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16 de dez. de 2020

JORGE MAUTNER (1974)

 


Jorge Mautner é uma figura absolutamente ímpar. Costumam classificá-lo como ‘maldito’ da MPB ao lado de Jards Macalé, Tom Zé, Walter Franco e Luiz Melodia, artistas que têm em comum o anticomercialismo e o experimentalismo, sem guardarem propriamente afinidade de estilos.

No causo de Mautner, sua participação no cenário cultural não se resume à singularidade de sua música. Relaciona-se às características multifacetadas de sua individualidade. Carioca e paulista, judeu e sincretista, poeta e ensaísta, cantor e violinista, contestador e pacifista. E mais uma porção de ‘istas’: socialista, anarquista vanguardista, tropicalista, ecologista. Ingredientes desse caldeirão metafísico que mescla com naturalidade Nietzsche e apocalipse. A qualificação que lhe cai com maior justeza talvez seja ‘libertário’.

Desde cedo, revelou-se uma mente brilhante e transgressora. Em São Paulo, onde passou parte de sua infância, foi estudante do colégio Dante Alighieri, do qual foi expulso por escrever textos considerados indecorosos. Textos que, apreciados em outra instância, renderam-lhe um prêmio Jabuti.

Além da literatura, atuou em várias frentes: teatro, cinema e música. Seu primeiro registro fonográfico data de 1966, um compacto simples com as músicas “Radioatividade” e “Não, Não, Não” que trazem versos como “você fala que os homens não são iguais” ou “Cristo também era pobre, não tinha o que comer” os quais não devem ter agradado aos militares assim como a temática de seus livros e suas peças vanguardistas. Tanto que o pacato Mautner, munido de seu subversivo violino, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional.

Exilado, depois de uma passagem pelos EUA, vai para Londres onde se torna amigo de duas figuras carismáticas: Caetano e Gil que também se encontravam no exílio. Caetano impressionou-se com os textos de Mautner, identificando neles uma estética tropicalista antes de o movimento aflorar.

Para conhecer com maior detalhe a trajetória do Profeta do Kaos (sic), o melhor mesmo é assistir ao longa O FILHO DO HOLOCAUSTO, produzido pelo apresentador global Pedro Bial para o Canal Brasil em que é narrada a trajetória de vida do artista, entremeada por suas canções executadas no palco. Presentes personagens importantes na sua vida, inclusive a filha Amora que, de improviso, relembra desconcertantes e hilárias revelações de cenas domésticas.

Em 2002, por um desses mistérios que permeiam os desígnios da indústria fonográfica, a Universal, detentora dos direitos dos primeiros álbuns de Mautner, resolveu disponibilizar em CD apenas o primeiro desses discos, PARA ILUMINAR A CIDADE (1972), originalmente lançado por um selo alternativo da Phonogram. Ganhou na edição digitalizada 3 faixas bônus, incluindo uma curiosa parceria com Jards Macalé (“Planeta dos Macacos”), além da primeira parceria com Nelson Jacobina (“Relaxa, meu Bem, Relaxa”). As demais canções foram todas compostas por Mautner, uma delas em parceria com Caetano Veloso (“From Farway”).

Embora tal iniciativa tenha sido digna de louvor por ter trazido à luz um interessantíssimo registro dos primeiros momentos de Mautner, a gravadora ficou devendo o segundo disco que, em tese, deveria ter tido prioridade, inclusive sob o ponto de vista comercial, por ter sido o mais icônico na carreira do artista.

Esse álbum, de 1974, dispõe de uma produção mais esmerada, a cargo de Gil, trazendo a presença de Tutty Moreno na batera e de Roberto de Carvalho (futuro marido de Rita Lee) nos teclados e na guitarra. Conta ainda com a arte na capa assinada pelo celebrado artista gráfico tropicalista Rogério Duarte. A obra marca também a afirmação da longeva colaboração com Nelson Jacobina. Jacobina foi fiel parceiro de Mautner até seu falecimento em 2012. A parceria responde por 7 das 13 faixas do álbum, inclusive do seu maior ‘hit’ “Maracatu Atômico”. Composições cuja marca registrada é uma estrutura musical despretensiosa dando suporte a extravagantes ideias expressas por letras debochadas e irreverentes.

Esse trabalho chegou a ser lançado em CD nos anos 90, pelo selo independente Rock Company, não tendo tido, porém, distribuição satisfatória, vindo a rapidamente se esgotar.

A boa notícia é que esses dois primeiros álbuns bem como o terceiro, MIL E UMA NOITES DE BAGDÁ (1976) ganharam uma edição no box TRÊS TONS. O lançamento da Universal resgata os 3 álbuns remasterizados num trabalho de recuperação à altura de sua importância.

Mautner lançou diversos livros e discos, um ao lado de Caetano, EU NÃO PEÇO DESCULPA (2002). Sempre louvado pelos críticos, jamais experimentou o gosto do ver uma obra sua alcançar sucesso de vendas.

Sua glória foi ter suas deliciosas canções chegado ao público nas vozes de outros intérpretes: Gilberto Gil (“Maracatu Atômico” e “Rouxinol”), Caetano Veloso (“Vampiro”), Gal Costa (“Lágrimas Negras”), Robertinho do Recife (“Encantador de Serpentes”), Morais Moreira (“Pelas Capitais” e“Lenda do Pégaso”), Pepeu Gomes (“Namoro de Bicicleta”), Zé Ramalho (“Orquídea Negra”), Elba Ramalho (“Sonho de uma Noite de Verão”), Amelinha (“Bomba de Estrelas”), Belchior (“E que Tudo Mais Vá para o Céu”), Fagner (“Viajante”), Lulu Santos (“Pipoca à Meia Noite” e “Samba dos Animais”), Kid Abelha (“Meu Mundo Gira em Torno de Você”), Vânia Bastos (“Rouxinol”), Wanderléa (“Ginga na Mandinga”) e Chico Science e Nação Zumbi (“Maracatu Atômico”).

Algumas dessas interpretações podem ser conferidas nos álbuns BOMBA NAS ESTRELAS (1981) e O SER E A TEMPESTADE (1999) em que Mautner divide os créditos com ilustres convidados.

Nas palavras de Gil, Mautner “é uma criança distraída e tola. Sua tolice é como uma lente potente do telescópio do Monte Palomar: traz as estrelas para perto, para dentro”.

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Faixas:

1. Guzzy muzzy (Jorge Mautner)

2. Pipoca à meia-noite (Jorge Mautner)

3. Cinco bombas atômicas (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

4. Ginga de mandinga (Rodolfo Grani Júnior, Jorge Mautner)

5. Rock da TV (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

6. Samba dos animais (Jorge Mautner)

7. Herói das estrelas (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

8. Matemática do desejo (Jorge Mautner)

9. Nababo ê (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

10. O relógio quebrou (Jorge Mautner)

11. Salto no escuro (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

12. Maracatu atômico (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)

13. Um milhão de pequenos raios (Nelson Jacobina, Jorge Mautner)



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