Pode-se
afirmar que a importância de Cassiano para a música nacional equivale à de Marvin
Gaye para a norte-americana. Ou, como propõe Ed Motta, creditá-lo como nosso
Stevie Wonder. Outros preferem associá-lo a Otis Redding, Sam Cooke ou Isaac
Hayes. Deixando de lado tais paralelismos, sempre imprecisos, o certo é que Genival
Cassiano, ou apenas Cassiano como era conhecido, teve uma trajetória bastante particular
no universo da música brasileira.
Ainda
que não tenha explodido comercialmente, sua relevância musical, associada à sua
personalidade esquiva, elevou-o à condição de mito. Sua impressionante
musicalidade, a voz contida e a interpretação cool (em oposição às performances
retumbantes e emotivas de Tim Maia), herdadas de sua formação bossanovista (era
fã de João Gilberto), fizeram com que ele não alcançasse a merecida repercussão
pública. A escassa produção, o enorme tempo de recolhimento e o temperamento
retraído afastaram-no dos holofotes, apesar de ser cultuado por uma legião de artistas
dos mais diversos gêneros. Regravaram seus hits, dentre outros, representantes
da MPB como Gil, do axé como Ivete Sangalo, do samba como Alcione, do pagode como
o grupo Pixote e até do rap. As reiteradas menções de Mano Brown dos Racionais
despertaram a admiração de uma nova safra de ouvintes que hoje acorre a suas
obras com interesse.
O
fato é que, antes de se firmar como expoente da música negra, Cassiano foi nos
anos 60 violonista do grupo Bossa Trio que misturava bossa nova com samba-jazz ou
‘sambalanço’, com um toque de Rhythm & Blues. O conjunto foi o embrião d’Os
Diagonais, grupo basilar para explicar o florescimento da black music, tendo
gravado dois álbuns em que misturava de forma pioneira samba e funk, e que
contou também com a presença de Hyldon.
Juntamente
com Tim Maia e Hyldon, Cassiano formou a trindade do funk raiz e do brazilian
soul, gêneros musicais que viveram seus tempos de glória nos profícuos anos 70,
concomitantemente com o apogeu do rock, do tropicalismo e da fase áurea da MPB.
A
coletânea VELHOS CAMARADAS, lançada nos anos 90 pela Universal, resgatou para
as novas gerações a nata do trabalho desses três pilares da black music,
reunindo os hits expressivos de cada um. O álbum alcançou tamanho êxito que
ensejou a edição de um volume 2.
A
trajetória de Tim Maia se confunde com a de Cassiano e não é exagero a este creditar
grande parte do sucesso do ‘síndico’. Basta constatar que o aclamado álbum de
estreia de Tim, de 1970, reconhecido como um dos mais relevantes da MPB, contém,
dentre suas 12 faixas, nada menos do que 4 composições de Cassiano. São de sua
autoria “Você Fingiu”, os mega-hits “Primavera” e “Eu Amo Você” e uma inusitada
mescla de soul com baião, “Padre Cícero” (curiosamente rebatizada como “João
Coragem” para ingressar na trilha da novela Irmãos Coragem). Além disso, Cassiano
participou com a guitarra e os backing vocals ao lado dos companheiros d’Os
Diagonais.
Na esteira
da bem sucedida parceria com Tim Maia, Cassiano lançou pela RCA seu primeiro
álbum solo, IMAGEM E SOM (1971), com a versão do autor para o clássico “Primavera”.
Seguiu-se
o surpreendente álbum APRESENTAMOS NOSSO CASSIANO (1973), tido como uma
aventura experimental e anticomercial, com toques de psicodelia e até rock
progressivo. Um álbum arrojado com ricas orquestrações e melodias elaboradas (como
na faixa “A Casa de Pedra”), que arrancou elogios dos críticos mas afastou o
artista do grande público.
O êxito
comercial viria com CUBAN SOUL em 1976, lançado pela Sony, que contém suas mais
conhecidas interpretações, “A Lua e Eu” e “Coleção”, ambas parcerias com Paulo
Zdanowski. Essas baladas bombaram após figurarem nas trilhas das novelas
globais O Grito e Locomotivas respectivamente.
Esses
três álbuns tornaram-se relíquias, disputadas nos sebos a preços exorbitantes,
sendo que CUBAN SOUL foi reeditado recentemente pela Polysom, na série
Clássicos em Vinil.
Essa discografia enxuta justifica-se pelo fato
de o músico ter sofrido uma tuberculose, tendo retirado um dos pulmões, o que
comprometeu a qualidade de suas interpretações. Devido a isso, um novo trabalho,
em fase de conclusão, foi abortado pela SONY (CBS à época) que ponderou em sua
decisão as limitações vocais do cantor, associadas ao fato de sua pouca
receptividade junto ao público, insuficiente para render retorno financeiro ao
empreendimento. Depois disso, Cassiano mergulhou num ostracismo o que lhe valeu
a fama de recluso.
Ainda
que com tais restrições, um 4º trabalho haveria de ser lançado pela mesma
gravadora depois de 15 anos de afastamento: CEDO OU TARDE (1991) reunindo quase
que exclusivamente remakes de seus maiores sucessos. O álbum contou com as
ilustres participações de Marisa Monte, Djavan, Luiz Melodia, Ed Motta, Sandra
de Sá, Cláudio Zoli e Karla Sabah. Apesar da produção esmerada e da bela e interessante
capa, que remete aos clássicos do blues americano, o resultado não agradou
Cassiano e não emplacou comercialmente.
Quanto
a COLEÇÃO lançado em 2000, consiste, na verdade, em uma compilação das faixas
mais representativas dos 3 primeiros álbuns, sendo que a seleção do repertório
coube ao gabaritado discípulo Ed Motta que estranhamente deixou “Primavera” de
fora, (seria por razões de direitos autorais?). O projeto foge pois ao padrão
comum de coletâneas caça-níqueis lançadas pelas gravadoras com critérios
meramente mercadológicos. Trata-se de um trabalho de excelência encomendado pelo
exigente selo Dubas, sob a supervisão do compositor Ronaldo Bastos. O
resultado é um painel representativo para conhecer o trabalho do grande músico
paraibano. Para quem preferir mergulhar com tudo na obra do artista, a melhor
alternativa mesmo é arrematar os demais álbuns, todos felizmente disponíveis em
CD.
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Faixas:
1. Coleção (Cassiano/Paulo Zdanowski)
2. De Bar Em Bar (Cassiano/Paulo Zdanowski)
3. Melissa (Cassiano)
4. É Isso Aí (Cassiano)
5. Hoje É Natal (Cassiano/Paulo Zdanowski)
6. Salve Essa Flor (Cassiano/Paulo Zdanowski)
7. Não Fique Triste (Cassiano)
8. Cedo Ou Tarde (Cassiano/Suzana)
9. Ana (Cassiano/Paulo Zdanowski)
10. Já (Cassiano)
11. Uma Lágrima (Cassiano)
12. A Casa de Pedra (Cassiano)
13. A Lua E Eu (Cassiano/Paulo Zdanowski)
14. Saia Dessa Fossa (Cassiano/Paulo Zdanowski)
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