Não
se sabe se ‘forró’ deriva de ‘forrobodó’ (festança) como dizem alguns etimólogos
ou se é uma corruptela da expressão em inglês ‘for all’ como sustenta outra ala,
em que se inclui, por exemplo, Geraldo Azevedo. O que é certo, no forró, é que,
como diz a canção de Dominguinhos, ‘quem tá fora quer entrar mas quem tá dentro
não sai”.
Controvérsias
à parte, o forró é consensualmente uma autêntica manifestação cultural do
Nordeste como a literatura de cordel, a capoeira e o acarajé, havendo inclusive
uma iniciativa junto ao IPHAN para torná-lo patrimônio imaterial do Brasil.
Através
de sua vertente ‘forró universitário’, conquistou a juventude dos grandes
centros do Sudeste, com conjuntos de sucesso baseados no eixo SP/RJ como
Falamansa, Rastapé, Bicho de Pé, Circuladô de Fulô, Trio Virgulino, Trio
Forrozão, Forroçacana. A despeito das reservas dos puristas, esse movimento
musical urbano, que teve seu auge nos anos 90, nunca deixou de se conectar aos
grandes nomes tradicionais do forró e afins (xote, baião, xaxado, arrasta-pé).
Percebendo
esse potencial, a indústria cultural criou mais recentemente uma versão
estilizada, o ‘forró eletrônico’ ou ‘tecnobrega’ (apelidada por Chico César de ‘forró
de plástico’). Grupos como Mastruz com Leite, Limão com Mel, Calcinha Preta,
Aviões do Forró e Os Magníficos (curiosamente, todos sediados no Nordeste)
arrastavam multidões a seus shows pirotécnicos cujas performances glamourizadas
pouco lembram a coreografia singela do “forró pé de serra” de Luiz Gonzaga. A soberana
sanfona foi destronada e substituída pelo órgão eletrônico e às imprescindíveis
picardias foram adicionadas fúteis temáticas românticas.
Nesse
universo, o som de Genival Lacerda soava extemporâneo, assim como suas apresentações,
onde estavam presentes o indefectível chapéu coco, a roupa multicolorida e a
maneira singular de se requebrar desengonçado no palco, carregando o barrigão
saliente. Suas letras eram carregadas de deboche e ressaltavam a malícia e o
duplo sentido. Devido a isso, alguns tachavam sua música de porno-xote, pecha
que o artista, ofendido, rejeitava, alegando, por exemplo, jamais ter lançado
mão de palavrões.
Conforme
explica o músico Silvério Pessoa (da banda Cascabulho), “Genival fez parte de
um clã que está em extinção, o forró ligeiro quebrado, dividido, lúdico.” Tendo
como suporte o trio básico acordeon/zabumba/triângulo que caracteriza o forró
de raiz, bebeu direto das fontes originais que moldaram seus álbuns iniciais
quando ainda não dava tanto espaço para as brejeirices que viriam a marcar a
segunda metade da sua carreira.
Enfim,
um genuíno representante da primeira geração do forró que inclui nomes emblemáticos
como Ary Lobo, Gordurinha, Marinês, Clemilda, Anastácia, Trio Nordestino e
sobretudo os gigantes Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Em sua discografia,
constam aliás um tributo a Jackson do Pandeiro (que era aliás seu concunhado) e
outro em que revisa a obra de Luiz Gonzaga (participação de Fagner, Elba
Ramalho e Chico César).
Embora
tenha gravado mais de 70 álbuns, consagrou-se mesmo com a música SEVERINA XIQUE
XIQUE (co-autoria com João Gonçalves) de 1975 com o famoso refrão “ele tá de
olho na butique dela” que se tornou sua marca registrada e estendeu seu
prestígio para todo o país. A canção ganhou releitura de uma pá de artistas de
renome: Zeca Pagodinho, Marisa Monte, Nando Reis, Zeca Baleiro, MPB-4, Pato Fu.
A faixa
puxou as vendas do álbum AQUI TEM CATIMBERÊ, selo Copacabana. Curioso que essa
gravadora, sediada em São Paulo, embora tivesse em seu elenco muitos
intérpretes populares, não era especializada em música nordestina e resistiu em
bancar o projeto de Genival, cujo lançamento acabaria por lhe render 800 mil
cópias vendidas.
O
álbum NÃO DESPREZE O SEU COROA (1979) denota outro ponto alto na carreira do
artista paraibano. Com arranjos de Sivuca e a presença de Dominguinhos, esse
disco traz os hits ROCK DO JEGUE (referenciado em uma faixa do único disco dos
Mamonas Assassinas) e RADINHO DE PILHA (regravada pelo grupo Camisa de Vênus).
Descontando
suas capas de gosto duvidoso em que aparece ao lado de mulheres de biquíni, e
as letras com tom machista (“tem mulher que só aprende quando o coro desce” in
RADINHO DE PILHA), que retratam os preconceitos e os valores de grande parte do
seu público, Genival é um exímio cronista de costumes que carrega o espírito
original do forró voltado ao indivíduo das classes menos favorecidas e aos contratempos
dos imigrantes, amenizados com humor.
Como
diz Marcelo D2: “(ele) faz lembrar a alegria do Brasil, me conecta com meus
antepassados e traz uma sensação boa de felicidade”.
.
Faixas:
1- Severina
Xique-Xique (João Gonçalves/Genival Lacerda)
2- A
Filha de Mané Bento (João Gonçalves/Genival Lacerda)
3- Deixem
Ela Sofrer (Joca de Castro/Genival Lacerda)
4- Bahia
do Catimberê (Haroldo Francisco/Orlando Deco)
5- Benzinho
(Brito Lucena)
6- Ela
É do Contra (Durval Vieira)
7- Para
Papagaio (Antônio Barros)
8- Meu
Barco Afundou (Luis Boquinha)
9- Leão
de Cafieira (Severino Ramos)
10- Vamos
Brincar de Roda (João Gonçalves/Genival Lacerda)
11- Morena
Faceira (Brito Lucena)
12- Tenente
Bezerra (Gordurinha)
Nenhum comentário:
Postar um comentário