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29 de jun. de 2022

PAULO DINIZ - ESTRADAS (1976)

 

Reza a lenda que o principiante Paulo Diniz foi demitido de seu emprego de locutor na rádio Jornal do Commercio de Recife por pronunciar errado nomes em inglês. De fato, caso ele tivesse afinidade com o idioma, saberia que a forma correta de seu famoso refrão “I wanna to go back to Bahia” seria “I want to go back” ou “I wanna go back”. Seja como for, se seguisse a carreira radialista, o Brasil ficaria privado do talento musical desse peculiar artista pernambucano que transitava do soul e do samba-rock até o pop romântico para desaguar em trabalhos mais elaborados, mas pouco divulgados. Teve canções gravadas por intérpretes do quilate de Elizeth Cardoso, Doris Monteiro, Clara Nunes, Simone, Emílio Santiago, Daniela Mercury, Wando, Bebeto, Rolando Boldrin e Jota Quest. Por problemas de saúde e de locomoção (contraiu esquistossomose), teve que se afastar dos palcos e das gravações e morreu quase no ostracismo.  

Como tantos de sua geração (Tim Maia, Hyldon), começou no iê-iê-iê, com O CHORÃO, compacto de 1966 que obteve razoável sucesso, com uma letra simplória, característica do estilo. Essa e outras gravações de sua fase inicial foram reunidas no álbum BRASIL, BRASA, BRASEIRO (1967) pelo selo Beverly/Copacabana, incorporado à EMI/ODEON, gravadora que passou a concentrar quase toda a obra do músico. A começar com EU QUERO VOLTAR PRA BAHIA, compacto de retumbante sucesso comercial (parceria com Odibar, seu fiel colaborador), canção de protesto composta em homenagem a Caetano Veloso que se encontrava exilado. Lançada durante os anos de chumbo da ditadura, passou incólume pelo crivo da censura. Caetano retribuiria a cortesia apenas em 2014, registrando a canção no show de lançamento do DVD ABRAÇAÇO, embora tivesse incorporado alguns versos em IF YOU HOLD A STONE (faixa de seu disco de 1971), entremeada por MARINHEIRO SÓ.

EU QUERO VOLTAR... integrou o álbum homônimo (1970), o mais importante da carreira do músico, em que abre espaço para a psicodelia (a começar pela capa) contendo ainda três outras composições conhecidas, todas parcerias com Odibar: UM CHOPE PRA DISTRAIR, PIRI PIRI e PONHA UM ARCO-ÍRIS NA SUA MORINGA, tema 'udigrudi' a ele proposto pelo poeta Paulo Leminski de quem foi amigo. A letra fazia menção a Wilson Simonal, eliminada nas versões posteriores, em vista do cruel processo de fritura de que Simona foi vítima, praticamente banido da MPB por suas supostas (mas nunca comprovadas) ligações com os órgãos de repressão, segundo denúncias fomentadas pelo jornal O Pasquim, o mesmo cujas publicações de Caetano, enviadas de Londres, inspiraram a faixa título. Ironicamente, Simonal tentou obter permissão para gravar a canção em primeira mão, porém o autor sabiamente preferiu, ele mesmo registrá-la com sua inconfundível voz rouca e vibrante.

O álbum seguinte, de 1971, contém a música mais conhecida de seu repertório, a balada romântica PINGOS DE AMOR, acolhida por um público mais amplo, sendo regravada por cantores populares como Sula Miranda, Turma do Pagode, Fernando Mendes, Ricardo Chaves e Wanderley Cardoso,  além de ser adotada como hino pelas torcidas do Grêmio e do Inter. Mas a versão que a revitalizou foi a do Kid Abelha.

Nessa fase áurea (começo dos anos 70), Diniz ganhou bastante dinheiro, muito bem gasto, segundo ele, com mulheres e bebida. Vencida essa etapa, entrou em contato com poetas vanguardistas pernambucanos como Juareiz Correya e Marconi Notaro e teve o suporte de músicos de renome como Nivaldo Ornelas, Wagner Tiso, Hélio Delmiro, Sivuca, Chico Batera, Gilson Peranzetta, Wilson das Neves, Gerson King Combo, Jarbas Mariz, o pessoal do Azymuth e o guitarrista Marcelo Sussekind (Herva Doce), este presente em todos os álbuns do período Odeon.

ESTRADAS, de 1976, talvez tenha sido o mais ambicioso. Aclamado pela crítica, recebeu cuidado especial da gravadora, com orquestração e regência do mestre João Donato e uma bela capa e contracapa, na qual o titular peregrina reflexivo pelo agreste. O álbum foi concebido a partir de uma caminhada a pé de 36 dias feita por Diniz de Recife a Juazeiro do Norte, terra do Padre Cícero, de quem sua mãe era devota, em companhia do amigo Juareiz Correya, letrista de 5 das faixas. Dentre elas, OCO DO MUNDO (não confundir com canção de Gilberto Gil com título semelhante) que nomearia um documentário sobre a vida do artista.

No disco, é musicado o poema de Manuel Bandeira, VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA, consagrando seu hábito de homenagear poetas de sua predileção, como já fizera com Carlos Drummond de Andrade, Gregório de Matos, Augusto dos Anjos, Jorge de Lima e Ferreira Gullar.

Ao contrário do que se imagina, AS ESTRADAS, bela composição de Luís Vagner e Tom Gomes, não faz parte do álbum cujo título inspirou, tendo sido editada em single.

ESTRADAS foi um dos poucos álbuns do artista lançado em CD, porém agregado ao álbum de 1970 na série 2 em 1. Uma pena que a Odeon, detentora dos direitos de 8 dos 11 discos do músico, prefira disponibilizar em CD apenas coletâneas, sempre com as mesmas faixas, ao invés de fazê-lo com os álbuns originais.

Paulo Diniz foi um músico brilhante que mereceria ter uma revisão de sua obra. Zeca Baleiro, um de seus fervorosos fãs, já demonstrou disposição de colaborar com tal iniciativa.

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Faixas:

1. Vou-me Embora Pra Pasárgada (Mús Paulo Diniz s/poema de Manuel Bandeira)

2. Capim da Lagoa (Paulo Diniz/Zé Castor)

3. A Seca (Waldir Neves)

4. Desejo Mudo (Paulo Diniz/Juarez Correya)

5. Junco do Seridó (Paulo Diniz/Juarez Correya)

6. Poema Para Léa (Paulo Diniz/Juarez Correya)

7. Baião das Alagoas (Paraibinha)

8. Ciranda do Mar (Paulo Diniz/Zé do Norte)

9. Peixe Vivo (Tradicional) - Participação: Nayde

10. Cravo Vermelho (Carlos Fernando)

11. Ôco do Mundo (Paulo Diniz/Juarez Correya)

12. Guarânia Morena (Paulo Diniz/Juarez Correya)



16 de jun. de 2022

ABÍLIO MANOEL - PENA VERDE (1970)

 


O nome não esconde: Abílio Manoel é de fato português, tendo-se estabelecido, no entanto, desde criança no Brasil.

PENA VERDE, sua canção mais emblemática, firmou-se como um clássico daquilo que se convencionou chamar de samba-rock, gênero que consagrou, dentre outros, Jorge Benjor, Banda Black Rio e Trio Mocotó e que fez furor nas pistas de dança, prenunciando os concorridos bailes de black music que agitaram a periferia de SP e RJ nos anos 70 e 80. O nome do artista acabou indevidamente associado a esse estilo musical, reforçado por outros dois hits com suingue semelhante: TUDO AZUL NA AMÉRICA DO SUL e LUIZA MANEQUIM.

Uma faceta improvável do músico lusitano revelou-se com o tema BOM DIA AMIGO, canção singela que se tornou conhecida do público infantil, propagada em ambientes escolares e paroquiais. Até Sílvio Santos incluiu a música em seu disco “Sílvio Santos e Suas Colegas de Trabalho”.

Esse perfil não parecia bater com quem teve sua iniciação musical no circuito universitário onde se projetou com ritmos baseados na MPB classuda e letras politicamente engajadas, decorrentes possivelmente de seu passado traumático, em que sua família precisou refugiar-se de Portugal, escapando da ditadura salazarista.

Tanto que, quando ainda pouco conhecido, conquistou, representando a USP (onde cursava Física), o prêmio de melhor compositor de um festival de música universitária latino-americana em Santiago no Chile em 1967.

Dois anos depois, mantendo trajetória compatível, daria o passo decisivo quando faturou o primeiro lugar do Festival Universitário da TV Tupi com PENA VERDE. O compacto simples com a canção (interpretada em dueto com Rosa Rebelo) alcançou amplo sucesso, atingindo os primeiros postos das paradas, tendo também nomeado o LP que a continha.

Nesse álbum de 1970, que contou com belos arranjos orquestrais dos maestros Luiz Arruda Pais e José Briamonte, Abílio assinou 10 das 12 faixas, dentre as quais destaca-se ANDRÉA, que tocou tão fundo os corações femininos que inspirou uma leva de mães a batizar as filhas com o nome.

As 5 canções citadas são do período em que o artista integrava o plantel da Odeon, encontrando-se reunidas nas coletâneas ANDRÉA (1982) e 20 SUCESSOS (1999), este o único disco de Abílio que a gravadora se dignou em disponibilizar em CD. Para quem se dispuser, o bolachão em vinil usado PENA VERDE pode ser adquirido em sebos mediante algumas centenas de reais.

Pra compensar, o músico teve convertidos para CD, graças à iniciativa do selo Discobertas, os dois álbuns que gravou pela Som Livre, AMÉRICA MORENA (1976) e BECOS E SAÍDAS (1978).

O grande débito que a cultura e a arte têm com Abílio Manoel, todavia, ainda não foi mencionado. Falecido em 2010, será ele eternamente lembrado por ter sido um incansável difusor entre nós da música latino-americana de raiz. Foi ele que trouxe para conhecimento público diversos expoentes, até então pouco divulgados, da música folclórica do continente como Mercedes Sosa, Violeta Parra, Victor Jara, Pablo Milanés e outros menos conhecidos, através do programa “América do Sol” que comandou por vários anos, pelas ondas da Bandeirantes FM.

Essa emissora, diga-se de passagem, em seu período inicial de atividades, em meados dos anos 70 (antes de se tornar ‘Band FM’), mantinha uma programação de altíssimo padrão, até hoje não equiparada no dial, em que dava espaço para música de qualidade de vários gêneros como MPB, pop/rock, instrumental etc. As mudanças que alcançaram a emissora, visando torná-la mais ‘popular’ não acabaram com o “América do Sol” que migrou para a USP FM onde perdurou por mais algum tempo.

Na esteira, foram lançados quatro magníficos álbuns-coletânea com o título AMÉRICA DO SOL (selo Copacabana) com um primoroso repertório de música latino-americana, que só chegaram ao ouvinte brasileiro graças à iniciativa de Abílio.

Obrigado, Portuga!

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Faixas:

1. Cavaleiro Andante (Abílio Manoel)

2. Pena Verde (Abílio Manoel) Participação: Rosa Rebelo

3. No Mundo da Lua (Abílio Manoel)

4. Verdejar (Abílio Manoel)

5. Aldeia (Abílio Manoel)

6. Catavento (Abílio Manoel)

7. Andrea (Abílio Manoel)

8. Rosa Cor de Rosa (Sorocaba/Abílio Manoel)

9. Caminhando Para o Azul (Geraldo Cunha/Rosemary Ventura)

10. Nas Areias da Lua (Osinete Marinho/Saulo Farias) Participação: Osinete Marinho

11. Arco-Íris (Abílio Manoel)

12. E Adriana Chorava (Abílio Manoel)

 

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