra de Lamartine.  Que ia muito além. Estende-se a clássicos como SERRA DA BOA ESPERANÇA, SONHEI QUE TU ESTAVAS TÃO LINDA e a celebrada NO RANCHO FUNDO. O samba-canção, parceria com Ary Barroso, recebeu inúmeras gravações (inclusive de sertanejos como Chitãozinho e Xororó, cuja versão acabou tornando-se a mais conhecida do público).

São de Babo também duas das mais populares marchinhas de festas juninas, CHEGOU A HORA DA FOGUEIRA e ISSO É LÁ COM SANTO ANTÔNIO, imortalizadas pela dupla Carmen Miranda & Mário Reis.

Além disso, compôs hinos para os principais times de futebol carioca (inclusive o do América de que era torcedor).

Mas Babo tornou-se mesmo famoso pelas suas conhecidas marchinhas que fizeram a alegria dos foliões. Uma primorosa seleção foi reunida nesse disco, lançado pela Copacabana, sob o nome de RIDE PALHAÇO, canção que abre o disco, inspirada na ópera Pagliacci de Leoncavallo. Nele, o maior palhaço de todos os tempos, o debochado Waldemar Seyssel, vulgo Arrelia, com sua irreverência circense, revela-se um intérprete bastante apropriado para a divertida obra de Lamartine reunindo doze dos melhores temas, alguns cantados em dueto com o próprio compositor.

Sob a escrachada interpretação do palhaço, desfilam O TEU CABELO... e outras pérolas carnavalescas como MOLEQUE INDIGESTO, LINDA MORENA, HISTÓRIA DO BRASIL e A.E. I.O.U (parceria com Noel Rosa), além dos referidos temas juninos. Todas com o ilustre acompanhamento da histórica bandinha do mestre Altamiro Carrilho, já à época um dos flautistas mais requisitados pelos cantores do rádio.

Esse foi o único LP de Arrelia que no entanto gravou vários 78 rotações, o mais famoso em 1951, com a canção MUITO BEM ao lado do seu inseparável companheiro de picadeiro Pimentinha (seu sobrinho) que revelou o famoso bordão “Como vai? Como vai? Vai, vai, vai. Muito bem! Muito bem! Bem! Bem!” que se tornou sua marca registrada durante sua vida artística no saudoso Circo do Arrelia que por mais de 15 anos alegrou a petizada nas telas da TV Record.

Esse disco (obviamente não lançado em CD) pode ser com alguma sorte encontrado em sebos.

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Faixas:

01 – Ride Palhaço (Marcha) – Lamartine Babo

02 – Moleque Indigesto (Marcha) – Lamartine Babo

03 – Ahi, Hein !?…(Marcha) – Lamartine Babo e Paulo Valença

04 – História… Do Brasil (Marcha) – Lamartine Babo

05 – A…E…I…O…U… (Marcha) – Lamartine Babo e Noel Rosa

06 – Linda Morena (Marcha) – Lamartine Babo

07 – Só Dando Com Uma Pedra Nela… (Samba) – Lamartine Babo

08 – Isto É Lá Com Santo Antônio (Marcha – Canção) – Lamartine Babo

09 – Babo…Zeira… (Ranchera – Charge) – Lamartine Babo

10 – Chegou A Hora Da Fogueira (Marcha) – Lamartine Babo

11 – Boa Bola (Marcha) – Lamartine Babo e Paulo Valença

12 – Teu Cabelo Não Nega!… (Marcha) – Lamartine Babo e Irmãos Val



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