Quem avalia a carreira do Roupa Nova por seus inúmeros hits radiofônicos e canções românticas noveleiras, de apelo popular, talvez não imagine que o grupo também se sobressai no quesito qualidade (com músicos habilidosos e um competente trabalho vocal). E tem pedigree: nasceu apadrinhado por ninguém menos do que Milton Nascimento, admirador de primeira hora, que aliás ajudou a batizar o grupo com o título de uma de suas canções.
O RN
deixou ainda sua marca com o inestimável apoio conferido a duas pérolas da nossa
música: AÇAÍ (de Djavan) com Gal Costa e NOS BAILES DA VIDA (Milton e Fernando
Brant) com Milton Nascimento, presentes respectivamente nos álbuns FANTASIA
(Gal) e CAÇADOR DE MIM (Milton), ambos de 1981. Nesse último caso, a
participação do conjunto consigna o prestígio aos bailes noturnos que, a
exemplo do que ocorreu com Milton, propiciaram ao sexteto carioca a
oportunidade de lançar-se na carreira artística.
Essa
ligação visceral com Milton, acrescentada ao fato de o RN sempre prestigiou o
pessoal do Clube da Esquina fez com que se presumisse que o grupo fosse mineiro
(a exemplo de outra banda bancada por Milton, o 14 Bis, com quem guardava no
início certa semelhança vocal). Na verdade, dois integrantes são mineiros, os
demais, cariocas.
O RN
nasceu ao que parece com a proposta de assumir-se como representante do
autêntico rock’n’roll brazuca, tanto que seu primeiro single foi HOJE AINDA É
DIA DE ROCK de Zé Rodrix, quando ainda se chamavam The Famks. Essa formação
embrionária trazia 4 dos 6 membros originais do RN (o tecladista Cléberson, o
baixista Nando, o guitarrista Kiko e o cantor Paulinho). Com a agregação do
guitarrista Feghali e do baterista Serginho, nascia o Roupa Nova que conservou
essa mesma formação exitosa por nada menos do que quatro décadas, até que a COVID
19 levasse Paulinho em 2020.
O
primeiro álbum como Roupa Nova, o de 1981, tem a marca do produtor Mariozinho
Rocha, responsável por alguns dos grandes momentos da MPB, inclusive do Clube
da Esquina.
A
sonoridade ‘soft’ do grupo valeu-lhe a comparação com grupos internacionais
como o Toto ou o Journey, o que sempre é discutível.
Esse
trabalho marca o ingresso na poderosa Polygram, gravadora que bancou também os
dois álbuns seguintes (a exemplo do primeiro, nomeados simplesmente ROUPA NOVA)
que sinaliza a consolidação do prestígio e do sucesso comercial.
Enquanto
o segundo álbum conserva o estilo anterior, o terceiro marca uma mudança de
repertório, com maior presença de baladas românticas.
O
quarto disco que assinala a passagem para a RCA traz o mega-sucesso WHISKY A GO
GO (da dupla Sullivan/Massadas), tema que se perpetuou como preferido por 10 em
cada 10 festinhas de confraternização.
A
partir daí, o grupo foi derivando progressivamente para uma linha mais popular,
tornando-se campeão de participações em trilhas de novela o que ajudou a
alavancar o sucesso. Contabilizam-se mais de 30 canções inseridas em novelas,
traduzidas em vendas mais robustas. O quinto álbum chegou a atingir espantosos
2,2 milhões de cópias.
Com
isso, o RN abocanhou um público bem mais amplo e diverso. Deixando os
preconceitos de lado, dividiu o palco com campeões de público de todos os
gêneros como Roberto Carlos, Ivete Sangalo, Cláudia Leitte, Rita Lee, Ney
Matogrosso, Anita afora uma legião de sertanejos e padres cantores. Na outra
ponta, firmou parcerias com nomes respeitáveis do cenário internacional como
David Coverdale (Deep Purple/Whitesnake), Steve Hackett (Genesis), David Gates
(Bread) e com os Commodores, lendários representantes da soul music.
Convivendo
com uma linha mais brega, o RN sempre pontuava seu trabalho em resgatar temas
emblemáticos do cancioneiro nacional. Os álbuns DE VOLTA AO COMEÇO (1993) e
OURO DE MINAS (2000) foram dedicados respectivamente a reviver clássicos da MPB
(Gonzaguinha, Chico Buarque, Sérgio Sampaio, Taiguara, Zé Rodrix, Os Mutantes,
O Terço) e à nata dos compositores mineiros ou a eles próximos (Milton, Ronaldo
Bastos, Fernando Brant, Beto Guedes, Flávio Venturini, Lô Borges, João Bosco,
Samuel Rosa).
Em
meio a tanto ecletismo, fica a constatação de que o álbum de 1981 permanece
como a mais honesta referência do grupo.
Além
da citada canção de Milton (que nomeou o grupo), o disco traz os dois primeiros
hits: CANÇÃO DE VERÃO (Luiz Guedes e Thomas Roth) e SAPATO VELHO (Mú, Paulinho
Tapajós e Claudio Nucci), certamente um dos mais belos marcos da música
brasileira de todos os tempos. O álbum traz ainda composições de Feghali,
algumas em parceria com compositores consagrados (Fausto Nilo, Márcio Borges).
O visual despojado e as densas cabeleiras
exibidas denotam que os músicos tinham de início uma pegada bem diversa daquela
que as circunstâncias fizeram-nos adotar posteriormente.
Frente
aos mirabolantes números que o grupo ostenta em seu currículo, o humilde álbum
de 1981 com suas modestas vendas de 15 mil cópias traduz com perfeição o que
dizem as palavras de SAPATO VELHO: “Você lembra, lembra daquele tempo, eu tinha
estrelas nos olhos, um jeito de herói, era mais forte e veloz que qualquer
mocinho de cowboy (...) Talvez eu seja simplesmente como um sapato velho mas
ainda sirvo se você quiser, basta você me calçar que eu aqueço o frio dos seus
pés”.
.
Faixas:
1. "Sapato
Velho" (Mú / Paulinho Tapajós / Cláudio Nucci) - 4:05
2. "Pra
Sempre" (Flávio Venturini / Ana Terra) - 3:12
3. "Bem
Simples" (Ricardo Feghali / Mariozinho Rocha) - 2:48
4. "Um Pouco
de Amor" (Thomas Roth / Luiz Guedes) - 2:21
5. "E o
Espetáculo Continua" (Tavynho Bonfá / Ivan Wrigg) - 3:21
6.
"Recomeçar" (Eládio Sandoval / Jamil Joanes) - 2:38
7. "Tanto
Faz" (Ricardo Feghali / Fausto Nilo) - 2:47
8. "Canção
de Verão" (Thomas Roth / Luiz Guedes) - 2:51
9. "Quem
Virá" (Ricardo Feghali / Márcio Borges) - 2:50
10. "Roupa
Nova" (Milton Nascimento / Fernando Brant) - 3:18
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