A cultura do Brasil tem um débito impagável para com esses dois artistas, cujo sucesso, por ironia, aconteceu na Europa.
Ela, Teresinha
João Calazans, capixaba e criada no Recife mergulhou fundo no folclore do
Nordeste. Atriz e pesquisadora da cultura popular, trabalhou com Geraldo
Azevedo mas acabou deixando o país. Ele, Ricardo Vilas Boas, carioca, componente
do histórico grupo Momento Quatro, ao lado de Zé Rodrix, Maurício Maestro e David
Tygel (quem não lembra do acompanhamento para “Ponteio” com Edu Lobo, vencedora
do festival da MPB da Record de 1967?). Ativista social, acabou preso por
razões políticas durante a ditadura e exilou-se no exterior.
Em
1970, os dois músicos, que não se conheciam, uniram seus talentos em Paris,
onde encontraram um ambiente fértil e um público ávido por ritmos exóticos. Gravaram
na década de 70 nada menos do que cinco discos na França, difundindo sobretudo
sons folclóricos da sua terra natal e mostrando que a criação musical do Brasil
ia muito além do samba e do axé. Ainda que gravados no exterior, contaram com a
participação de músicos brasileiros de renome como Naná Vasconcelos, Novelli, Nélson
Ângelo, Fernando Martins e Coaty de Oliveira.
De
volta ao Brasil, lançaram dois LPs (os únicos por aqui): POVO DAQUI de 1980 e EU
NÃO SOU DOIS de 1981, ambos pelo selo Odeon. Embora não tivessem alcançado o
merecido sucesso, os álbuns não deixaram de ter certa repercussão. Algumas faixas
chegaram a aportar nas boas emissoras de rádio. “Gabriel” do segundo disco e “Aguaceiro”
do primeiro (com a inconfundível harmônica de Sivuca), as canções de maior
sucesso, foram lançadas em compacto simples, sendo que “Aguaceiro” trazia no
lado B “Caicó” (“ó mana, deixa eu ir, ó mana eu vou só, ó mana deixa eu ir para
o sertão de Caicó”), cantiga recolhida do folclore por Teca. Essa adaptação
viria a se tornar bastante conhecida na brilhante interpretação de Milton
Nascimento, em seu disco SENTINELA do mesmo ano.
Também
soarão familiares “Povo Daqui”, “Ciranda da Lua no Mar” e “Velha Amizade”, que
contou com o backing vocal de um conjunto cuja carreira começava a despontar,
um tal de Boca Livre, cujos integrantes Tygel e Maurício foram companheiros de
Ricardo no Momento Quatro.
Mas POVO
DAQUI vai bem além desses temas mais famosos. É um belíssimo trabalho autoral
que mescla MPB, ritmos populares e letras com forte conteúdo social. Contou com
o suporte de renomados músicos. Além dos acima referidos, Nélson Ângelo,
Antônio Adolfo, Novelli, Mauro Senise, Robertinho Silva, Luís Alves, Toninho
Horta e a regência do maestro Guerra Peixe.
Depois
disso, a dupla se desfez, mas os artistas construíram uma extensa discografia solo,
boa parte da qual, disponível apenas no exterior, sobretudo em território
francês, onde já eram nomes consagrados.
Teca
Calazans gravou diversos álbuns de primeiríssima qualidade, com destaque a
trabalhos divididos com Heraldo do Monte e Baden Powell além de um histórico
registro ao vivo ao lado de Elomar, Xangai, Renato Teixeira e Pena Branca
(CANTORIA BRASILEIRA). Destacam-se também trabalhos de resgate à obra de
grandes nomes da cultura nacional como Villa Lobos, Mário de Andrade e Pixinguinha,
ritmos regionais e temas infantis.
Ricardo
Vilas que, ao retornar, retomou a militância política, filiando-se ao PT, lançou
diversos álbuns (a maior parte inédita no Brasil). Seu mais recente trabalho, CANTO
DE LIBERDADE (2018), celebra famosos temas de resistência ao regime militar, além
de canções autorais.
Mas a
produção da dupla Teca & Ricardo deixou saudade. Difícil aceitar que o
público francês foi quem mais pôde apreciar os frutos. Além dos cinco primeiros
álbuns, teve lançada naquele país a coletânea BEST OF (1996). Nenhuma dessas obras
mereceu uma edição nacional.
Quanto
aos dois únicos trabalhos da dupla por aqui, não obstante a qualidade musical,
a esmerada produção e o nível dos acompanhantes, não foram sequer lançados em
CD pela EMI.
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Faixas:
1. Ciranda da Lua
no Mar [Teca Calazans/Ricardo Vilas]
2. Estrela da
Canção [Ricardo Vilas]
3. Aguaceiro
[Teca Calazans/Ricardo Vilas]
4. Triste
Tropical [Ricardo Vilas]
5. Imagem Moderna
[Ricardo Vilas]
6. Minoria
[Ricardo Vilas]
7. Povo Daqui
[Teca Calazans]
8. Velha Amizade
(Participação Especial: Boca Livre) [Ricardo Vilas]
9. Desafio
[Ricardo Vilas]
10. As Flores
Deste Jardim [Ricardo Vilas]
11. Caicó [Tradicional - Adaptação: Teca Calazans]
Legal, adorava essa geração da música brasileira.
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