O maior vendedor de discos do Brasil, ninguém duvida, é Roberto
Carlos com 120 milhões de cópias. Poucos suspeitariam que Nélson Gonçalves com
uma estimativa de 80 milhões fosse o vice. Números que impressionam ainda mais
se considerarmos que grande parte ocorreu entre os anos 40 e os anos 60 quando
a população brasileira era mais enxuta. A produtividade de Nelson também
espanta: mais de 200 discos, entre álbuns e 78 rotações.
Afora o sucesso comercial, não há como contestar que Nelson
esteja entre as maiores vozes masculinas de todos os tempos, disputando a
primazia com Francisco Alves e Orlando Silva (seus ídolos, por sinal).
Aqueles que têm menos de 50 anos, ouvindo hoje o cantor
gaúcho talvez estranhem esse galardão. Para os parâmetros vigentes, a voz
empostada e o repertório de Nelson podem parecer ‘bregas’. É preciso considerar
que, ao longo dos anos, houve uma mudança radical nos padrões estéticos,
sobretudo com o advento da bossa nova que impôs interpretações mais, digamos, contidas.
Seja como for, poucos não se emocionariam ao ouvir sucessos
como “A Volta do Boêmio”, “Negue” e “Fica Comigo Esta Noite”. Porém, o
repertório do intérprete ia muito além dos clássicos ‘dor de cotovelo’ de
Adelino Moreira. Revelou ao público obras essenciais dos principais compositores
da música brasileira da época.
Nem por isso, Nelson deixou de flertar com as novas
gerações tendo inclusive gravado autores como Lobão, Paula Toller, Renato
Russo, Herbert Vianna e Lulu Santos.
Nelson (que na verdade chamava-se Antônio Gonçalves) teve
uma infância difícil, agravada por sua gagueira (que lhe valeu o apelido de
‘Metralha’). Mudou-se com a família para São Paulo, onde, para ascender
socialmente, teve que lutar duro. Literalmente. Tornou-se um exímio boxeador obtendo
o título de campeão paulista em sua categoria. Mas seu sonho de ser cantor
falou mais alto.
Como artista, viveu uma vida intensa, regada a álcool, drogas
(chegou a ser preso por porte de cocaína) e mulheres. Contraditoriamente, manteve
um relacionamento harmônico com sua gravadora RCA Victor (mais tarde, BMG/Ariola),
a que se manteve fiel durante toda a sua longa carreira e que, em troca,
conferiu-lhe o exclusivo prêmio Nipper (concedido também a outro afiliado
exemplar: Elvis Presley).
Em comemoração a seu centenário de nascimento, a Sony (que
representa atualmente a BMG) está disponibilizando grande parte de sua obra,
restaurada e remasterizada, às plataformas de streaming.
Em meio a essa frutífera produção fonográfica, dois
trabalhos se diferenciam. Neles Nelson divide os créditos com instrumentistas
virtuosos com o intérprete emprestando sua privilegiada voz para dialogar num
clima mais intimista com um instrumento solo. Com Arthur Moreira Lima, O BOÊMIO
E O PIANISTA, um projeto tipo ‘piano e voz’. E esse disco AO VIVO acompanhado apenas
do violão de Raphael Rabello.
Em sua breve existência de 32 anos de vida, o prodigioso Rabello
consagrou-se como um dos maiores violonistas (senão o maior) do país. Gravou
mais dois álbuns nesse mesmo padrão: um com Elizeth Cardoso (TODO O SENTIMENTO,
1989) e outro com Ney Matogrosso (À FLOR DA PELE, 1991).
O álbum abre com duas faixas solos de Rabello para dois
clássicos de Tom Jobim, “Samba do Avião” e “Luíza”. A partir de então, Nelson introduz
seu vozeirão, fazendo desfilar pérolas do seu repertório, tendo ao fundo as
precisas cordas de Rabello. Há isoladas participações do violão de Dino 7
Cordas e do acordeom de Caçulinha.
O álbum na verdade não fora planejado: trata-se de uma compilação
de performances dos shows 50 ANOS DE BOEMIA (Teatro Olympia, SP, 1989) e
gravações pinçadas de estúdio (efetuadas em 1991). A música de Noel Rosa que
encerra o álbum foi extraída do álbum NOEL ROSA SONGBOOK. Enfim, uma ‘colcha de
retalhos’ e não fruto de uma prévia concepção.
Todavia, o disco soa
tão redondo que quem desconhecesse esse fato, imaginaria tratar-se de registro
de um show da dupla. O texto da contracapa escrita pelo crítico Mauro Ferreira
sugere que a obra de inestimável valor documental foi preparada para ser um
tributo póstumo aos dois artistas, ambos falecidos alguns anos antes. Disponível
exclusivamente em CD.
.
Faixas:
1. Samba do Avião (Tom Jobim) – solo de violão
2. Luiza (Tom Jobim) – solo de violão
3. Quem Há de Dizer (Alcides Gonçalves, Lupicínio
Rodrigues)
4. Súplica (Déo, José Marcílio, Otávio Gabus Mendes)
5. As Rosas não Falam (Cartola)
6. Nunca (Lupicínio Rodrigues)
7. Chão de Estrelas (Orestes Barbosa, Sílvio Caldas)
8. Fracasso (Mário Lago)
9. Velho Realejo (Custódio Mesquita, Sadi Cabral)
10. Número Um (Benedito Lacerda, Mário Lago)
11. A Deusa da Minha Rua (Jorge Faraj, Newton Teixeira)
12. Três Lágrimas (Ary Barroso)
13. Naquela Mesa (Sérgio Bittencourt)
14. Pra Esquecer (Noel Rosa)
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