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24 de jan. de 2021

GENIVAL LACERDA – AQUI TEM CATIMBERÊ (1975)

 

Não se sabe se ‘forró’ deriva de ‘forrobodó’ (festança) como dizem alguns etimólogos ou se é uma corruptela da expressão em inglês ‘for all’ como sustenta outra ala, em que se inclui, por exemplo, Geraldo Azevedo. O que é certo, no forró, é que, como diz a canção de Dominguinhos, ‘quem tá fora quer entrar mas quem tá dentro não sai”.

Controvérsias à parte, o forró é consensualmente uma autêntica manifestação cultural do Nordeste como a literatura de cordel, a capoeira e o acarajé, havendo inclusive uma iniciativa junto ao IPHAN para torná-lo patrimônio imaterial do Brasil.

Através de sua vertente ‘forró universitário’, conquistou a juventude dos grandes centros do Sudeste, com conjuntos de sucesso baseados no eixo SP/RJ como Falamansa, Rastapé, Bicho de Pé, Circuladô de Fulô, Trio Virgulino, Trio Forrozão, Forroçacana. A despeito das reservas dos puristas, esse movimento musical urbano, que teve seu auge nos anos 90, nunca deixou de se conectar aos grandes nomes tradicionais do forró e afins (xote, baião, xaxado, arrasta-pé).

Percebendo esse potencial, a indústria cultural criou mais recentemente uma versão estilizada, o ‘forró eletrônico’ ou ‘tecnobrega’ (apelidada por Chico César de ‘forró de plástico’). Grupos como Mastruz com Leite, Limão com Mel, Calcinha Preta, Aviões do Forró e Os Magníficos (curiosamente, todos sediados no Nordeste) arrastavam multidões a seus shows pirotécnicos cujas performances glamourizadas pouco lembram a coreografia singela do “forró pé de serra” de Luiz Gonzaga. A soberana sanfona foi destronada e substituída pelo órgão eletrônico e às imprescindíveis picardias foram adicionadas fúteis temáticas românticas.

Nesse universo, o som de Genival Lacerda soava extemporâneo, assim como suas apresentações, onde estavam presentes o indefectível chapéu coco, a roupa multicolorida e a maneira singular de se requebrar desengonçado no palco, carregando o barrigão saliente. Suas letras eram carregadas de deboche e ressaltavam a malícia e o duplo sentido. Devido a isso, alguns tachavam sua música de porno-xote, pecha que o artista, ofendido, rejeitava, alegando, por exemplo, jamais ter lançado mão de palavrões.

Conforme explica o músico Silvério Pessoa (da banda Cascabulho), “Genival fez parte de um clã que está em extinção, o forró ligeiro quebrado, dividido, lúdico.” Tendo como suporte o trio básico acordeon/zabumba/triângulo que caracteriza o forró de raiz, bebeu direto das fontes originais que moldaram seus álbuns iniciais quando ainda não dava tanto espaço para as brejeirices que viriam a marcar a segunda metade da sua carreira.

Enfim, um genuíno representante da primeira geração do forró que inclui nomes emblemáticos como Ary Lobo, Gordurinha, Marinês, Clemilda, Anastácia, Trio Nordestino e sobretudo os gigantes Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Em sua discografia, constam aliás um tributo a Jackson do Pandeiro (que era aliás seu concunhado) e outro em que revisa a obra de Luiz Gonzaga (participação de Fagner, Elba Ramalho e Chico César).

Embora tenha gravado mais de 70 álbuns, consagrou-se mesmo com a música SEVERINA XIQUE XIQUE (co-autoria com João Gonçalves) de 1975 com o famoso refrão “ele tá de olho na butique dela” que se tornou sua marca registrada e estendeu seu prestígio para todo o país. A canção ganhou releitura de uma pá de artistas de renome: Zeca Pagodinho, Marisa Monte, Nando Reis, Zeca Baleiro, MPB-4, Pato Fu.

A faixa puxou as vendas do álbum AQUI TEM CATIMBERÊ, selo Copacabana. Curioso que essa gravadora, sediada em São Paulo, embora tivesse em seu elenco muitos intérpretes populares, não era especializada em música nordestina e resistiu em bancar o projeto de Genival, cujo lançamento acabaria por lhe render 800 mil cópias vendidas.

O álbum NÃO DESPREZE O SEU COROA (1979) denota outro ponto alto na carreira do artista paraibano. Com arranjos de Sivuca e a presença de Dominguinhos, esse disco traz os hits ROCK DO JEGUE (referenciado em uma faixa do único disco dos Mamonas Assassinas) e RADINHO DE PILHA (regravada pelo grupo Camisa de Vênus).

Descontando suas capas de gosto duvidoso em que aparece ao lado de mulheres de biquíni, e as letras com tom machista (“tem mulher que só aprende quando o coro desce” in RADINHO DE PILHA), que retratam os preconceitos e os valores de grande parte do seu público, Genival é um exímio cronista de costumes que carrega o espírito original do forró voltado ao indivíduo das classes menos favorecidas e aos contratempos dos imigrantes, amenizados com humor.

Como diz Marcelo D2: “(ele) faz lembrar a alegria do Brasil, me conecta com meus antepassados e traz uma sensação boa de felicidade”.

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Faixas:

1- Severina Xique-Xique (João Gonçalves/Genival Lacerda)

2- A Filha de Mané Bento (João Gonçalves/Genival Lacerda)

3- Deixem Ela Sofrer (Joca de Castro/Genival Lacerda)

4- Bahia do Catimberê (Haroldo Francisco/Orlando Deco)

5- Benzinho (Brito Lucena)

6- Ela É do Contra (Durval Vieira)

7- Para Papagaio (Antônio Barros)

8- Meu Barco Afundou (Luis Boquinha)

9- Leão de Cafieira (Severino Ramos)

10- Vamos Brincar de Roda (João Gonçalves/Genival Lacerda)

11- Morena Faceira (Brito Lucena)

12- Tenente Bezerra (Gordurinha)

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